Marriner Eccles, os New Dealers e a criação das Instituições de Bretton Woods — Introdução a) Carta a Spencer F. Eccles em Dezembro de 2021

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Introdução

a) Carta a Spencer F. Eccles em Dezembro de 2021

 

Coimbra, 02/12/2021

 

Caro Sr. Spencer F. Eccles

Marriner S. Eccles Foundation

79South Main 13th Floor

Salt Lake City, UT, United States 84111

Assunto: Edição em português de uma série de textos sobre a importância de Marriner Eccles nos dias de hoje

 

O meu nome é Júlio Mota e sou professor aposentado de Economia na Universidade de Coimbra, Portugal. Dei aulas na Faculdade de Economia, nomeadamente de Economia Internacional, Finança Internacional e Macroeconomia em Economias Abertas.

Atualmente continuo a trabalhar em assuntos económicos e políticos, exclusivamente pro bono, publicando num blog português coletivo, “A Viagem dos Argonautas”, cujo endereço é https://aviagemdosargonautas.net/.

Devo assinalar aqui que existe um traço comum entre a infância de Marriner Eccles e a minha. Dizem-me que Marriner Eccles aos oito anos de idade transportava pacotes de madeira que eram talvez mais pesados do que o seu próprio peso. O mesmo me aconteceu: aos dez anos de idade carregava sacos de trigo de 50 kgs e mais quando trabalhei, em 1953, numa unidade industrial composta por uma fábrica de moagem de cereais, uma padaria e uma serração. Desta forma, posso dizer que fomos ambos crianças criadas com um trabalho árduo, muito árduo, e assim, chegámos a outra consciência social da vida construída a partir dela.

Mas isto por si só não justificava vários meses de trabalho sobre um autor, seja ele qual for. Mas há outra razão muito mais profunda, esta é de ordem científica e política. Na Europa sofremos a crise da dívida soberana e passámos uma década não apenas como uma década perdida, passámo-la a destruir parte das nossas estruturas criadas com dificuldade no passado. Fizemos exactamente o contrário do que Marriner Eccles defendeu para os Estados Unidos. Com as ideias de Marriner Eccles foi feito o New Deal e isto é referido magistralmente por Helen Ginsburg quando ela nos diz:

“Os programas do New Deal mudaram literalmente a face da nação e abriram o caminho para a prosperidade futura. Eles mostraram que o governo podia agir rapidamente para criar emprego produtivo em grande escala.”

Ao contrário dos Estados Unidos com o New Deal, com o trabalho e empenho de Roosevelt, Marriner Eccles, Rexford Tugwell, Robert Wagner, Harry Hopkins e muitos outros, na Europa, com Wolfgang Schäuble, Mario Dragui, Angela Merkel, Nicolas Sarkozy, Olli Rehn e outros, foram aplicadas as políticas opostas às defendidas e implementadas pelos New Dealers. Refiro-me às chamadas políticas neo-liberais que os opositores de Marriner Eccles defenderam para os Estados Unidos. Estas políticas podem ser resumidas na visão que Helen Ginsburg nos dá sobre elas quando se refere aos anti-New Dealers:

“O New Deal, na sua maioria – mas não completamente – quebrou com a doutrina económica neoclássica ortodoxa dominante que via o capitalismo como auto-regulador e assim negava a possibilidade de desemprego involuntário ou minimizava a sua extensão, excepto como um fenómeno temporário causado por salários demasiado elevados. A economia tradicional declarava que a cura são os salários mais baixos; o desemprego residual é considerado voluntário, pondo assim o ónus do desemprego no indivíduo e não na sociedade. As prescrições políticas típicas eram o apertar do cinto – ou seja, cortar os salários e as despesas governamentais – e o laissez faire”.

Agora, a série de textos sobre Marriner Eccles que vamos publicar em língua portuguesa pretende reproduzir a sua luta daquela época, porque os seus adversários de hoje, embora com nomes diferentes, são exactamente os mesmos da época, defendendo exactamente as mesmas ideias que Marriner combateu tão bem no seu tempo. E tudo isto nos faz lembrar Peter Kenen, um conselheiro de Kennedy, para quem o mundo pode ter mudado muito, mas com uma certeza, os problemas são os mesmos. Ontem, hoje e amanhã… E essa é a razão subjacente a esta questão, para a qual gostaríamos de obter a sua ajuda no sentido de realizar o nosso trabalho. É apenas uma questão de precisar melhor as ideias de Marriner Eccles. Não mais do que isso.

Assim, vamos agora lançar neste blogue a edição portuguesa de uma série de artigos dedicados a quem considero na história americana como o segundo pilar do NEW DEAL, mesmo ao lado de Roosevelt: Marriner Eccles.

Para dar uma visão do trabalho que foi feito para este fim, gostaria de referir que vamos publicar cerca de 50 artigos, especialmente uma grande parte dos textos do Marriner Eccles, e alguns outros textos de vários comentadores, incluindo um artigo seu que apresentou em Bretton Woods em 2014. Este trabalho de preparação levou-nos mais de 6 meses de trabalho, feito principalmente por mim e pelo Sr. Francisco Tavares, um dos meus antigos alunos, traduzimos de inglês para português mais de 600 páginas, traduções feitas com um cuidado muito consciencioso. É o mínimo que devemos fazer como homenagem ao mais brilhante Presidente da Reserva Federal de todos os tempos (uma feliz expressão usada por Michael Pettis numa mensagem recente que ele me enviou).

Nesta série de artigos reparámos que temos uma lacuna que o senhor destacou no seu texto: o importante papel de Marriner Eccles nos acordos de Bretton Woods.

Alguém disse, e agora não posso precisar quem o fez, que nem uma única palavra foi ouvida de Marriner Eccles em Bretton Woods, mas que ele teve um papel importante na obtenção do acordo. Ficaria muito grato se me dissesse que fontes posso consultar para avaliar a importância de Marriner Eccles no acordo de Bretton Woods. E ainda mais, seria possível dizer-me qual foi o tema do caloroso debate que então teve com Keynes?

E tomo a liberdade de sugerir, se tiver tempo e inclinação, a redacção de um texto por si, baseado na importância do Marriner Eccles. hoje, para ser publicado na nossa série dedicada a ele. E eu e o meu amigo Francisco Tavares, meu amigo e antigo aluno que é o editor da série, ficar-lhe-íamos muito gratos. 

E antes de terminar esta mensagem, permita-me acrescentar que penso que devem ser feitos todos os esforços para levar a cabo a reedição do livro autobiográfico de Marriner Eccles “Beckoning Frontiers”. É difícil compreender porque é que um livro de tal importância para os investigadores não está disponível desde há décadas na maioria das bibliotecas universitárias. Do ponto de vista editorial, atrevo-me a dizer que é uma omissão imperdoável. Seria um livro muito útil para os investigadores, e não apenas para os investigadores económicos.

Esperando ter a honra de receber as suas valiosas informações, e devo salientar que é a única razão destas cartas, por favor aceite a minha mais sincera gratidão e os meus respeitosos elogios.

Júlio Marques Mota

 

Ps. Como nota adicional, junto uma pequena lista dos vários autores que vamos utilizar nesta homenagem a Marriner Eccles:

  1. Leonard J. Arrington
  2. PBS-Utah
  3. Michael C. Jensen, New York Times
  4. Spartacus-educational.com
  5. David Warsh
  6. Jake Bullinger
  7. Mark Wayne Nelson
  8. Ralph Nelson
  9. Matías Vernengo (Utah)
  10. Thorvald Grung Moe (Norges bank)
  11. Henk Verweij
  12. Richard H. Timberlake
  13. Lauchlin Currie
  14. Henry Morgenthau, JR
  15. Sandra J. Weldin (university of North Texas)
  16. Jan A. Kregel (Levy Economics Institute of Bard College)
  17. Michael Pettis (Beijing and Carnegie Endowment)
  18. Eric Rauchway
  19. Jamelle Bouie (New York Times)
  20. Louis Hyman ( Institute for Workplace Studies -Cornell)

E finalmente, deixe-me acrescentar uma pergunta complementar: a seu conhecimento, existe algum artigo específico de Brad DeLong, Charles Calomiris, ou outros, sobre Marriner Eccles que nos queira sugerir?

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(esta carta foi enviada em 17/12/2021 a maggie@gseccles.org)

 

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