Ao contrário do que pensam os diretores de informação dos canais portugueses o mundo não parou para assistir às reportagens sobre a vinda do papa Francisco a Portugal para presidir a um evento quadrienal da Juventude Católica. Há mundo para além das reportagens mais ou menos absurdas (com pivôs de cabelos desgrenhados ao vento e a falar sobre música de feira) e do dilúvio informativo que obstipou todos os canais. Nem o papa, nem a Igreja Católica têm culpa desta manifestação de pequenez dos diretores de informação, que se colocaram em bicos de pés como profetas em evangelização de cafres a quererem convencer os portugueses de que Portugal é o centro do mundo, pelo menos durante uma semana.
Para escapar ao banho televisivo de imersão papal tenho passado a ver o que as estações estrangeiras transmitem. Vejo as espanholas, as francesas, as inglesas (BBC e Sky)e as americanas (CNN e FOX), a Euronews, por vezes a Globo e a Aljazeera. Para este mundo cujas línguas entendo mais ou menos a visita do papa Francisco a Lisboa é um mero fait divers que não passa de dois tópicos: o papa apelou à paz na Ucrânia e recebeu vítimas da pedofilia eclesiástica. Nada mais. Em conclusão: Os senhores diretores de informação dos canais portugueses estão a transmitir para o mercado nacional, a impingir comentários para consumo interno. Um “domingão” patrocinado por um supermercado provoca o mesmo efeito promocional! Que repercussão terão as palavras do papa neste estrato de jovens que vemos por aí? Quem são estes jovens? Ninguém pergunta. Aparentemente são jovens das classes médias dos respetivos países, conservadores os europeus e norte-americanos, tradicionalistas e fruto da colonização os do resto do mundo onde os europeus impuseram o cristianismo e este sobrevive entre outros credos. A Jornada Mundial a todos estes jovens e menos jovens serve de tónico espiritual. Reforça o espírito de corpo. A Jornada Mundial da Juventude é uma demonstração de resistência da Igreja Católica no mundo e não de proposta de mudança, de um farol, ou de um fermento como as palavras do papa parecem apontar ser a sua intenção: uma utopia! O papa Francisco é um Che Guevara a incentivar a luta de povos que não querem correr os inerentes riscos e os incómodos, como aconteceu ao guerrilheiro argentino no Congo e na Bolívia!
Entretanto, o que é importante para o mundo? Para os americanos e ingleses, o tema principal das suas TVs são as novas acusações contra Trump. O farol do Ocidente não é Roma, mas Washington e a perspetiva de um papa com as virtudes de Trump causa interrogações — mas a Igreja Católica teve os Médicis como papas e até uma papisa e ainda organiza jornadas mundiais de juventude!
A questão não é de moral, mas de prioridades do poder na oligarquia americana. Trump representa a oligarquia que privilegia o lucro assente no mercado interno, os outros (republicanos e democratas) são defensores do lucro através do poder imperial. Para os americanos a perda de um A do triple A das agências de notação financeira é motivo de preocupação — Os Estados Unidos perderam o status de ‘triple A’ na agência de classificação de risco Fitch. O ‘triple A’ é a cobiçada nota de crédito máxima atribuída a um país ou empresa pelas agências de rating, e apenas um grupo seleto de dez nações têm esse selo. São más notícias numa época de desdolarização da economia e da emergência de uma moeda dos BRICs.
A política imperial, de que a intervenção na Ucrânia é o mais claro e recente facto, está a causar perdas financeiras gigantescas, que são as que interessam. Daí a popularidade de Trump. Quanto aos franceses, estão especialmente preocupados com o golpe no Niger, que lhes afeta o poder numa zona que tomavam como sua, que inclui o Mali, o Burkina Fasso, e de onde extraíam boa parte do urânio para as suas centrais nucleares, o que lhes permite ter uma produção industrial sustentada nessa energia e serem menos dependentes da energia americana do que a Alemanha. Não falo alemão, não sei quais as suas preocupações, mas não será com a visita do papa a Portugal, certamente. A Espanha preocupa-se com a formação de um governo, continuando enredada na histórica questão das nacionalidades e autonomias, no sistema de castas de “grandes de Espanha” e dos reinos e ducados. O Brasil vai, “lulamente”, construindo uma alternativa ao mundo unipolar norte-americano, em articulação com a China, que está cada vez mais presente em África — a televisão pública angolana passou uma entrevista com o embaixador da China em Luanda onde este anunciou os grandes investimentos chineses na construção do novo aeroporto internacional, em infraestruturas hidroelétricas, na saúde, na agricultura e na educação. Isto num português escorreito. A guerra na Ucrânia quase desapareceu dos ecrãs internacionais, apenas com referências à exportação de cereais, mas agora até já surgem notícias que referem o facto de o acordo não ter sido cumprido pelo Ocidente na parte que dizia respeito à Rússia!
Decididamente, senhores diretores de informação das TVs, leiam e vejam o que se passa no mundo, ou concorram a uma junta de freguesia, ou abram uma tasquinha para conversas de pé da porta.