Ao cimo das íngremes escadas que levam ao Chupa Ovos, olho para trás, para a nesga de céu muito azul, apertada na estreiteza da rua, cobrindo uma língua de mar salpicada de pequenos barquinhos de pesca. O Chupa Ovos é um restaurante em A Guarda, no começo da Galiza, há muito recomendado por uns amigos cubanos que conhecemos no Hotel Molino, um hotel de requintada modéstia, mesmo na foz do rio Minho, frente a Moledo. Na paz da sua esplanada, saboreando unacana, em noite de estrelas, talvez ouçamos da boca da Margarida o relato dos horrores da guerra civil, lembrando a casa das torres, um pouco mais acima, onde se refugiaram os seus familiares e outros antifranquistas, muitos deles fuzilados em Tui.
Nas nossas deambulações frequentes pela Galiza, agora mais espaçadas e curtas, por essa Galiza tão rica de paisagens deslumbrantes de mar e rias, é para nós sagrada uma revisitação ao Chupa Ovos. Ultimamente, o pensamento diz-nos que a idade e as forças já não nos deixam lá voltar, e por isso é sempre com grande regozijo que nos sentamos à mesa frente à delícia dos seus langostinos, das almejas em salsa muy rica e sobretudo do rodaballo.
Após o almoço, ao descermos a escadaria que conduz ao restaurante, ao fundo do primeiro dos três patamares, dou com uma imagem que me agarrou como uma visão mágica, ali mesmo à minha espera. Numa porta entreaberta, vi uma menina a olhar para mim, com um sorriso tão cândido e uns olhitos tão doces, que me pareceu a carita de uma das minhas netas, em pequenina. Ficámos a olhar uma para a outra como que hipnotizadas, com tão inesperada atracção e empatia que logo me lembrei da tal essência da poesia de que tanto fala o meu irmão…
A menina, sentada num banquito, tinha à sua frente uma pequena mesa de madeira com alguns búzios em cima, muito limpos e reluzentes, uns maiores outros mais pequenos, cada um com um papelinho e o seu preço. Pelo que me disse, eram recolhidos pelo seu avô que era pescador e lhos oferecia para ela vender. Não resisti, claro, a comprar-lhe um, que ela delicadamente embrulhou num papel e colocou num saquinho.
Lembrei-me, então, que a minha mãe gostava muito de búzios e corria a praia de lés a lés para os encontrar e às suas primas conchas. Com eles, entretinha-se a fazer pequenos bonecos, alguns bem bonitos e expressivos. Ainda hoje guardo um grande búzio dessa época, maior do que este que comprei. Por vezes encosto-o ao ouvido para ouvir o mar ao longe e as ondas a bater, tal como ela me ensinou, mas os meus ouvidos já gastos não ouvem o mar…mas apenas o som longínquo da música do passado tocada pela saudade.