Espuma dos dias… a derrota do nazismo, apenas uma pausa na luta contra o fascismo? — “A derrota da Alemanha nazi… apenas uma pausa para o fascismo, como demonstra a guerra por procuração da NATO na Ucrânia”, editorial de Strategic Culture Foundation

Seleção e tradução de Francisco Tavares

8 min de leitura

A derrota da Alemanha nazi… apenas uma pausa para o fascismo, como demonstra a guerra por procuração da NATO na Ucrânia

Editorial de  em 12 de Maio de 2023 (original aqui)

 

                                     Foto: SCF

 

A derrota da Alemanha nazi em 1945 provou ser apenas uma pausa numa luta histórica mais longa contra o fascismo. Estamos a ver essa luta a desenrolar-se na Ucrânia e com a louca agressão psicopática de Washington à Rússia.

 

Esta semana assinalou-se o 78º aniversário da derrota da Alemanha nazi em Maio de 1945. Embora o maléfico Terceiro Reich tenha sido derrotado, um monstro mais profundo não tinha sido morto. A Alemanha nazi era apenas uma versão do fascismo imperialista ocidental, uma força que reemergiu no pós-guerra com toda a força, sob a forma dos Estados Unidos da América e dos seus vários clientes ocidentais.

Não é uma hipérbole descrever Washington e os seus satélites ocidentais como o Quarto Reich.

A aliança ad hoc em tempo de guerra entre a União Soviética, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e outros aliados ocidentais daria rapidamente lugar à Guerra Fria, mesmo quando as cinzas da guerra mais destrutiva da história ainda estavam a arder. É espantoso contemplar a desonestidade desta situação.

Esta reconfiguração do militarismo ocidental explica por que razão as Nações Unidas, criadas em 1945, foram imediatamente ridicularizadas pelas potências ocidentais lideradas pelos Estados Unidos e pelo eixo da NATO, formado em 1949, com inúmeras guerras de agressão no estrangeiro, desde a guerra da Coreia (anos 50) até à actual guerra na Ucrânia.

As origens da Guerra Fria em 1945 e do actual confronto na Ucrânia remontam às relações secretas entre americanos e britânicos e o Reich nazi no final da Segunda Guerra Mundial.

 

Reposicionando a máquina de guerra nazi

Arquivos americanos desclassificados, entre outras fontes, atestam o recrutamento de dezenas de milhares de nazis, oficiais das SS e seus colaboradores assassinos pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha. O objectivo, em grande parte inconfessado, era reposicionar os restos da máquina de guerra do Terceiro Reich contra a União Soviética.

Os fascistas ucranianos que tinham participado activamente na Solução Final nazi, matando milhões de eslavos, foram recrutados pelas potências ocidentais para travar uma guerra por procuração atrás das linhas soviéticas. Assassinos em massa como Stepan Bandera e Mykola Lebed foram protegidos pelos serviços secretos americanos e britânicos para continuarem o seu trabalho nefasto. O antigo chefe de espionagem nazi, o Major-General Reinhard Gehlen, foi incumbido de coordenar as guerrilhas nazis ucranianas e bálticas para travar uma guerra secreta contra a União Soviética. Estes são apenas alguns nomes de todo um exército clandestino de agentes e paramilitares destacados pelo Ocidente em toda a Europa nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Muitos deles foram treinados nos Estados Unidos para as suas missões de comando e terrorismo destinadas a sabotar as sociedades soviéticas.

Os chefes dos serviços secretos americanos do Gabinete de Serviços Estratégicos (OSS), em tempo de guerra, como Allen Dulles e James Jesus Angleton, recrutaram conscientemente nazis na Europa para prosseguirem a esperada guerra contra a União Soviética. Foram criadas linhas de fuga para garantir que os criminosos de guerra nazis escapassem à acção penal e os serviços secretos ocidentais não só recolocaram milhares de nazis, como também asseguraram o ouro lucrativo e outros saques que o Terceiro Reich tinha acumulado durante o seu reinado de terror. Este dinheiro negro financiaria operações secretas levadas a cabo pelos EUA em todo o mundo durante décadas, como David Talbot documentou no seu livro The Devil’s Chessboard. Ver também o inspirador estudo de Christopher Simpson, The Splendid Blond Beast.

Eis uma lista meramente exemplificativa de golpes e subterfúgios da CIA em todo o mundo que se ligam à traição feita à Segunda Guerra Mundial com os nazis: Itália (1948), Síria (1949), Irão (1953), Guatemala (1954), Congo (1960), Cuba (1961), República Dominicana (1961), Brasil (1964), Indonésia (1965) e Chile (1973). Não se trata de acontecimentos ou datas isoladas. São uma sequência numa tapeçaria imperialista americana de agressão mundial. E é possível continuar a aumentar a lista até à Ucrânia de hoje.

 

Aliança em tempo de guerra, um expediente para livrar-se do rival nazi

Uma boa pergunta é: por que razão as potências ocidentais se deram ao trabalho de formar uma aliança de guerra com a União Soviética para derrotar o regime de Hitler? Afinal, a classe dominante e a elite financeira dos EUA e da Grã-Bretanha tinham sido fundamentais na construção da máquina de guerra nazi durante a década de 1930, com o objectivo de derrotar a União Soviética e o comunismo em geral. Sem dúvida, o pacto de guerra foi um acordo conveniente para o Ocidente se livrar do Reich alemão, que se tinha transformado num rival imperial incómodo. Havia também alguns líderes ocidentais, como o Presidente Franklin D. Roosevelt, que se opunham genuinamente ao fascismo e que, de facto, corria o risco de ser derrubado por facções fascistas internas do establishment.

A traição dos aliados de guerra ocidentais no pós-guerra foi muito além do recrutamento de pessoal nazi. Facções dentro do poder ocidental estavam a considerar activamente a utilização da bomba atómica recentemente desenvolvida contra a União Soviética. O General Leslie Groves, que supervisionava o Projecto Manhattan, disse abertamente aos cientistas do Pentágono que o verdadeiro alvo da bomba era Moscovo e não a Alemanha nazi, como anteriormente anunciado. Foram também elaborados planos concretos, como a Operação Impensável e a Operação Drop Shot, para atacar preventivamente a União Soviética antes de esta desenvolver a sua própria arma atómica.

Assim, apesar das distorções dos meios de comunicação social ocidentais e dos académicos e da glamourização feita por Hollywood, a Guerra Fria pode ser correctamente vista como a continuação da Segunda Guerra Mundial. Os planos furtivos para atingir Moscovo preventivamente com armas nucleares andaram de mãos dadas com o destacamento no terreno de soldados nazis para toda a Europa. A União Soviética, que perdeu pelo menos 27 milhões de pessoas naquilo a que chama a Grande Guerra Patriótica, estava evidentemente consciente da traição ocidental iminente. Moscovo viu como os chamados aliados de guerra faziam acordos com os nazis e violavam os acordos de entrega de criminosos de guerra. A Guerra Fria foi talvez a maior traição das potências ocidentais e um sinal indelével da sua profunda duplicidade e beligerância implacável.

 

As elites ocidentais criminalizam o Dia da Vitória

Quase oito décadas depois, esta semana, em toda a Europa, assistiu-se a acontecimentos surreais. A Rússia realizou o seu desfile anual do Dia da Vitória contra a Alemanha nazi com a pompa e a cerimónia tradicionais, enquanto nos Estados ocidentais não houve grandes comemorações oficiais. A elite europeia, como a Presidente da Comissão Europeia – e herdeira de nazis – Ursula von der Leyen, prefere celebrar o recém-criado “Dia da Europa” e ignorar o Dia da Vitória. Na verdade, estão a ir mais longe e a criminalizar aqueles que celebram o Dia da Vitória.

Não é estranho? Bem, apenas talvez estranho, tendo em conta a falsificação de relatos e omissões da Segunda Guerra Mundial por parte das correntes dominantes ocidentais. Mas não é estranho para aqueles que compreendem as intrigas imperiais mais profundas dessa guerra e as suas sinistras consequências.

De facto, vários eventos organizados por cidadãos em Estados europeus para comemorar o Dia da Vitória foram bloqueados pelas autoridades. A polícia da Alemanha, dos países bálticos e de outros países europeus proibiu os cidadãos de exibirem bandeiras soviéticas em memoriais de guerra para honrar a vitória do Exército Vermelho em Berlim. No entanto, nesses países, os apoiantes dos fascistas ucranianos foram autorizados a agitar as suas bandeiras e a assediar os cidadãos que queriam prestar homenagem ao Exército Vermelho e assinalar a derrota do nazismo.

O Presidente russo Vladimir Putin, no seu discurso no desfile da Praça Vermelha, observou correctamente que uma guerra não declarada está a ser travada mais uma vez contra a Rússia. É verdadeiramente espantoso que isto esteja a acontecer em plena memória viva dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Para qualquer pessoa racional e moral, isto pode parecer chocantemente depravado. Mas se a natureza da besta imperialista e fascista for correctamente compreendida, então podemos facilmente compreender que a besta tem de ser alimentada com sangue e carne. É incontrolável, até ser morta.

 

Ucrânia: campo de batalha numa guerra mais vasta

O conflito na Ucrânia é apenas um campo de batalha numa guerra maior entre o eixo militar da NATO liderado pelos EUA e a Rússia. O mundo, como observou Putin, encontra-se numa outra conjuntura histórica de implicações existenciais para o futuro do planeta e da vida na Terra.

Esta semana foram fornecidas mais armas ao regime de Kiev pelas potências da NATO. Os EUA comprometeram-se a fornecer mais 1,2 mil milhões de dólares em armas (para além dos 30 a 50 mil milhões de dólares já enviados no ano passado); a Grã-Bretanha anunciou o fornecimento de mísseis de cruzeiro de longo alcance capazes de atingir profundamente o território russo; enquanto o comandante militar de topo da Alemanha, o general Carsten Breuer, inspeccionou as tropas ucranianas e fez avaliações sobre uma contra-ofensiva prevista. Todo o eixo da NATO está de facto em guerra contra a Rússia. Esta já não é uma guerra por procuração e está a caminhar inexoravelmente para uma guerra total. O perigo de uma conflagração nuclear nunca foi tão perigoso, comparável à crise dos mísseis de Cuba em 1962. Não nos enganemos, a situação abismal foi criada por Washington e pelos seus clientes ocidentais devido à sua recusa da diplomacia e do diálogo sobre os acordos de segurança propostos por Moscovo.

O odioso regime de Kiev, que chegou ao poder através de um violento golpe de Estado apoiado pela CIA em 2014, homenageia todas as semanas uma ou outra figura nazi do passado, mudando o nome de ruas em sua memória. Em 2014, o regime foi concebido para se desenvolver como uma ardósia contra a Rússia com armas e treinadores militares da NATO, como o chefe da NATO, Jens Stoltenberg, revelou novamente esta semana numa entrevista aos meios de comunicação social.

Os americanos e os britânicos recrutaram os remanescentes do Terceiro Reich no final da Segunda Guerra Mundial porque nas fileiras do establishment governamental ocidental havia numerosos fascistas ou “excepcionalistas” que acreditavam num direito divino de superioridade americana e de domínio do mundo. Trata-se de uma mentalidade que se tornou endémica em Washington. A OSS americana, que se tornou a CIA em 1947 sob as ordens do Presidente Harry Truman (o bombista atómico de Hiroshima e Nagasaki), era a personificação do fascismo americano, juntamente com o complexo militar-industrial do Pentágono (MIC). A CIA, o MIC, os bancos de Wall Street e a elite corporativa do capitalismo americano representam o estado profundo ou estado corporativista que é o fascismo. O processo eleitoral não passa da parra de figueira da “democracia”. O mesmo se pode dizer da maioria dos Estados ocidentais e das suas eleições falsas. O verdadeiro poder reside numa oligarquia não eleita. Em suma, os Estados ocidentais são inerentemente fascistas com um verniz de democracia, como baton de lábios num porco.

A CIA, juntamente com os britânicos, utilizaria os seus conhecimentos nazis adquiridos para aterrorizar o mundo com assassinatos, golpes de Estado e guerras nas décadas seguintes da Guerra Fria. A elite fascista americana chegou mesmo a assassinar um dos seus próprios presidentes, John F. Kennedy, em 22 de Novembro de 1963, devido às suas crescentes intenções pacíficas com a União Soviética e à sua recusa em aceitar um ataque nuclear preventivo a Moscovo, como exigiam o general Curtis LeMay e outros chefes do Pentágono.

 

Porque é que o suposto fim da Guerra Fria não trouxe a paz

Esta continuidade de décadas na história fascista explica porque é que o suposto fim da Guerra Fria em 1991, há mais de três décadas, após a dissolução da União Soviética, não conduziu a uma maior paz e segurança nas relações internacionais.

As potências ocidentais fascistas, lideradas principalmente pela elite dominante dos EUA, não podem estar em paz com o resto do mundo porque o seu sistema de imperialismo capitalista assenta na hegemonia e domínio totais. Essa condição fundamental de desigualdade nas relações humanas deve ser sustentada pelo militarismo, pela agressão, pelo terrorismo de Estado e pela guerra.

A derrota da Alemanha nazi em 1945 provou ser apenas uma pausa numa luta histórica mais longa contra o fascismo. Estamos a ver essa luta a desenrolar-se na Ucrânia e com a agressão psicopática louca de Washington contra a Rússia, a China, o Irão e qualquer outra nação que não se curve em subserviência aos seus ditames.

Não admira que as elites ocidentais nem sequer finjam agora celebrar o Dia da Vitória. Não significa nada para elas. Traíram não só o povo russo, mas milhões de cidadãos ocidentais que também deram as suas vidas em sacrifício para derrotar o nazi-fascismo.

 

 

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