‘Estamos a aproximar-nos de uma sociedade sem solidariedade. Neste admirável mundo novo só conta aquilo que eu sou, não aquilo que eu faço, aquilo que eu afirmo e não qualquer tentativa de diálogo, aquilo que eu ganho para mim e não aquilo que eu devo aos outros’. A frase é do poeta e ex-embaixador Luís Castro Mendes e é bem o retrato do que se vai passando por cá e por todo esta mundo onde a desigualdade é primordial, tanto para os que governam como para quem analisa.
O bloguista Vicente Ferreira, um dos fazedores do ‘Ladrões de Bicicletas’, um dos mais completos na análise rápida e concisa dos problemas da economia, a nossa e da dos outros, salienta bem ‘Ao contrário do que nos diz a economia convencional, há evidência de que a desigualdade é um obstáculo ao desenvolvimento económico, como vem sendo reconhecidoaté por instituições internacionais como a OCDE’.
O patologista Manuel Sobrinho Simões, investigador e professor universitário, vai mais longe, ao lançar a sua análise para o domínio do humano, especialmente sensível num país como o nosso, ‘Reconheço que não é fácil ligar o “excesso” de pobreza e o “excesso” de longevidade com a “escassez” de trabalho, enquanto vértices de um triângulo, mas penso que existe uma base comum. A sociedade portuguesa está cada vez mais assimétrica, com crescentes níveis de pobreza. Isto acontece num país ocidental muito periférico com algumas especificações geográficas, climáticas, religiosas, associadas a uma burocracia asfixiante, numa sociedade deslassada’.
Mas é um problema que não se fica por cá, como é do conhecimento geral e, a actual presidente do BCE, Christine Lagarde, terá afirmado não há muitos anos, de acordo com o cronista daqui ao lado, David Torres, ‘A longevidade supõe um risco para a economia mundial, frase que alguns alarmistas interpretaram no sentido de os anciãos não morrerem na sua hora’.
Mas o problema disse, aos 86 anos, o ‘velho mestre’ e filósofo Norberto Bobbio, ‘Quando se chega ao final da vida, descobre-se, no que se refere ao conhecimento do bem e do mal, que se continua no ponto da partida, todas as interrogações ficaram sem resposta, e o que não faz sentido é levantar a questão do sentido’.
Mas sobrepondo-se a esta discussão quase académica, devo voltar ao nosso país e a Vicente Ferreira, ‘A crescente desigualdade tem um efeito de compressão do consumo da maioria das pessoas ao mesmo tempo que promove a especulação financeira por parte dos mais ricos e, em vez de combater estas desigualdades, o governo escolheu imputar a maioria dos custos da crise aos trabalhadores e pensionistas’.
Catão, o filósofo e político romano que viveu no séc. II a.C., atribuía ao próprio indivíduo os problemas ligados à idade e não à velhice em si mesma, o que se contraria os maiores estereótipos sobre o envelhecimento, em que o passar dos anos, está ligado, sem remédio, ao deterioro intelectual, e ainda Norberto Bobbio, ‘A rapidez com que são dirigidas ao governo as demandas dos cidadãos, torna-se contrastante com a lentidão que os complexos procedimentos de um sistema político democrático’.
Sirvo-me, a terminar, de uma afirmação de Guilherme d’Oliveira Martins, presidente da Gulbenkian, ‘A nossa época não é de grandes ideais, não existem grandes chamas de entusiasmo. Contudo, em falando de valores democráticos e em liberdade e cidadania ativa, o importante é manter acesa a chama, por isso deveremos ocupar-nos em que o fósforo não se apague’, pois diz um antigo ditado francês, ‘A vida de um velho é como uma vela acesa exposta ao vento’.
A ser assim, um qualquer e bem fraco sopro, a pode apagar, pois o envelhecer é irreversível. Aceitá-lo ou não é uma atitude cultural e pessoal e, como um dia afirmou Ortega Y Gasset, ‘Sou eu e as minhas circunstâncias’.
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor