Seleção e tradução de Francisco Tavares
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A lua de mel entre a Polónia e a Ucrânia é resfriada por armas e cereais
Publicado por em 21 de Setembro de 2023 (original aqui)

A um mês das eleições, o ultraconservador PiS entoa o Polonia First e distancia-se do seu vizinho e aliado ucraniano para não irritar o mundo rural no segundo país com mais agricultores da UE.
Há alguns meses, era quase impossível imaginar que a Ucrânia denunciaria a Polónia à Organização Mundial do Comércio. Ou que o país que mais apoiou Kiev na sua defesa com a Rússia congelasse o envio de armas e comparasse Kiev a um homem desesperado que se afoga. O idílio entre a Polónia e a Ucrânia atravessa o seu pior momento desde o início da guerra marcado pela crise dos cereais, por uma crescente fadiga internacional após 19 meses de combates e, sobretudo, pelas eleições de 15 de outubro na Polónia, nas quais o partido ultraconservador lei e Justiça (PiS) — aliado de Vox [Espanha] na Eurocâmara — tem em jogo o poder após oito anos com ele.
A Polónia é o país da UE que assumiu a liderança financeira, migratória, política e militar para ajudar a Ucrânia a combater a Rússia, seu inimigo comum. O país do Leste destinou 0,5% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para sustentar o seu aliado, abriu as portas a mais de dois milhões de refugiados ucranianos, foi dos primeiros a enviar caças (soviéticos) para a frente de combate e é o país do mundo que mais orçamento destinou à doação de material bélico em termos reais. Segundo o Instituto Kiel, mobilizou um total de 3.000 milhões de euros em ajuda militar.
Mas na quarta-feira à noite, o primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, surpreendeu ao anunciar o congelamento de armas: “a Ucrânia está a defender-se do brutal ataque russo e compreendemos isso, mas protegeremos o nosso país. Já não transferimos armas porque estamos a armar a Polónia”, afirmou, em palavras que muitos analistas interpretaram como a defesa do Polonia First para as eleições de 15 de outubro. Esta data será a grande prova para ver até que ponto o anúncio era produto da tensão diplomática que dois vizinhos atravessam nas últimas semanas produto da crise dos cereais ou um mero slogan eleitoral.
De qualquer forma, o cruzamento de acusações e advertências não cessa há algum tempo. A Polónia até ameaçou cortar as ajudas sociais e económicas dos refugiados ucranianos. O presidente Andrzej Duda chegou a comparar o país a um homem desesperado que está se a afogar. “Alguns dos nossos amigos na Europa vão de solidários”, mas na realidade estão “a pavimentar o caminho para a Rússia”, respondeu o seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, na Assembleia Geral da ONU que se celebra esta semana em Nova York.

Após estes choques, contínuas chamadas para consultas de embaixadores por parte de ambos e encontros cancelados, na sua passagem pela cidade americana, o presidente lituano, Gitanas Nauseda, empurrou os dois líderes a sentarem-se à mesma mesa para dialogar para resolverem as suas diferenças “o mais rápido possível”. Nauseda ofereceu até aumentar o trânsito de cereais pelo corredor da Lituânia.
Crise dos cereais
Em 15 de setembro, expirou a medida extraordinária pela qual a UE proibiu a exportação de cereais ucranianos para os países mais próximos: Polónia, Hungria, Eslováquia, Bulgária e Roménia. O valor da importação de cereais ucranianos para estes cinco países duplicou após o início da guerra, passando de 7.000 milhões de euros para 13.000 milhões. Os três primeiros ignoraram a caducidade da medida europeia e continuaram com o seu veto. Kiev, por sua vez, respondeu denunciando-os à OMC.
A relação entre a Ucrânia e a Polónia começou a ficar tensa há meses devido à conjuntura dos cereais. Varsóvia denunciou que a chegada massiva de cereais ucranianos estava a inundar os seus mercados e a colocar os seus agricultores em perigo. No marco deste primeiro desencontro, as autoridades polacas sugeriram às de Zelenski que “começassem a apreciar e a valorizar” os seus aliados.
O voto rural será fundamental para decantar a balança das urnas que estão ajustadíssimas. Dentro de três semanas, o PiS poderá perder a sua hegemonia após oito anos no poder. Tempo durante o qual minou a separação de poderes e o Estado de Direito com uma muito polémica reforma judicial que provocou um choque com Bruxelas.
A terceira reeleição passa pelo campo e o PiS sabe disso. A Polónia é o segundo país da UE com mais agricultores, atrás apenas da Roménia. 40% da população polaca vive em áreas rurais. E é nesta conjuntura em que o apoio do PiS à Ucrânia parou onde começa a voz das urnas. A isso soma-se a ameaça do ainda mais populista Partido Conferência, que centra o discurso em mais Polónia e menos Ucrânia.
Com as últimas medidas desta campanha eleitoral, o executivo que move na sombra Jaroslá K Kacynski vai fazer todo o possível para não irritar os seus agricultores e criadores de gado, mesmo que isso se traduza em irritar a sua amiga e vizinha ucraniana. “Ele destrói os agricultores polacos, queima pontes com a Ucrânia, destrói a Europa e tira a Polónia da UE. Putin? Não, Kaczynski”, ironizou Doland Tusk, ex-presidente do Conselho Europeu e líder da oposição polaca.
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A autora: María G. Zornoza é correspondente de Público e de Deutsche Welle em Bruxelas. Licenciada em Jornalismo pela universidade Complutense de Madrid.