ADÃO CRUZ – AO AMIGO CARLOS LOURES

Farias anos hoje, se ainda cá estivesses. Não estás. Mas está connosco tudo o que foste. E o que foste foi tão grande e profundo que faz com que não te esqueçamos.

Não são fáceis estes singelos momentos de homenagem, pois exigem àquilo que dizemos uma grande responsabilidade. Por isso, eu gostaria de dar a estas palavras que aqui deixo um sentido autêntico e verdadeiro, que não me saia apenas da mão, mas nasça do fundo de mim mesmo.

Foste um daqueles homens que merecem ser homenageados em vida, mas penso que para homens com o teu valor, pouco importa. E ainda bem. Porque uma boa parte das homenagens visa apenas dar o aval, dentro da esfera política, social e religiosa, a personalidades, a existências e comportamentos nem sempre os mais louváveis, em termos de ética, política e filosofia socias. Meu amigo Carlos, tu não caberias nesse tipo de homenagens, nem as aceitarias, estou convencido.

Conheci-te no blogue “Aventar” há já muitos anos, e posteriormente no “Estrolabio”, Nunca esquecerei tudo o que escreveste a meu respeito e que ainda hoje guardo com muito orgulho no computador e no coração. Conheci-te pessoalmente, a ti e á Helena, na vossa casa da Ericeira e não esqueço o saboroso almoço que desfrutamos junto ao mar. Fui levar-te um quadro meu de que muito gostavas e do qual fizeste, para honra minha, a capa de um dos teus admiráveis livros.

Os nossos contactos foram suficientes para nos conhecermos relativamente bem e para justificarem a minha presença aqui. Aqui, onde estas palavras já não te encontram, pois passaste a fazer parte do equilíbrio molecular do Universo. Falo desta forma um tanto crua, pois sei que me entenderias, dada a nossa muito semelhante forma de pensar. Com efeito, tu eras, como eu, um materialista no sentido filosófico do termo, não existindo, para nós, qualquer dualismo corpo-espírito.

Por isso, o que aqui te digo, sabendo que não me ouves, constitui apenas uma singela homenagem a uma memória, à memória de um amigo cujo exemplo sempre procuramos seguir, de uma forma ou outra, no fazer e refazer da nossa constante reestruturação. E esse exemplo, à luz dos meus olhos, é um exemplo de simplicidade, talvez a mais bela das virtudes do ser humano. Um exemplo de verticalidade, honestidade, integridade, lealdade e dignidade em todas as vertentes da vida, um exemplo de visão inteligente do mundo e das coisas, exemplo de paz e sensatez, de uma grande sabedoria, e sobretudo uma mente rica e sentimental. Não me refiro propriamente aos sentimentos mais correntes das relações humanas, mas àquilo que eu chamo sentimentos essência ou sentimentos nucleares, como o sentimento poético, o sentimento artístico, o sentimento da necessidade cultural, científica e filosófica, e o sólido sentimento da impermeabilidade ao não racional. Mas, em cima de tudo, como cereja no bolo, uma encantadora modéstia e humildade, os elementos mais importantes para o homem entender e compreender cada vez melhor a sua integração cósmica e a sua dimensão universal.

 

 

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