ADÃO CRUZ – REFLEXÃO

De uma forma ou de outra, como diz Jorge Sousa Braga, sempre estivemos convencidos de que amanhã vamos todos acordar com uma pérola no cu. As grandes virtudes, as mais finas e puras partículas da nossa substância, consagradas ao fim dos anos numa pequenina preciosidade imortal. Se a ostra o consegue, por que não há-de consegui-lo o Homem? A Arte, valendo-se da sua atractiva figura e das suas múltiplas e polifacetadas relações, sempre criou este espírito, escondendo a própria vulnerabilidade e fragilidade, na busca de novos limiares de consciência, desde a pobreza de determinadas desconstruções e roturas insidiosas até à riqueza de admiráveis alterações na representação do mundo.

No campo tremendamente complexo da sensibilidade e nos domínios da estética e da filosofia da arte contemporânea, há que ter muito cuidado com as manigâncias desta bela e maquiavélica senhora. A estética, força interpretativa do belo, o belo, sensação e não apenas ideia, a arte, sensibilidade e estatuto de linguagem cuja essência não é fácil captar racionalmente são questões histórico-fenomenológicas sem respostas convincentes.

Fico, assim, um pouco como o tolo no meio da ponte. A estética é invulnerável na sua trajectória ou A dispersão da estética pode perder os limites da arte e levar à conclusão de que não é possível aplicar as noções tradicionais da beleza e da estética à arte contemporânea? Daqui o poder inferir-se que hoje tudo é possível, dentro da seriedade, dentro da mentira, dentro da loucura ou de uma espécie de expressão alegórica do desconhecido e do infinito. Esta nova arte, contudo, podendo nada produzir para além da intenção, tem uma certeza inabalável: a impossibilidade de voltar atrás. Uma aventurosa rampa do futuro, por entre os perigos da provocação artística e da perversidade humana! A fraude e o engano existem, parecendo assentar na presunção, dificilmente rebatível, de que o espectador come tudo e nada entende. Ao lado da pobreza de muitas coisas escrevem-se legendas pretensamente filosóficas e transcendentais, tentando colmatar o fosso entre o que o espectador vê com normal objectividade, e aquilo que se quer falsamente impor como matéria que ele não atinge. Para defesa da nossa dignidade não devemos esquecer-nos de que o espectador é, muitas vezes, bem mais profundo e sábio do que aqueles que se apresentam como artistas.

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