A história faz-se com verdadeiros, falsos ou não-acontecimentos. O que interessa é que se desenvolva em tempo real, que não se separe da vida quotidiana, mas a oferecer-lhe, isso sim, um enquadramento simbólico, enquanto certeza de que cada um tem de estar no seu mundo.
É o campo onde se impõe a homogeneização, a base efectiva da globalização, e onde é praticamente impossível a refutação da realidade, pois a rapidez da informação apenas parece autorizar interpretações antes adquiridas –as significações possíveis, estão ao dispor, basta apenas usá-las-; deste modo, ‘A ilusão e a miragem substituem a cena, o lugar da realidade ou da sua representação’, como explica o poeta e escritor francês, Georges Duhamel.
Aliás, fala-se muito e lê-se pouco, dizem muitos professores e críticos vários, referindo esse ícone da realidade a que chamam tweet, também rápido, incisivo, curto, a dizer pouquíssimo e a contradizer-se na mesma dimensão. A dar atenção ao que se vê, ouve e lê, abunda a informação não baseada na experiência, mas alimentada por tweets e media. Convém não esquecer que é o mesmo caminho onde estão instaladas a informação, a vivência e a política –sempre aquelas que adoptam um tipo lifestyle– a encharcar o cidadão, mas afastando-o também e, ao mesmo tempo, daquele valor insubstituível que é a democracia.
Na realidade, viver em democracia só quer dizer que a cidadania deve saber bem, documentando-se, das coisas do mundo em que se vive e, para o conseguir, só há que ler e muito, mas obviamente só os textos com bons e reconhecidos fundamentos.
Trago este tema para aqui pois, quando o lugar do criador e narrador, é ocupado pelos media, são estes que se constituem e instituem como a ‘janela para o mundo’, ao mostrarem o universo de interacções múltiplas entre a diversidade dos discursos, das visões e das realidades sociais, por eles escolhidas programadas e distribuídas, sem grandes preocupações pelo auditório, quase sempre distraído e descontraído, naquela mistura entorpecente entre a banalidade e o lúdico.
Uma questão também referida por Umberto Eco na obra ‘As formas do conteúdo’, sobre o discurso mediático já ‘organizado’ pelas conjunturas da comunicação ‘Porque uma série de circunstâncias orienta os destinatários para mediarem a ideologia do remetente e, por consequência, os subcódigos a que pode ter feito referência’.
Esta situação é, mas só aparentemente, um paradoxo, porque o discurso –a narrativa– é e ao mesmo tempo, uma referência à realidade e ao criador, por este assegurar e preencher a parte mais importante, a da representação da realidade, mas de acordo com os seus objectivos e interesses, obviamente de cariz social, ‘Nãosimplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo qual, e com o qual se luta, o poder do qual nos queremos apoderar’, afirma Michel Foucault num pequeno e enorme trabalho, ‘A ordem do discurso’.
Não parece haver quaisquer dúvidas de que o ecrã –independentemente do tamanho– assume a importância de parte mais importante, por ser o criador, o distribuidor e divulgador da agenda da Instituição (entenda-se a entidade que o comanda), pela ‘verdade’ e pelo óbvio da imagem, mais uma vez curta, incisiva e a mostrar pouquíssimo, sempre de acordo com a incidência que o autor/criador procurou, depois ‘montou’, ‘alindou’ e ‘ofertou’.
A qualidade de uma democracia depende muitíssimo da confiança dos cidadãos nas instituições que a sustentam, principalmente pela imagem correspondente à actuação ética e transparente, que pode ser terrivelmente abalada por uma qualquer afirmação como esta, proferida por um dos mais conhecidos criadores da nossa praça, o inefável e brilhante senhor Sousa, dirigindo-se ao seu público, pelo qual lutou muitos anos, ‘Nós somos fado, somos bacalhau, somos caldo verde, somos cozido à portuguesa, somos o vira e o corridinho e o fandango. Somos tudo isto, temos uma alma. Somos Cristiano Ronaldo’.
António M. Oliveira
Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor