Davos 23: going pear-shaped, por Michael Roberts
The Next Recession, 17 de Janeiro de 2023
Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
Esta semana, o jamboree da rica elite global do Fórum Económico Mundial (WEF) recomeçou depois do interregno da COVID. Os principais líderes políticos e empresariais voaram nos seus jatos privados para discutir as alterações climáticas e o aquecimento global, bem como a iminente recessão económica global, a crise do custo de vida e a guerra da Ucrânia.
O seu estado de espírito é aparentemente negativo. Dois terços dos economistas principais inquiridos pelo WEF acreditam que é provável que haja uma recessão global em 2023, com quase um em cada cinco a dizer que é extremamente provável que isso aconteça. Os líderes empresariais também estão ansiosos, com 73% dos CEOs de todo o mundo a considerar que o crescimento económico global irá diminuir nos próximos 12 meses. Esta é a perspetiva mais pessimista desde que o inquérito do WEF foi feito pela primeira vez há 12 anos.
Pouco antes do início do Fórum na exclusiva estância de esqui na neve de Davos, na Suíça, o WEF publicou o seu Relatório de Risco Global. Este faz uma leitura chocante sobre o estado do capitalismo global na década de 2020.
O relatório diz que: “a próxima década será caracterizada por crises ambientais e sociais, impulsionadas por tendências geopolíticas e económicas subjacentes”. A crise do custo de vida é classificada como o risco global mais grave nos próximos dois anos, atingindo um pico a curto prazo. A perda de biodiversidade e o colapso dos ecossistemas é visto como um dos riscos globais que mais rapidamente se agravarão na próxima década e todos os seis riscos ambientais figuram entre os dez maiores riscos ao longo dos próximos dez anos.
O relatório prossegue: “A inflação contínua induzida pela oferta poderão levar à estagflação, cujas consequências socioeconómicas poderão ser graves, dada uma interação sem precedentes com níveis historicamente elevados da dívida pública. A fragmentação económica global, as tensões geopolíticas e uma reestruturação mais profunda poderão contribuir para o alastramento da dívida nos próximos 10 anos”. Observa que “a tecnologia irá exacerbar as desigualdades; enquanto os esforços de mitigação do clima e de adaptação ao clima são estabelecidos para um compromisso arriscado, à medida que a natureza entra em colapso. E “crises alimentares, de combustível e de custos exacerbam a vulnerabilidade da sociedade, ao mesmo tempo que o declínio dos investimentos no desenvolvimento humano corrói a resiliência futura”. Aparentemente, está acelerado o risco de uma “policrise”
O que é que os organizadores do WEF e os seus participantes planeiam fazer em relação a esta ‘policrise’? Bem, o WEF parte do pressuposto de que o capitalismo tem de sobreviver, mas a melhor forma de o conseguir é “moldando” o capitalismo em algo “inclusivo de todos”. Klaus Schwab, o co-fundador do WEF, gosta de lhe chamar “capitalismo de partes interessadas”.
Schwab explica: “De um modo geral, temos três modelos à escolha. O primeiro é o “capitalismo acionista”, praticado pela maioria das empresas ocidentais, que defende que o principal objetivo de uma empresa deve ser o de maximizar os seus lucros. O segundo modelo é o “capitalismo de Estado”, que confia ao governo a definição da direção da economia, e que tem se tem imposto em muitos mercados emergentes, sobretudo na China. Mas, em comparação com estas duas opções, a terceira é a que mais se recomenda. “Capitalismo participativo”, um modelo que propus pela primeira vez há meio século atrás, posiciona as empresas privadas como administradores da sociedade e é claramente a melhor resposta aos atuais desafios sociais e ambientais”.
As grandes empresas deveriam ser os ‘administradores da sociedade’ e a principal força para resolver “os desafios sociais e ambientais de hoje”. Mas precisamos de substituir “o capitalismo acionista” onde “o enfoque único é no lucro, o que tem levado a que o capitalismo se torne cada vez mais desligado da economia real”. De acordo com Schwab, “esta forma de capitalismo já não é sustentável”. Em contraste, as grandes empresas, em conjunto com governos e organizações multilaterais, podem em vez disso desenvolver “o capitalismo das partes interessadas “, o que, segundo Schwab, pode “aproximar o mundo da realização de objetivos comuns”.
Todos os anos a Oxfam publica o seu relatório anual sobre desigualdade para coincidir com a reunião do Fórum Económico Mundial, a fim de expor a hipocrisia do “capitalismo de partes interessadas”. O relatório deste ano contava a história do aumento da desigualdade da riqueza e dos rendimentos desde a pandemia. “Nos últimos dois anos, o grupo dos 1% super-rico do mundo ganhou quase duas vezes mais riqueza do que os restantes 99% combinados”, disse Oxfam.
Embora existam quase 8 mil milhões de pessoas no mundo, pouco mais de 3.000 são bilionários a partir de Novembro de 2022. Este pequeno grupo de pessoas vale quase 11,8 milhões de milhões de dólares – o equivalente a cerca de 11,8% do PIB global. Entretanto, pelo menos 1,7 mil milhões de trabalhadores vivem em países onde a inflação está a ultrapassar o seu crescimento salarial, mesmo quando a fortuna bilionária está a aumentar 2,7 mil milhões de dólares (2,5 mil milhões de euros) por dia.
O relatório anual de riqueza global do Credit Suisse é a análise mais abrangente da riqueza pessoal global e da sua distribuição. O relatório de 2022 revelou que no final de 2021, a riqueza global total tinha atingido 463,6 milhões de milhões de dólares, ou mais de 4,5 vezes a produção anual mundial. A riqueza global aumentou 9,8% em 2021, muito acima da média anual de 6,6% registada desde o início do século. Se excluirmos o movimento das moedas, a riqueza global agregada cresceu 12,7%, tornando-a na taxa anual mais rápida jamais registada.
Esta subida vertiginosa reduziu-se a dois fatores: uma subida acentuada dos preços dos imóveis e um boom bolsista alimentado pelo crédito. Assim, quase todo este aumento da riqueza foi para os mais ricos do mundo. De facto, em 2020, 1% de todos os adultos (56m) do mundo possuía 45,8% de toda a riqueza pessoal do mundo; enquanto 2,9 mil milhões possuíam apenas 1,3%. Em 2021, essa desigualdade agravou-se. Em 2021, o grupo dos 1% mais ricos possuía agora 47,8% de toda a riqueza pessoal, enquanto 2,8 mil milhões possuíam apenas 1,1%! E os 13% de topo possuíam 86% de toda a riqueza.
O relatório da Oxfam salienta que por cada dólar angariado em impostos, apenas quatro cêntimos provêm de impostos sobre a riqueza. O fracasso em tributar a riqueza é mais pronunciado nos países de rendimento baixo e médio, onde a desigualdade é mais elevada. Dois terços dos países não têm qualquer forma de imposto sucessório sobre a riqueza e os bens passados aos descendentes diretos. Metade dos bilionários do mundo vivem agora em países sem esse imposto, o que significa que 5 milhões de milhões de dólares serão passados livres de impostos para a geração seguinte, uma soma maior do que o PIB de África.
As taxas máximas de imposto sobre o rendimento tornaram-se mais baixas e menos progressivas, com a taxa média de imposto sobre os mais ricos a cair de 58% em 1980 para 42% mais recentemente nos países da OCDE. Em 100 países, a taxa média é ainda mais baixa, com 31%. As taxas de imposto sobre as mais-valias – na maioria dos países a fonte de rendimento mais importante para os primeiros 1% – são apenas 18%, em média, em mais de 100 países. Apenas três países tributam os rendimentos do capital mais do que os rendimentos do trabalho.
Muitos dos homens mais ricos do planeta atualmente escapam com o pagamento de quase nenhum imposto. Por exemplo, um dos homens mais ricos da história, Elon Musk, demonstrou pagar uma “verdadeira taxa de imposto” de 3,2%, enquanto outro dos bilionários mais ricos, Jeff Bezos, paga menos de 1%.
A resposta política da Oxfam é a de tributar os ricos. A Oxfam apela a um imposto até 5% sobre os multimilionários e bilionários do mundo que poderia arrecadar 1,7 milhão de milhões de dólares por ano “o suficiente para tirar 2 mil milhões de pessoas da pobreza e financiar um plano global para acabar com a fome”. “O objetivo final deveria ser ir mais longe, e abolir totalmente os bilionários, como parte de uma distribuição mais justa e racional da riqueza do mundo”.
A questão que será naturalmente colocada é até que ponto é realista esperar que os governos que apoiam o “capitalismo de partes interessadas” introduzam impostos mais elevados sobre a riqueza e o rendimento, quanto mais abolir todos os bilionários através da tributação? Isso vai exigir uma luta de massas para levar os governos dos trabalhadores ao poder para trabalharem em coordenação a nível global. Nesse caso, porquê limitarmo-nos a tributar os ricos e porque não, em vez disso, procurar acabar completamente com o capitalismo.
É a mesma história com as alterações climáticas. COP 27 e COP 15 foram falhanços completos na tentativa de atingir mesmo o objetivo do COP de Paris de limitar as temperaturas médias globais a 1,5C acima dos níveis pré-industriais. O ano passado foi o quinto mais quente dos registos, com a temperatura média global quase 1,2C acima dos níveis pré-industriais, de acordo com o programa de observação da Terra da UE.
O ano foi marcado por 12 meses de extremos climáticos, com a Europa a registar o seu Verão mais quente de sempre, apesar da presença pelo terceiro ano consecutivo do fenómeno La Niña que tem um efeito de arrefecimento, indica Copernicus Climate Change Service, no seu relatório a anual sobre o clima da Terra. Ao mesmo tempo, as emissões de gases com efeito de estufa dos EUA aumentaram novamente em 2022, colocando o país ainda mais atrás dos seus objetivos no âmbito do acordo climático de Paris, apesar da aprovação de legislação abrangente sobre energia limpa no ano passado.
As emissões globais de dióxido de carbono provenientes de combustíveis fósseis e cimento aumentaram 1,0% em 2022, atingindo um novo recorde de 36,6 mil milhões de toneladas de CO2 (GtCO2). As emissões “são aproximadamente constantes desde 2015” devido a um declínio modesto nas emissões de uso do solo, equilibrando modestos aumentos de CO2 fóssil. Mas lembrem-se, níveis estáveis de emissões não são suficientes para impedir que o mundo continue a aquecer para além dos limites da meta oficial. Uma redução de 50% nas emissões até ao final desta década e zero emissões até ao final do século são necessárias, e isto no mínimo.
Em vez disso, as emissões dos EUA aumentaram 1,3% no ano passado, segundo estimativas preliminares da consultoria ambiental Rhodium Group, lideradas por aumentos acentuados dos edifícios, indústria e transportes do país. “Com o ligeiro aumento das emissões em 2022, os EUA continuam a ficar para trás nos seus esforços para cumprir a sua meta estabelecida ao abrigo do Acordo de Paris de reduzir as emissões de GEE 50-52 por cento abaixo dos níveis de 2005 até 2030”, disseram os autores. No ano passado, as emissões dos EUA ficaram apenas 15,5% abaixo dos níveis de 2005.
Mas não se preocupe, o porta-voz dos EUA para o clima, John Kerry, esteve esta semana em Davos para se queixar dos lentos progressos. E o antigo governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, agora o organizador entre os bancos internacionais de um fundo de financiamento climático, também esteve lá para se queixar da lentidão dos progressos. Tenho a certeza de que isso levará à acção.
E depois há o estado da própria economia mundial. Pouco antes de Davos, a chefe do FMI Kristalina Georgieva avisou que um terço da economia mundial seria atingida pela recessão este ano. O FMI calcula que o crescimento real do PIB mundial será de apenas 2,7% em 2023. Isto não é oficialmente uma recessão em 2023 – “mas vai sentir-se como tal”. E o FMI deverá baixar novamente as suas previsões no final deste mês. “Os riscos para as perspetivas permanecem invulgarmente grandes e para o lado negativo”.
E a previsão do FMI é a mais otimista. A OCDE calcula que o crescimento global irá abrandar para 2,2% no próximo ano. “A economia global está a enfrentar desafios significativos. O crescimento perdeu ímpeto, a inflação elevada alargou-se entre países e produtos, e está a revelar-se persistente. Os riscos são enviesados para o lado negativo”. Depois a UNCTAD, no seu último relatório sobre Comércio e Desenvolvimento, também projeta que o crescimento económico mundial irá cair para 2,2% em 2023. “O abrandamento global deixaria o PIB real ainda abaixo da sua tendência pré-pandémica, custando ao mundo mais de 17 milhões de milhões de dólares – perto de 20% do rendimento mundial”.
O último relatório Global Economic Prospects do Banco Mundial é ainda mais pessimista. O Banco Mundial calcula que o crescimento global abrandará ao seu terceiro ritmo mais fraco em quase três décadas, ofuscado apenas pelas recessões globais de 2009 e 2020. Será um abrandamento acentuado e duradouro, com o crescimento global a diminuir para 1,7% em 2023, com a deterioração generalizada: em praticamente todas as regiões do mundo, o crescimento do rendimento per capita será mais lento do que foi durante a década anterior à COVID-19. E essa foi a década do que eu chamo de Depressão Longa. No final de 2024, os níveis do PIB nas economias em desenvolvimento estarão cerca de 6% abaixo do nível esperado na véspera da pandemia.
Depois há as crescentes tensões geopolíticas. – não apenas o conflito Rússia-Ucrânia, mas a crescente “fragmentação” da economia mundial. A hegemonia americana, construída em torno da “globalização” e da Grande Moderação dos anos 80 até aos anos 2000, acabou. .
Georgieva está particularmente preocupada. Na sua mensagem pré-Davos, ela lamentou-se : “estamos perante o espectro de uma nova Guerra Fria que poderia ver o mundo fragmentar-se em blocos económicos rivais”. Os ganhos da globalização poderiam ser “desperdiçados”. Mas é outro mito, o de que que a “globalização” beneficiou a maioria. Georgieva diz que “desde o fim da Guerra Fria, a dimensão da economia global triplicou aproximadamente, e quase 1,5 mil milhões de pessoas foram retiradas da pobreza extrema”. Mas a melhoria na produção global e no nível de vida que foi alcançada limitou-se principalmente à China e à Ásia Oriental. O crescimento económico mundial abrandou desde os anos 90 e a pobreza não foi reduzida em cerca de 4 mil milhões de pessoas no planeta, enquanto a desigualdade aumentou (como revelado acima).
Georgieva quer inverter a onda de novas restrições comerciais que é “um perigoso declive escorregadio em direção a uma fragmentação geoeconómica galopante”. Ela considera que o custo a longo prazo da fragmentação do comércio poderia variar entre 0,2% da produção global num cenário de “fragmentação limitada” até quase 7% num “cenário grave” – o que equivale à produção anual combinada da Alemanha e do Japão. Se a dissociação tecnológica for adicionada à mistura, alguns países poderiam ver perdas até 12% do PIB. A globalização aumentou as desigualdades e não produziu resultados na redução da pobreza; a fragmentação é suscptível de intensificar esses resultados.
Qual é a resposta de Georgieva a tudo isto? Em primeiro lugar, reforçar o sistema de comércio internacional. Em segundo lugar, ajudar os países vulneráveis a lidar com a dívida. Em terceiro lugar, intensificar a ação climática. Ela resumiu: “As discussões em Davos serão um sinal de esperança de que podemos avançar na direção certa e promover uma integração económica que traga paz e prosperidade a todos”. Alguma esperança. Davos quer ‘moldar’ o capitalismo, mas, em vez disso, está a coloca-lo em risco de implosão.
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Davos 23: going pear-shaped – Michael Roberts Blog (wordpress.com)