Hoje faço 80 anos… tempos difíceis, o vinho que não bebi e que nunca procurei beber. Por Júlio Marques Mota

 

Hoje faço 80 anos… tempos difíceis, o vinho que não bebi e que nunca procurei beber

 

 Por Júlio Marques Mota

Coimbra, 20 de fevereiro de 2023

 

 

Hoje faço 80 anos, é já um tempo de velhice. Talvez por isso mesmo venha agora pegar num tema que me incomodou muito a partir de outubro passado, quando o sistema económico britânico esteve à beira da rutura por causa dos fundos de pensões. É neste contexto que surge o meu interesse pelo tema das pensões de reforma e dos fundos de pensões nas economias avançadas e financeirizadas.

Estou velho, isto é uma certeza, talvez por isso mesmo  me sinta hoje emocionalmente empenhado em  pegar no tema da velhice mas com uma preocupação, não  tanto sobre os velhos de hoje, mas sim sobre os velhos de amanhã, os jovens de hoje.

Além desta preocupação, a estes jovens deixo também um aviso quanto às pensões de reforma do seu futuro. Uma vez que a maioria da nossa juventude anda envolvida na malha do neoliberalismo e muito empenhada na defesa das suas teses, um pouco à maneira de Liz Truss, com o desejo da liberalização dos mercados, em especial dos mercados financeiros que controlam grande parte do sistema de pensões em muitos países, e sobrepondo os seus supostos interesses de grupo de agora contra a solidariedade intergeracional que ainda está na base do nosso sistema de pensões, digo-lhes que a aplicação da suas teses levará a uma continua  degradação da situação dos pensões de reforma no futuro.

O vazio no apoio aos idosos de hoje é já um bom exemplo do que podem esperar os idosos de amanhã, quanto a pensões de reforma e quanto aos apoios sociais necessários em fim de linha para a maioria da população, se continuarmos no quadro das políticas sociais neoliberais [1] . Hoje, contra essa tendência, quase 3 milhões de franceses vieram recentemente para a rua, um nível de descontentamento histórico, com toda a gente inquieta porque crê estar a deixar aos seus filhos não um país rico mas um país do terceiro mundo [2]. Em contrapartida que faz o governo? Como indica o Libération:

Uma dúzia de editorialistas políticos participaram numa reunião confidencial com Emmanuel Macron sobre o tema da reforma das pensões. A regra foi estabelecida com antecedência: o Eliseu não queria citações do Presidente.

Um almoço que fez algum barulho. A mediática emissão C, no canal France 5, voltou no domingo 22 de Janeiro a falar do convite, alguns dias antes, de uma pequena dúzia de jornalistas para o Palácio do Eliseu, para uma troca sem micros nem gravações (“off the record”) com o Presidente da República sobre o tema da reforma das pensões” Fim de citação

Em suma, a mesma temática na França neoliberal de Macron que na Inglaterra de Liz Truss e de Rishi Sunak. Nunca acreditei, como mostro abaixo, na tese de que a crise inglesa se reduzia a um “erro” na nomeação de uma incompetente para o cargo de primeira-ministra, Liz Truss. Não, nunca aceitei a acusação de que a demitiam porque era uma incompetente. Era do aparelho dos Tories e não foi até aí considerada incompetente, foi ministra de Boris Johnson, não foi até aí considerada incompetente, concorreu à liderança dos Tories e não foi até aí considerada incompetente. Os mesmos que a consideram como muito competente foram, afinal, os mesmos que em outubro a demitiram por incompetente. No mínimo, isto é estranho. É com a não aceitação da tese de que Truss era o problema dos Conservadores e com o conhecimento do que se terá passado nos mercados financeiros com os fundos de pensões. que sou levado até ao tema das pensões de reforma. Dir-se-á que este é um tema de velho, mas não, é um tema de toda gente, ter-se-á de aceitar, e tão importante este tema é, que hoje já se fala em capitalismo de fundos de pensões.

O interesse em debruçar-me sobre esta matéria foi uma motivação surgida pela crise inglesa de outubro passado, como disse, reforçada em novembro por um artigo de Jean-Pierre Werrebrouck, e depois por um artigo do Banco Internacional de Pagamentos BIS no início de dezembro último.

Aquela história da incompetência não pegava. Aqueles que a demitiram queriam libertar os bónus bancários das amarras legislativas e ela queria dar-lhes esse brinde, aqueles que a demitiram queriam a redução dos impostos para as empresas e ela quis dar-lhes esse brinde, aqueles que a demitiram queriam a redução das taxas de tributação para os rendimentos mais altos e ela quis-lhes dar esse brinde, aqueles que a demitiram queriam a liberalização ainda maior para os mercados e era o último dos brindes que ela lhes queria oferecer enquanto se assumia como a Segunda Dama de Ferro, a segunda Margareth Thatcher. Então demitiram-na porque ela queria dar-lhes tudo o que eles lhes pediam? Não, não, demitiram-na porque queriam que ela aplicasse uma política de austeridade, queriam que os pobres pagassem os custos da crise [3]. O governador do Banco de Inglaterra foi bem claro quanto a esse ponto, como assinala The Guardian quando nos informa que Andrew Bailey, atual governador do Banco de Inglaterra, sugeriu que os trabalhadores não deveriam exigir salários mais elevados a fim de conter as pressões inflacionistas que a economia britânica enfrentava em 2022.

Pode parecer absurdo o que temos estado a dizer, mas não é. Relembro aqui que o Banco de Inglaterra queria e estava a organizar uma política de contração monetária e de subida de taxas de juro. Queria lançar no mercado os títulos do Tesouro emitidos durante a pandemia contra moeda do banco central e fazendo parte do balanço do BoE, recolhendo assim massa monetária em circulação. Uma tal política monetária faria descer automaticamente o valor dos títulos e aumentar as taxas de juro e isto num momento em que Truss queria recorrer aos mercados para se financiar e procurar relançar a economia pelo défice, isto é, emitindo títulos para o mercado. Isto representaria um segundo efeito de descida dos títulos e de subida da taxa de juro, tornando proibitivo o serviço da dívida e a criação de novos défices. O Banco Central queria assim amarrar Truss, o que conseguiu. Relembro aqui o que diz James Gard num artigo curiosamente intitulado “Trussonomics: um obituário” (original aqui):

“Há dois anos, o título da dívida pública a 10 anos estava a rondar um rendimento zero. Recentemente, chegou a ameaçar atingir os 5%. Sim, os bancos centrais têm vindo a aumentar as taxas em todo o mundo, a inflação está no seu nível mais elevado desde há décadas no Ocidente, mas o mercado obrigacionista britânico tem vindo a enviar nas últimas semanas sinais de alerta que sugerem que este é também um problema específico do país.

Reagindo ao evento fiscal de 23 de Setembro, o chefe do departamento de obrigações da M&G, Jim Leaviss, disse “é justo dizer que o mercado obrigacionista detestou o mini-orçamento” que lhe foi apresentado.

O grande público em geral não costuma pensar em rendimentos dos títulos da divida pública mas estes rendimentos têm um impacto imediato nas hipotecas: no ano passado as pessoas podiam obter hipotecas a 1%, mas agora estão a ser propostas a taxas superiores a 6%, um aumento espantoso. e provavelmente inacessíveis para os aforradores. [uma parte significativa dos créditos imobiliários no Reino Unido são a taxa variável com uma parte a taxa fixa limitada no tempo-Nota da redação]

Os títulos da dívida pública são importantes também por outras razões: os custos de empréstimo do governo dispararam e este tem agora de pagar mais aos investidores para manter a sua dívida. E isso é um problema sério para um partido que queria reduzir os seus impostos e sobreviver com montantes de empréstimos mais elevados.” Fim de citação.

 

Nesta altura, a City esteve à beira de rebentar com os fundos de pensões. Os títulos da dívida pública caíram a pique, as taxas de juro dispararam, a Libra mergulhou no canal da Mancha, o Tesouro perdeu milhões e o Banco de Inglaterra foi obrigado a injetar dezenas de milhares de milhões de libras e salvar os fundos de pensões de entrarem em falência e de gerarem um vendaval sistémico que corria o risco de arrasar toda a Europa e, porque não, também poderia arrasar os Estados Unidos dados os milhões de milhões de dólares com que os seus fundos de pensões trabalham.

Nada disto me batia certo, mas disto não se falava aqui, pelo burgo, por este sítio chamado Portugal. E, se o que se diz está certo, pensei, estou velho, já não estou a perceber nada disto. Esta ideia traduzia tanto uma certeza, a de que estou velho, como uma hipótese, a de não perceber. Mas traduzia também a ideia de uma outra certeza, a de que tinha de haver uma explicação e esta estava algures, havia que a procurar. Foi o que tentei fazer e a partir desse trabalho construí uma série temática intitulada: Neoliberalismo, Pensões por capitalização e Instabilidade Social e Política.

Na dúvida, primeiro, escrevi a um investigador alemão, Benjamin Braun do Instituto Max Planck, especialista em fundos de pensões e questionei-o quanto à minha leitura sobre o que aconteceu e a resposta foi: tem toda a razão, as coisas passaram-se como diz. Vejamos a troca de correspondência que foi publicada em texto meu em A Viagem dos Argonautas em 17/10/2022 – Ainda a propósito da crise no Reino Unido, o modelo neoliberal em crise profunda – Introdução (aqui):

“Caros argonautas

Há dias publicámos uma pequena série de 6 textos sobre a atual crise no Reino Unido, intitulada “O modelo neoliberal em crise profunda – o exemplo inglês”.

Em sequência das minhas leituras sobre o assunto, troquei mensagens com Benjamin Braun – um politólogo do Instituto Max Planck, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Warwick e pela Universidade Livre de Bruxelas -, resumindo a minha visão sobre a crise financeira no Reino Unido e que transcrevo a seguir:

Em 9 de Outubro de 2022

Caro Benjamin Braun

Sou professor reformado de Economia Internacional na Universidade de Coimbra. Trabalho pró buono para um blogue A Viagem dos Argonautas e um dos responsáveis pela secção de economia e política deste blogue.

Neste momento, estou a publicar textos sobre a crise desencadeada em Inglaterra e onde se diz que os fundos de pensões desempenharam um papel fundamental. Gostaria de explicar em termos claros, mas sobretudo em termos corretos, aos nossos leitores quais os mecanismos que levaram à situação de pânico dos mercados.

Neste sentido, procurei por textos disponíveis, na Web e encontrei o seu artigo. Gostei tanto dele que o sugeri como leitura indispensável para um dos meus amigos académicos e um dos principais especialistas portugueses em assuntos de pensões.

No entanto, no seu artigo não encontrei nada que quisesse ler agora. Fiquei com as referências bibliográficas para mais tarde e com uma maior consciência do que os fundos de pensões representam macroeconomicamente. Achei muito útil lê-lo e eventualmente publicá-lo na nossa língua portuguesa, se me for permitido fazê-lo.

Quanto à compreensão do que aconteceu agora em Inglaterra, deixe-me explicar a minha leitura do que aconteceu:

    1. Os fundos de pensões receberam o dinheiro das contribuições dos trabalhadores.
    2. Compram as obrigações do Tesouro com classificação A.
    3. Vão aos mercados de capitais para angariar dinheiro (por acaso “x” vezes o dinheiro utilizado para comprar obrigações do Tesouro) e deixam como garantia os títulos relacionados.
    4. Investem em fundos de cobertura, hedge funds, em transações de alto risco.
    5. O Bote quer combater a inflação, retirando dinheiro dos mercados. Vende obrigações do Tesouro que detém na sua carteira.
    6. Ao mesmo tempo, o governo anuncia que vai aumentar o défice através da ida ao mercado com a venda de obrigações do Tesouro.
    7. As operações 5 e 6 conduzem a uma queda no valor das obrigações e a um aumento das taxas de juro. Os títulos caem. O valor das garantias depositadas nos bancos cai. Há chamadas de margem. Os fundos de pensões não têm dinheiro.
    8. Há agora novas vendas de títulos pelos fundos de pensões para conseguir que o dinheiro seja entregue aos bancos como garantia, uma vez que o valor desta garantia caiu.
    9. Após as operações 5, 6 e 8, aparecem especuladores em cena e simultaneamente com tudo isto, atuando em dois níveis – títulos de venda a descoberto e libras contra dólares.

Todas estas operações geraram o pânico, e isto explica o que aconteceu. Será isto assim? Gostaria que me desse a sua opinião ou que me corrigisse ou sugerisse artigos para melhor compreender a situação.” Fim do meu texto enviado a Benjamin Braun.

 

E a resposta de Benjamin Braun foi a seguinte:

Caro Júlio,

Muito obrigado pelo seu e-mail e pelas suas amáveis palavras sobre o meu artigo.

Na minha opinião, resumiu de forma muito clara e precisa o desastre do fundo de pensões britânico.

Para uma discussão interessante sobre o assunto com enfoque nos mercados emergentes, ver este artigo de Tonize e Kaltenbrunner: https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0308518X18794676?casa_token=EqKVL7L6KfUAAAAA%3ABqZ4gmeKZZnpCiuqb-t8JaM7_R0czfP1IMBBics5fph_btFpdQ9jbQmVYtn8tegqT2TOUAcVzWv5MvtB” Fim da sua resposta.

 

Assinale-se que esta referência, este link com que termina a sua resposta, deve-se a um pedido de informação meu, pedindo-lhe que me indicasse um texto de qualidade sobre o tema para que eu o pudesse publicar.

E fiquei-me por aqui. Mais tarde, em meados de novembro, leio um texto de Jean-Claude Werrebrouck intitulado Retraites, Fonds de pension et Crise financière, onde nos diz que após mais de um mês de distância é tempo de olharmos de novo para o que se passou na Inglaterra. Fazendo uma análise detalhada sobre o tema, não deixa de falar também dos mesmos pontos de vista que apresentei a Benjamin Braun em outubro. Com uma grande diferença: no texto de Jean-Claude Werrebrouck assinala-se o papel relevante que os fundos de pensões tiveram no desenrolar da crise política na Inglaterra.

Isto levou-me, pois, a ter a certeza de que estava na boa via quando assumi que Truss não foi demitida por ser incompetente, foi demitida porque não defendia uma via austeritária para o Reino Unido, como pretendia o FMI e o Governador do Banco de Inglaterra. Ao ler o artigo de Jean-Claude Werrebrouck senti-me incentivado a ir para além do que tinha escrito em outubro e procurar mostrar que Truss não era um problema para o Reino Unido, Truss era a consequência do problema que era, e é, o Reino Unido, um país desenvolvido que está, económica e socialmente, completamente disfuncional. Tão disfuncional que o conservador Victor Hill dá a um artigo seu publicado em janeiro de 2023 o seguinte título: “Será que o Reino Unido se está a tornar um país pobre?”

Os fundos de pensões terão estado no centro do furacão e exigia-se, pois, que se começasse por aí. Mas aqui havia uma dificuldade de monta, dificilmente ultrapassável: pouca gente, a começar por mim, sabe alguma coisa de jeito sobre o que são e sobre o que fazem os fundos de pensões no quadro de uma finança desregulada, como é o caso inglês ou americano. Não sei nada de jeito sobre esta matéria, mas sabia que esta série só teria um fim formativo se inserisse na sua análise a explicação destas instituições financeiras e dos instrumentos que utilizam. Não sabia, precisava de saber.

Meti então mãos à obra, procurei documentar-me sobre os sistemas de pensões, sobretudo sobre os sistemas de prestações definidas e sobre os fundos de pensões que a este sistema estão associados. A partir daqui, procurei organizar uma série de textos que nos dessem uma visão mais clara do que se passou em setembro-outubro no Reino Unido ou sobretudo, que nos mostrassem à luz do dia o conjunto de causas que puderam ter estado na origem daquela situação. a qual poderia ter arrasado toda a Europa. E assim nasceu a série Neoliberalismo, Pensões por capitalização e Instabilidade Social e Política.

Terminaremos a série com um capítulo bem especial: um olhar sobre a Inglaterra de agora, os seus dramas, as suas cidades degradadas, a falta de investimento no seu Serviço Nacional de Saúde e consequente degradação – em situação bem pior que o nosso e o nosso não está bem e irá ficar ainda pior. Neste capítulo teremos sempre bem presente que estamos a 80 anos do relatório William Beveridge e da sua análise sobre os cinco grandes males (giant evils) de que sofria a Inglaterra de então, e que eram a pobreza, a doença, a ignorância, a insalubridade (squalor) e a ociosidade (idleness). E a Inglaterra de agora?

Curiosamente, em dezembro último, e já a trabalhar sobre esta série leio o relatório trimestral do Banco Internacional de Pagamentos, o Banco Central dos Bancos Centrais, onde o tema dos acontecimentos de setembro-outubro no Reino Unido é retomado, à boa maneira dos bancos centrais, isto é, uma no cravo outra na ferradura, mas onde não é contraditado nada do que afirmámos em outubro: é apenas dito de forma diferente, um pouco branqueada.

Sentimo-nos, pois, no bom caminho ao querer construir esta série e com o objetivo acima delineado: o que são e o que fazem os fundos de pensões no quadro de uma finança desregulada e obter-se uma visão mais clara do que se passou em setembro-outubro no Reino Unido em que o sistema económico britânico esteve à beira da rutura por causa dos fundos de pensões.

E isto independentemente do valor que a série possa ou não ter.

A série Neoliberalismo, Pensões por capitalização e Instabilidade Social e Política seria constituída por 5 capítulos, a saber:

  1. Algumas noções sobre sistemas de pensões de reforma e de fundos de pensões
  2. Os instrumentos financeiros utilizados pelos fundos de pensões
  3. O papel dos fundos de pensões na financeirização das economias modernas
  4. Notas de leitura sobre a queda de Liz Truss
  5. Oitenta anos depois do relatório William Beveridge: a degradação social no Reino Unido.

Ao concluir a série verificámos que esta continha perto de 50 artigos, com alguns muito extensos e muito técnicos num total de páginas enorme, enormíssimo, nisso se destacando os capítulos I, II e III. Decidimos assim cortar a série em duas partes:

– uma parte específica, a publicar mais tarde, sobre os fundos de pensões e as técnicas da alta finança utilizadas, constituída pelos capítulos I, II e III;

– uma parte específica sobre a situação inglesa, reunindo os capítulos IV e V, intitulada: O Reino Unido no centro do furacão criado pelo neoliberalismo, a publicar de imediato.

Esta opção deve-se igualmente à importância que assumem os textos sobre o Reino Unido, uma vez que o que neles se escreve não é diferente do que poderá ser escrito sobre qualquer outro país europeu neste momento. Penso mesmo que estes textos nos fornecem uma ótima grelha de leitura sobre a realidade atual e atrevo-me mesmo a dizer sobre o futuro próximo que aí vem.

Sugiro a quem nos acompanhar nesta série sobre o Reino Unido, uma vez lidos os textos dos capítulos IV e V, que se reflita sobre Portugal, sobre o momento que atravessamos, sobre os paralelismos existentes.

E é tudo.

 

Coimbra, 20 de fevereiro de 2023

Júlio Marques Mota

 

P.S. Recebi ontem, dia 19 de Fevereiro, um texto de Victor Hill, um Conservador de fina estirpe e bom analista das contradições em que está atualmente colocada a Inglaterra, que nos diz o seguinte relativamente ao tema das pensões:

“Este não é apenas um problema europeu. Na dinâmica Coreia do Sul, os decisores políticos advertiram recentemente que o fundo nacional de pensões se tornará insolvente dentro de três décadas. A Coreia do Sul, tal como o Japão, sofre com a demografia do envelhecimento: ou, se preferir – gera muito poucos bebés.

Mas a forma como as pensões do Estado são financiadas no Reino Unido torna-nos especialmente vulneráveis ao aumento da expectativa de vida. Um leitor – Stephen – comentou, em resposta a um de meus artigos recentes, que os pagamentos de pensões do Estado não são benefícios, mas sim o retorno justo por pagar “ao esquema” por 35-40 anos. Esses são sentimentos que os meus pais, mortos há já muito tempo, teriam subscrito assim como muitos dos meus amigos mais velhos vivos concordariam.

O único problema com isso é que não há fundo de pensões do Estado. Embora imaginemos que estamos a pagar pelos nossos direitos do Estado para connosco (incluindo assistência médica, subsídio de desemprego quando necessário e pensão estatal) através das nossas contribuições para q Segurança Nacional, na verdade, todas as receitas fiscais vão para o mesmo fundo secreto controlado pelo Estado, e todas as despesas saem do mesmo fundo.

A pensão do Estado não é “financiada” como a maioria dos esquemas de pensões do setor público são. (…)

Poucos profissionais querem ser totalmente dependentes do Estado para obterem um rendimento nos seus anos de velhice. O Reino Unido tem um histórico razoavelmente bom de promoção de fundos de pensão profissionais e privados (tanto no setor público quanto no privado) que fornecem prestações de reformas para membros que contribuíram por um número qualificado de anos. Mas os esquemas de prestações definidas estão em declínio há vários anos, à medida que os défices dos fundos de pensão se acumulam. Esses défices aumentaram porque os retornos dos investimentos caíram na era da taxa de juros próxima de zero e porque e porque os ajustamentos atuariais para refletir o aumento da expectativa de vida aumentaram as responsabilidades dos fundos de pensões.” Fim de citação. A ênfase é nossa.

 


Notas

[1] A questão da reforma Macron para as pensões ultrapassa, e de longe, o âmbito desta curta nota. Mas penso ser importante apresentar um pequeníssimo resumo dos objetivos de Macron, que se alinham com a aprofundamento dos sistemas de pensões por capitalização, com o desrespeito pela velhice e também pelos mais novos que procuram emprego. Diz-nos Adrien Quatennens de France Insoumise:

Com a reforma Macron, o nível das pensões irá diminuir e para atingir o nível atual, as pessoas terão de trabalhar muito mais tempo. Os únicos que estão satisfeitos com esta reforma das pensões são as seguradoras e os bancos. Eles compreenderam que, com um sistema de pensão por repartição que se tornará indigente, aqueles que o podem pagar serão encorajados a poupar para a sua própria reforma em produtos de capitalização, rompendo com o modelo social de solidariedade intergeracional. O governo afirma estar a defender o sistema de pagamento por repartição, mas está a preparar uma considerável transferência de riqueza para o sector privado.

(…)

Mas acima de tudo, trabalhar mais tempo não funciona: há cerca de 300.000 desempregados com mais de 60 anos no nosso país, a maioria dos quais completou o seu período de contribuição. Na idade da reforma, uma em cada duas pessoas ativas já não tem emprego. Trabalhar mais tempo significa agravar o desemprego em ambos os extremos da vida ativa, porque, por outro lado, muitos jovens têm dificuldade em encontrar emprego”. Fim de citação.

 

[2] A mesma questão levanta Victor Hill quanto à Inglaterra, a referência europeia de país politicamente neoliberal.

[3] Com isto não estou a dizer que ela é competente. Nunca disse isso. A sua incompetência política é total, a sua falta de sentido diplomático é igualmente enorme, a sua visão da economia é de um neoliberalismo feroz de que discordo em absoluto, neoliberalismo este que é atravessado por uma certa dose de populismo de direita que a leva a querer defender as classes menos favorecidas face a esta crise gerada com a inflação. O populismo de Truss, é um populismo de direita com algumas semelhanças com o de Margareth Thatcher ao desenhar a sua politica na base de uma (im) possível conciliação dos interesses de quem tem com os interesse dos que nada têm. Tudo isto faz lembrar o capitalismo popular de Thatcher que levou à situação que a Inglaterra está agora a atravessar? Querer repetir a dose e com condições de partida bem piores é incompetência política pura. O querer assumir-se como a segunda Dama de Ferro no atual contexto significa politicamente uma miopia total, miopia essa que até ali ninguém quis ver. São estas as razões que me levam a considerá-la incompetente e estas não têm nada a ver com aquelas que foram apontadas pelos Conservadores.

 

 

27 Comments

  1. Eh, pá!, o Barca Velha é, de facto, um excelente vinho, mas, para mim, não vale o que custa. Bebe um Vale da Raposa, do Alves de Sousa – com o custo de uma garrafa do B. Velha compras algumas caixas deste Vale da Raposa -, e ficarás deliciado.

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