CARTA DE BRAGA – “do som e da cor das coisas” por António Oliveira

 

A Carta de Hoje está dedicada a algumas das grandes ‘incongruências’, reais ou da boca dos homens, não só para pensarmos um pouco nos paradoxos que a vida nos impõe em permanência, mas também para podermos rir, ou pensar no palavrão ou nome feio, daqueles que a nossa mãe nunca nos permitia dizer, para desabafar e ‘brindar’ um qualquer dos que nos ‘arrefentam’ a vida. 

Começo por citar alguns dos tiranos que a história antiga nos regalou, como Calígula ou Nero, não só pela sua maldade, mas também pelos excessos e excentricidades. De Nero se diz que tocava lira enquanto Roma ardia e, de Calígula, pouco faltou para nomear cônsul o seu cavalo Incitatus, mas a quem atribuiu quase duas dezenas de criados e pôs a dormir em mantas púrpura, a cor das fatiotas imperiais. 

Também mandou construir templos para si mesmo, e Camus tomou-o como exemplo da condição humana e da angústia que o mero facto de existir pode provocar no mundo dos homens. 

Mas no mundo de hoje e, sem recorrer a nomes que estarão na boca de toda a gente, o relatório da Oxfam, já aqui referido, feito para divulgar em Davos, salienta que Elon Musk, o americano das tecnologias e dos automóveis Tesla, um dos homens mais ricos do mundo, diz ter pago uma ‘real taxa de imposto’, cerca de 3% entre 2014 e 2018! Mas, paradoxalmente e, ainda de acordo com aquela organização não-governamental, Aber Christine, vendedor de farinha no Uganda, ganha 80 dólares (74 euros) por mês e paga uma taxa de imposto de 40%!

Exactamente pelos muitos casos iguais ou parecidos a este, a Oxfam exorta os governos mundiais a introduzir impostos extraordinários de solidariedade sobre os multimilionários, para combater a ‘explosão de desigualdade’ registada nos últimos anos e sugere aumentar permanentemente os impostos sobre os mais ricos para pelo menos 60% dos rendimentos de trabalho e capital, com taxas mais elevadas para os magnatas. 

Mas é muito difícil a alguém conseguir mostrar e impor um critério independente, baseado em ideias próprias, e consequente com o que pensa, sem ser imediatamente catalogado a maior parte das vezes, com má intenção, de tal maneira que o autor e cantor francês Georges Brassens, dedicou uma canção a tal dificuldade, ‘La mauvaise réputation’, salientando logo nas primeiras estrofes, ‘Não, esta gente não aceita que/ tome caminho independente/ Todos me insultam e falam mal/ salvo os mudos, é natural’. 

As situações também podem assumir um aspecto surrealista ou de comédia trágica, como nesta estória contada por Groucho Marx – um médico recomendava a uma paciente hipocondríaca para agitar os braços sempre que pudesse; ‘Isso vai curar-me doutor?’ ao que o médico respondeu de imediato ‘Não, mas também não haverá uma só mosca’.

E, há alguns dias, li um trabalho de um cronista com o título bem apelativo ‘A idiotice e a razão de fazermos fotos verticais: a maioria garante que é mais cómodo, por se agarrar o telemóvel com uma das mãos e chegar ao botão com a outra; mas a preferência pelo vertical é bem antiga, desde ao vitrais das catedrais às miniaturas dos códices medievaistambém não se entenderia o êxito do TikTok, do Instagram e outras fontes, pois sem o egocentrismo e a autorreferência, afirma o cronista, ‘Desgraçadamente e para muitas pessoas eu é vertical e o nós é horizontal e, à medida que vamos perdendo o horizonte, vamos ficando cada vez mais idiotas’. 

A escritora Anais Nin, até poderia dar razão ao comentário do cronista, pois afirmou muitas vezes, ‘Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos nós’, mas, seja qual for a fonte, nunca teremos a garantia da sua veracidade.

A trova ‘Je sais’ do actor francês Jean Gabin, mais falada que cantada, referindo o percurso da sua vida e das suas certezas, termina assim

…Agora sei, que nunca sabemos! 

A vida, o amor, o dinheiro, os amigos e as rosas

Nunca sabemos o som nem a cor das coisas. 

Isso é tudo o que sei! 

Mas isso, eu sei…!

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

 

 

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