A ITÁLIA NA ENCRUZILHADA – XIII – por ANNA ROSA SCRITTORI – ELLY SCHLEIN

 

 

“Não nos viram chegar”: com uma citação de Lisa Levenstein, histórica feminista americana, Elly Schlein comentou a sua eleição para secretária do PD, sancionada pelas eleições primárias “abertas”, convocadas no passado dia 26 de Fevereiro. Com efeito, os eleitores e simpatizantes do partido ignoraram as preferências concordadas pelos círculos oficiais do PD a favor de Stefano Bonaccini, hábil governador da Emilia-Romagna, preferindo uma jovem mulher muito determinada a dar uma volta decisiva na estrutura do partido, enfraquecido pela pesada derrota eleitoral de 25 de Setembro e de 12-13 de Fevereiro últimos.

Para contrastar factualmente as decisões imprevidentes do governo Meloni, expressão da extrema direita, destinadas a privilegiar algumas categorias dos seus eleitores, é necessário, segundo Elly, uma mudança radical na perspectiva e linha política de um partido de esquerda: abandonar as correntes internas que só servem para enfraquecer a acção colectiva, eliminar as muitas participações “de responsabilidade” em governos de emergência como o executivo vermelho-amarelo guiado por Conte ou o de Draghi, mas uma oposição decidida apoiando algumas e precisas linhas de intervenção, fundamentais para uma possível proposta alternativa ao governo actual; assim, a acção de contraste às desigualdades sociais que ferem duramente sobretudo as regiões e as mulheres do Sul liga-se necessariamente ao apoio de todos os direitos cívicos, como os de cidadania, de género, ou as escolhas pessoais que a vida nos possa propor, enquanto a luta pela emergência climática pressupõe uma profunda inovação tecnológica como reclamam os jovens. Portanto, uma clara procura de identidade cultural e política para um partido que, DEPOIS, poderá procurar possíveis alianças, sobre alguns pontos comuns, com outras forças de oposição.

Como apoio a tal programa, Elly oferece a sua figura de mulher da contemporaneidade e a sua formação cosmopolita. Nascida em Lugano (Suíça) em 1985 de uma família mista, mãe italiana, pai americano de origem lituana (ambos professores universitários) completou brilhantemente a sua educação, primeiro na Suíça, depois na universidade de Bologna, onde se licenciou em Direito com a classificação máxima.

Ao lado da sua actividade no campo cinematográfico, sempre se empenhou politicamente: nos Estados-Unidos participou activamente na campanha para a eleição de Barack Obama. Teve contactos alternados com o Partido democrático, do qual saiu durante o mandato de Matteo Renzi; como independente, foi depois eleita no grupo PD ao parlamento europeu; participou, enfim, na campanha eleitoral para as eleições do governador da Emilia-Romagna apoiando Stefano Bonaccini contra Matteo Salvini e a “Lega Nord”. Ganhou Stefano, que depois a nomeou vice-presidente da mesma Região. Agora as partes inverteram-se porque Elly apresentou-se contra Stefano para guia do PD mas acaba de o escolher para Presidente do Partido. Esta nomeação, não prevista, foi muito útil para ela, isto porque os católicos do PD, que tinham levantado muitas dúvidas sobre alguns pontos do seu programa, sobretudo sobre temas éticos (estrutura da família e relações entre os sexos), aplaudiram depois da nomeação de Stefano como possível abertura a escolhas de comunidade, possivelmente unitárias. Não obstante isso, a gestão de Elly será muito complicada e difícil no sentido de assegurar ao PD um futuro digno da sua raiz histórica.

DUAS MULHERES

“Sou Giorgia, sou mulher, sou mãe, sou cristã, não mo podem negar”.

“Sou Elly, sou mulher, amo uma mulher, não sou mãe mas não sou menos mulher”.

É inegável que as duas figuras femininas na chefia de dois opostos partidos representam a novidade absoluta da política italiana. Para Meloni a fisicidade feminina é antes de mais expressão da sua vitória pessoal num campo, o da direita, dominado por um machismo de passado fascista. Por isso a recusa de assumir um apelativo feminino (o presidente e não a presidente) sublinha a excepcionalidade da sua vitória pessoal. E um tal personalismo inspira toda a sua acção política. Fora da Itália são múltiplos os seus esforços para se afirmar como aliada fiel do atlantismo; na Europa, uma instituição que antes condenava, é conhecida a tentativa de fazer votar a seu favor as ajudas económicas estipuladas por Draghi para a retoma italiana e, ao mesmo tempo, o esforço de promover a aliança entre os conservadores e PPE, isolando o PSE. Na frente interna, pelo contrário, a força da sua vitória eleitoral exprime-se em medidas racistas ou, pelo menos, desumanas contra os migrantes abandonados à morte no mar, sem socorro adequado.

Para Elly, opostamente, o ser mulher é uma forma de fisicidade absoluta que não admite confins e se traduz em acção política inclusiva para com todos, sobretudo para os menos afortunados do que ela.

tradução de Manuel Simões

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