Espuma dos dias — “A Grã-Bretanha pode prosperar como estado vassalo”, por Tom Mctague

Seleção e tradução de Francisco Tavares

4 min de leitura

A Grã-Bretanha pode prosperar como estado vassalo

O Reino Unido e a UE estão presos a ilusões de poder

 Por Tom Mctague

Publicado por  em 8 de Junho de 2023 (original aqui)

 

                                (Leon Neal/Getty Images)

 

Os descontentes Remainers [defensores da permanência do RU na UE], ainda furiosos com o Brexit, estão a começar a transformar-se naquilo que há muito acusam os seus adversários de serem: criaturas presas em visões nostálgicas de um mundo que nunca existiu. Esta estranha transformação foi exibida em pleno esta semana, depois de Rishi Sunak ter chegado a Washington na esperança de aprofundar os laços americanos em matéria de tecnologia, IA e comércio.

A viagem de Sunak foi considerada como mais uma tentativa embaraçosa do Brexit britânico de se manter relevante, quando toda a gente sabe que não o é. Mas se há uma coisa mais antiquada do que a ideia da Relação Especial, é a noção de que a Grã-Bretanha se engana a si mesma sobre a sua própria importância. Esta é a nossa muito própria forma de excecionalismo.

No entanto, os partidários do Brexit não devem ignorar todos os diagnósticos sobre a situação do país após o Brexit. É claro que a Grã-Bretanha do Brexit não é uma “potência global”, mas também não o era a Grã-Bretanha pré-Brexit. Para além dos Estados Unidos e da China, já nenhum país do mundo é uma potência global – nem mesmo a UE. As linhas de batalha estão a ser definidas e a Grã-Bretanha está a entrar na linha.

Sim, é verdade que Washington gostava mesmo de ter a Grã-Bretanha na UE – o que me foi dito por suficientes funcionários americanos para saber que é verdade – porque significava ter um aliado ideológico no centro de um importante bloco comercial. Embora o grau em que isso alguma vez deu à Grã-Bretanha muita influência em Washington seja discutível – assim como se a Grã-Bretanha deveria realmente basear a sua política externa em torno da sua utilidade para a América.

Mais importante ainda, o Brexit deixou a Grã-Bretanha mais exposta aos perigos do proteccionismo das grandes potências do que antes. Mas o objectivo da política externa é gerir as vulnerabilidades de um país. Fora da UE, a Grã-Bretanha tem desafios diferentes e, portanto, deve seguir uma política externa diferente. Este facto é óbvio.

Talvez menos óbvio seja o facto de uma política externa perfeitamente sensata se ter aberto ao Reino Unido. O problema para os Remainers é que cada passo sensato neste caminho, lidando com as vulnerabilidades da Grã-Bretanha, torna cada vez mais difícil o regresso à União Europeia: aderir a um bloco comercial do Pacífico, alinhar-se com as regulamentações americanas, acordar um acordo de comércio livre com a Austrália. E, no entanto, não dar esses passos é ceder exactamente ao tipo de desejo nostálgico que acreditam ter alimentado o Brexit, centrado em voltar a um mundo que já seguiu em frente.

As negociações da Grã-Bretanha com Washington, portanto, são melhor entendidas não como uma tentativa de ressuscitar um mundo perdido, mas de construir algo, fragmentado, que a ajude a sobreviver no mundo real que está a emergir hoje. Como me disse um alto funcionário britânico, fora da UE, a Grã-Bretanha não tem outra alternativa senão “internacionalizar a sua abordagem” para reduzir as suas dependências, reforçando as suas parcerias de segurança com os aliados e, depois, transformando-as lentamente em parcerias económicas. Um mundo assim coincide com o plano americano de criar uma grande aliança que bloqueie as tentativas da China de se tornar o novo poder hegemónico mundial. Nesta visão, os interesses económicos e de segurança são fundidos – já não são mantidos separados, como na maioria dos países da UE, através da subcontratação da NATO. O segundo eixo central da política externa britânica deve, portanto, ser o de se aliar aos americanos na sua competição com a China.

Se juntarmos tudo isto, surge uma estratégia. A Grã-Bretanha tem de trabalhar com outras potências que pensam da mesma forma e que também fazem parte da grande aliança americana. Deve pensar na segurança e na economia como uma só e transformar-se numa “nação de vanguarda”, actuando rápida e vigorosamente em tudo – não numa tentativa vã de proteger a sensação de poder global que teve no século XX, mas para se transformar numa potência de média dimensão bem sucedida no século XXI: um Japão atlântico ou um Israel do Mar do Norte. Tem de alinhar com os EUA em questões fundamentais de segurança nacional, transformando as questões do comércio global em questões mais vastas de interesses ocidentais. Tem de se inserir numa rede de países semelhantes com aspirações semelhantes, todos satisfeitos por serem independentes, parceiros menores num mundo americano sem interesse em serem pólos de poder separados.

Para os mais atentos, esta estratégia tem vindo a ser construída desde há algum tempo. Primeiro veio a Aukus, a aliança entre a Grã-Bretanha, a Austrália e os Estados Unidos que tanto irritou os franceses. Depois, veio a adesão da Grã-Bretanha à Parceria Transpacífica, ancorando o Reino Unido numa aliança comercial global diferente. E depois, no mês passado, foi assinado o Acordo de Hiroshima, um acordo entre a Grã-Bretanha e o Japão que aprofundou a cooperação industrial entre os dois países, particularmente na mais contestada das áreas: o fabrico e fornecimento de semicondutores. Cada uma das políticas foi significativa em si mesma, mas, em conjunto, começam a parecer uma mudança táctica coerente, particularmente quando adicionadas à política quase hiperactiva da Grã-Bretanha em relação à Ucrânia.

E, no entanto, sem um acordo com os Estados Unidos, esse plano não faz sentido: daí a visita de Sunak a Washington esta semana. A questão não é saber se o acordo será grande ou pequeno em termos de PIB, ou se mostra a “influência” britânica ou substitui qualquer comércio perdido com a UE – mas se acrescenta outra camada a esta estratégia pós-Brexit mais alargada.

Porém, não nos iludamos. A UE tem vantagens significativas em relação ao Reino Unido. É um gigante económico cujo peso lhe oferece uma boa dose de segurança contra o proteccionismo americano. E a sua dimensão significa que pode injectar dinheiro em áreas importantes de uma forma que o Reino Unido simplesmente não pode.

No entanto, a UE tem as suas próprias fraquezas. Apesar da guerra na Ucrânia, muitos dos principais políticos da UE ainda acreditam que devem – e podem – seguir uma política de autonomia estratégica em relação aos Estados Unidos. Mas, como salientou Helen Thompson, é difícil perceber como é que isso acontecerá.

A UE está numa posição fraca no que diz respeito à segurança energética, ao acesso a matérias-primas e semicondutores, à inovação tecnológica, a universidades de elevado desempenho e, mais importante ainda, a uma verdadeira presença em termos de segurança. A UE aspira a ser uma potência mundial, mas não consegue defender-se. Em vez de se tornar uma superpotência da IA, parece destinada a permanecer dependente dos EUA. Talvez ainda mais prejudicial é o facto de não ter a vontade colectiva de procurar essa autonomia, pelo que enfrenta muitos dos mesmos dilemas fundamentais que a Grã-Bretanha quando olha para um mundo dividido entre os EUA e a China.

E assim, para aqueles que acreditam que o Reino Unido está a viver num mundo que desapareceu, vale a pena parar pelo menos para perguntar se a UE pode estar presa em ilusões semelhantes. Se a gestão desastrosa do Brexit conseguiu alguma coisa, foi privar a maioria dos britânicos de quaisquer aspirações remanescentes ao poder global. A ironia é que isto pode ser uma coisa boa.

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O autor: Tom Mctague é editor político em Unherd. É autor de Betting The House: The Inside Story of the 2017 Election.

 

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