Roald Dahl não é um escritor medieval nem do século XIX; morreu em 1990, depois de passar a vida toda a escrever contos infantis, suavizando-os. Tornou-se um dos autores mais vendidos de sempre, com mais de 300 milhões de exemplares das suas obras vendidos em todo o mundo. A partir de agora, serão editadas em inglês, mas em duas versões, a original e as nova, porque na original há personagens gordas, o que não acontecerá nas nova, por poderem ofender os leitores mais anafados.
Desta forma, palavras como ‘feio’ ou ‘gordo’ vão desaparecer do livro ‘Charlie e a Fábrica de Chocolate’, onde Augustus Gloop é agora ‘enorme’ enquanto os Oompa Loompas, personagens da mesma história, deixam de ser ‘pequenos homens’ para passarem a ser ‘pequenas pessoas’, adotando a neutralidade de género.
Também a partir de Abril serão relançados os livros de James Bond, de Ian Fleming, com um novo um aviso de que a obra foi escrita numa ‘época em que termos e atitudes que poderiam ser considerados ofensivos pelos leitores modernos, eram comuns’ e de que a edição passou a incluir ‘várias atualizações, mantendo-se o mais próximo possível do texto original e do período em que ele se passa’.
Esta notícia foi recolhida no DN no passado dia 27, que também divulga uma outra, ‘Agatha Christie é a mais recente vítima de censura’. Expressões passíveis de incomodar o leitor estão a ser suprimidas ou alteradas nos romances policiais de Hercule Poirot e de Miss Marple. Palavras como ‘nativo’ ou ‘oriental’, referências à etnia e tudo o mais que possa ofender ‘leitores sensíveis’, estão a ser varridos para debaixo do tapete do politicamente correcto. Assim, ‘Na edição do romance “O Mistério das Caraíbas”, de 1964, Miss Marple nota que um funcionário do hotel sorri com uns “dentes brancos tão bonitos”, passagem simplesmente removida’.
A preocupação por estas aparentes minudências não deixa de me espantar, por não respeitar a escrita original nem a ‘herança’ do autor, substituindo-as por uma noção gerada pela incapacidade de o leitor se ‘situar’ tanto na época como na ‘cultura’ dos países ou dos povos descritos, narrados ou ficcionados, nem da relação que cada um dos autores teria com elas.
Curiosamente, tudo isto se passa na Europa, o mesmo continente que levou o teólogo e filósofo Leonardo Boff, –questionando o mundo– a perguntar, Porque é que o Ocidente europeu optou pela vontade de poder e não pela vontade de viver dos pacifistas como Albert Schweitzer, Leon Tolstói, Mahatma Gandhi, Luther King Jr. e Dom Helder Câmara? Porque é que a Europa que produziu uma grande cultura e muitos gênios, santos e santas, escolheu este caminho que pode devastar todo o planeta até fazê-lo inabitável?
De acordo com a notícia de 11 de Fevereiro passado, num outro diário europeu, ‘Os 60 maiores bancos do mundo, concederam 2,5 bilhões em empréstimos e subscrição de obrigações às empresas dedicadas à produção de energia proveniente de combustíveis fósseis e apenas 178.000 milhões para a energia limpa, eólica ou solar’.
E, para aumentar o espanto, a BBC vetou, já em Março, um episódio da nova série documental de David Attenborough, com receio das críticas da direita, por abordar a crise climática e, por fim, ‘O número de crianças com idades entre os 0 e os 15 anos sem acesso a proteção social mínima alcançou os 1,46 mil milhões’. Estes são os resultados do último relatório ‘Mais de mil milhões de razões: a imperiosa necessidade de assegurar proteção social para as crianças’, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da UNICEF.
Não resisto em fazer um referência a Jean-Paul Sartre, tirada da sua obra ‘O Diabo e o Bom Deus’, publicada em 1951 ‘A desordem é o melhor servo da ordem estabelecida. […] Toda a destruição é confusa, enfraquece os fracos, enriquece os ricos, aumenta o poder dos poderosos’.
Que pode tudo isso interessar a alguém, quando a população estiver toda formatada e normalizada pelo politicamente correcto?
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor