Não há muitos dias li num lugar qualquer, que toda a gente que tem poder, se devia meter nos sapatos dos outros e entender os seus motivos, as razões das atitudes que eles teriam para qualquer procedimento. Não há dúvida que tal afirmação não passa de uma parábola, mas suficientemente clara para poder ser recomendada a muita gente que usa gravata quase todos os dias, colarinho apertado e casaco esterlicadinho, apesar da dobra em cima do cinto.
Começo assim esta Carta por ter também lido, só na terceira semana de Maio, uma série de títulos e opiniões abalizadas que me deixaram preocupado e inquieto, –os dois termos mais pacíficos que consegui encontrar– para não me chamarem nomes feios, e poder sair à rua para tomar um café, por enquanto ainda acessível, e começo pelo dia 16:
– As seis maiores instituições bancárias a operar no país, lucraram cerca de 10,7 milhões de euros por dia até março, o que, comparando com o período homólogo, representa uma subida de 55%;
– ‘Salário médio no Estado com perdas reais de 51 euros’ e, em janeiro, o ordenado médio subiu 4,5% ou 70 euros face ao ano anterior, quando deveria ter crescido 121 euros ou 7,8% para compensar a inflação;
– ‘Mais de 10% dos portugueses não pode ter uma semana de férias fora de casa’. Portugal tinha, em 2020, 1.893 milhares de pobres, 345 mil eram crianças que viviam com dificuldades, agravadas pela pandemia de covid-19. Documentos alertam para a falta de uma alimentação completa e para a falta de rendimentos;
No dia 19, fui ‘assaltado’ por outros títulos:
– ‘Margens de lucro responsáveis por dois terços da inflação’. Depois do BCE e da Comissão Europeia, também o Banco de Portugal vem dizer que foram as empresas a puxar pela inflação no ano passado. Em Portugal, contribuíram para quase 66% da subida de preços – que foi acentuada nos alimentos e para as famílias mais pobres;
– ‘Governador do BdP alerta para relação de espiral entre salários e inflação’. O governador do Banco de Portugal (BdP), Mário Centeno, alertou hoje para os efeitos que o aumento dos preços pode ter nos salários e a sua interligação, querendo evitar “espirais” de subidas mútuas;
No dia 20, Jorge Conde, Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra, na crónica que deixa regularmente num diário da capital, salienta:
‘10 milhões diários –ou 300 milhões mensais– é o valor necessário para pagar o ordenado de um mês a 395 mil portugueses que ganhem ordenado mínimo. Este é o valor conseguido entre outras operações, com o aumento da prestação da casa em cerca de 10% àqueles que, ganhando o ordenado médio português, compraram casa no limite da sua taxa de esforço.
10 milhões diários, ou o lucro de um dia, é o valor necessário para pagar as propinas do Ensino Superior a 15 mil jovens estudantes durante um ano e corresponde a cerca do dobro do que todo o Ensino Superior público português movimenta por dia’.
Não quero terminar esta Carta com uma qualquer moralidade pessoal, vou avocar o velhinho Cícero, que tem muita mais ‘sabedoria e autoridade’ para o fazer – ‘A ideia de que uma coisa cruel possa ser útil, é por si só imoral’.
Quantas agendas políticas, por cá e por esse mundo fora, estarão a precisar de ser actualizadas?
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor