Nota de editor
Inicialmente concebidos num contexto de uma série de maior dimensão e complexidade analítica – Neoliberalismo, Pensões por capitalização e Instabilidade Social e Política –, optou-se por publicar de imediato os textos respeitantes ao troço “O Reino Unido no centro do furacão criado pelo neoliberalismo”, uma vez que, conforme diz o autor da série, Júlio Marques Mota, “… o que neles se escreve não é diferente do que poderá ser escrito sobre qualquer outro país europeu neste momento”, podendo mesmo fornecer “… uma ótima grelha de leitura sobre a realidade atual e atrevo-me mesmo a dizer sobre o futuro próximo que aí vem” (ver aqui “Hoje faço 80 anos… tempos difíceis, o vinho que não bebi e que nunca procurei beber”).
Este é o sexto dos doze textos que compõem a parte I da série “O Reino Unido no centro do furacão criado pelo neoliberalismo”.
FT
Seleção e tradução de Júlio Marques Mota
3 min de leitura
Texto 6. Reino Unido: três questões sobre a tempestade económica que atingiu o país
O Banco de Inglaterra tomou medidas de emergência na quarta-feira em resposta à turbulência do mercado desencadeada pelo dispendioso plano orçamental de Londres, que foi severamente criticado pelo FMI.
Por J.C. com AFP
Publicado por em 28 de Setembro de 2022 (original aqui)

“Riscos reais para a estabilidade financeira britânica”. Foi assim que o Banco de Inglaterra descreveu, na quarta-feira 28 de Setembro, a agitação nos mercados desencadeada pelo dispendioso plano orçamental de Londres, que foi particularmente criticado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O Banco de Inglaterra (BoE) comprará títulos do Estado para fazer face a esta tempestade, que chega numa altura em que o país atravessa uma grave crise económica, num contexto de subida dos preços da energia.
Porque é que o Banco de Inglaterra está a comprar estes títulos do Estado?
“O Banco irá comprar obrigações do Tesouro de longa data a partir de quarta-feira a fim de “restaurar as condições normais de mercado”, disse o BoE num comunicado na quarta-feira, acrescentando que a “operação será totalmente financiada pelo Tesouro”.
“O movimento do mercado tem sido exacerbado desde ontem e está a afetar particularmente a dívida a longo prazo. Se esta disfunção do mercado continuar ou piorar, representaria um risco real para a estabilidade financeira do Reino Unido”, disse o BoE para justificar a sua intervenção.
Na sexta-feira, o novo governo de Liz Truss anunciou um pacote de medidas para apoiar a economia e dispendiosas reduções de impostos. O plano inclui um congelamento dos custos de energia para os particulares e as empresas, que deverá custar 60 mil milhões de libras só nos primeiros seis meses, bem como cortes significativos nos impostos. Estas medidas, que os economistas estimam que custarão entre 100 e 200 mil milhões de libras, mas cujo financiamento e impacto permanecem pouco claros e não quantificados pelo governo, causaram tumultos nos mercados nos últimos dias.
Porque é que o FMI pediu a Londres que reconsiderasse o seu plano de apoio económico?
No início do dia, o FMI tinha criticado abertamente o dispendioso plano de apoio económico, apelando a Downing Street e ao Chanceler do Tesouro Kwasi Kwarteng para retificar a situação. Os grandes cortes fiscais previstos pelos líderes britânicos “são suscetíveis de aumentar a desigualdade”, disse o FMI numa declaração à AFP.
A instituição sediada em Washington chega ao ponto de pedir a Londres que “reavalie” estas medidas quando apresentar o seu orçamento a 23 de Novembro, “especialmente as que beneficiam os que têm mais altos rendimentos”, nesta declaração invulgarmente direta para esta instituição internacional.
O congelamento dos preços da energia está também no centro das críticas do Fundo, que recorda que não recomenda “pacotes orçamentais amplos e não orientados nesta fase”. “É importante que a política orçamental não seja contrária à política monetária”, escreve também o FMI, numa altura em que o Banco de Inglaterra está a tentar abrandar a atividade económica através do aumento das taxas, a fim de combater o aumento da inflação.
“Dadas as elevadas pressões inflacionistas em vários países, incluindo o Reino Unido, não recomendamos medidas orçamentais significativas não financiadas [n.t. ou seja, financiadas pelo défice], uma vez que é importante que a política fiscal não se interponha no caminho da política monetária”, declarou ainda o FMI. A agência de notação Moody’s fez comentários semelhantes, alertando para uma “trajetória insustentável da dívida”.
“Compreendemos que o grande plano orçamental anunciado visa ajudar as famílias e as empresas a lidar com o choque energético e impulsionar o crescimento através de cortes fiscais”, disse o FMI sobre o plano apresentado por Kwasi Kwarteng.
Na quarta-feira, o Tesouro defendeu o seu plano orçamental. “Atuámos rapidamente para proteger as famílias e as empresas neste Inverno e no próximo Inverno”, disse o Tesouro. “Estamos a concentrar-nos no crescimento da economia e no aumento do nível de vida para todos” antes de um novo orçamento a médio prazo a 23 de Novembro que “assegurará que a redução da dívida como percentagem do PIB”, acrescentou.
Libra esterlina, taxas de empréstimo, inflação… Que indicadores económicos estão a ficar no vermelho?
Como sinal da desconfiança dos investidores em relação aos ativos britânicos, a libra esterlina caiu para um mínimo histórico de $1,0350 na segunda-feira e quase não recuperou desde então. Desde o início do ano, a sua queda vertiginosa continua a ser de 20%.
O rendimento da dívida pública, que aumenta quando a sua procura diminui, disparou. O rendimento das obrigações a 30 anos, que era de cerca de 3,5% no início da semana passada, saltou para 5,14% no início da sessão de quarta-feira, o mais alto desde 1998, assinalando um aumento do custo de financiamento da dívida britânica. Caiu rapidamente para 3,94% após a intervenção do BoE. A taxa das obrigações a 10 anos seguiu o mesmo caminho, caindo para 4,23% de um máximo de 4,02% em 2008. A subida das taxas de empréstimo no Reino Unido é suscetível de fazer subir as hipotecas das famílias e os empréstimos comerciais ao ponto de não poderem ser reembolsados.
Com uma taxa de inflação anual de quase 10%, a mais alta do G7, o Reino Unido já entrou em recessão, de acordo com o Banco de Inglaterra.