Seleção e tradução de Francisco Tavares
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Será que Israel escolheu matar indiscriminadamente o Hamas e os reféns?
Publicado por em 23 de Outubro de 2023 (original aqui)
O caso baseia-se em que Israel poderá ter invocado a sua infame ‘directiva Hannibal’ [1], que exige que o exército mate israelitas em vez de os deixar serem tomados como reféns
Tanto espaço continua a ser dedicado ao ataque do Hamas há mais de duas semanas. Mas este artigo de Mondoweiss é uma rara tentativa de tentar juntar os acontecimentos de 7 de outubro sem depender simplesmente da narrativa oficial e cada vez mais tensa de Israel.
O autor explica a resposta do exército israelita à incursão do Hamas em Israel e à captura de comunidades israelitas perto de Gaza em termos da infame “directiva Hannibal” de Israel. Essa directiva militar obriga o exército israelita a matar israelitas em vez de os deixar ficar como reféns. Aplica-se geralmente ao pessoal militar, mas tem sido utilizado também contra civis israelitas.
O autor cita muitas provas que indicam que a directiva Hannibal seria provavelmente aplicada como política em relação aos civis israelitas capturados pelo Hamas e mantidos reféns nas suas próprias casas dentro de Israel.
Por outras palavras, o exército parece ter preferido matar tanto os civis israelitas como os militantes do Hamas, em vez de tentar negociar a libertação.
Isso explicaria as imagens de comunidades israelitas perto de Gaza que estão em ruínas, com secções das paredes das casas destruídas e os restos de edifícios carbonizados pelo fogo. O artigo cita evidências de que isso não parece necessariamente ter acontecido no calor da batalha após a chegada do exército, mas após um prolongado impasse com o Hamas.
Será que um número significativo dos 1.400 israelitas que morreram durante o ataque do Hamas foram mortos como resultado de esforços intencionais para impedir que fossem levados pelo Hamas para Gaza?
No vídeo aqui abaixo está uma sobrevivente israelita do ataque do Hamas a falar sobre como o exército israelita pulverizou o seu edifício com fogo vivo, matando indiscriminadamente militantes do Hamas e civis israelitas – em conformidade com a directiva Hannibal.
Ver aqui
A Intifada electrónica revelou pela primeira vez esta entrevista, notando que parece ter sido retirada depois pela Rádio israelita.
A libertação pelo Hamas de uma mãe e filha norte-americanas na semana passada, que tendeu a confundir os meios de comunicação ocidentais, pode ser entendida mais facilmente no contexto da directiva Hannibal de Israel.
O Hamas conhece muito bem a directiva. Assume que Israel escolherá matar todos os reféns que o Hamas tem agora em Gaza que não podem ser recuperados através de uma invasão terrestre, em vez de se envolver em negociações para o seu regresso.
O Hamas também entende que Israel defenderá que não havia hipótese de trazer os reféns para casa. É por isso que Israel está a trabalhar tão arduamente para argumentar que o Hamas é o mesmo que a al-Qaeda e o Estado Islâmico.
Foi a razão pela qual Israel promoveu a alegação sem provas de que o Hamas decapitou bebés – paradoxalmente, das poucas provas que Israel produziu, principalmente do que parecia ser um pequeno corpo carbonizado, pode ter sido uma morte por um incêndio que a sua própria actividade militar causou.
Esta semana, o Presidente Isaac Herzog lançou uma nova operação de desinformação, alegando que um combatente morto do Hamas foi encontrado com um manual da al-Qaeda sobre como fabricar armas químicas. Mesmo supondo que o manual não tenha sido aí plantado, ele não contém tal informação.
Este tipo de manipulação da opinião pública Ocidental destina-se a abrandar-nos para uma intensificação das atrocidades israelitas, da limpeza étnica e do genocídio. A lógica da mensagem de Israel é que, se enfrenta um culto à morte como o Estado Islâmico, tem de fazer o que for possível para o arrancar de Gaza.
O argumento é que o Hamas é imune à razão, não há nada para negociar e, portanto, cometer limpeza étnica e genocídio em Gaza é plenamente justificado.
Pelo contrário, o Hamas está a tentar mostrar que está pronto para fazer um acordo e libertar os reféns. No entanto, isso exigiria que Israel desse resposta às suas muitas queixas, incluindo a negociação de um cessar-fogo para pôr fim à actual campanha de bombardeamentos contra Gaza, libertar prisioneiros palestinianos e pôr termo ao cerco de 16 anos ao enclave. Israel não está disposto a fazer concessões em nenhum destes pontos.
O problema mais amplo para o Hamas é que os meios de comunicação ocidentais estão em sintonia com a ideia israelita de que o Hamas é um culto da morte como o Estado Islâmico e não é possível ter conversações com ele, em vez da realidade de que é um movimento de resistência política e militar que luta pela libertação da Palestina. Como resultado, muitos dos reféns israelitas provavelmente morrerão desnecessariamente – ao lado, é claro, de um número muito maior de palestinianos.
Nota
[1] Sobre a Diretiva Hannibal ver aqui.
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O autor: Jonathan Cook [1965-] é um escritor britânico e jornalista freelance que esteve baseado em Nazaré, Israel, durante 20 anos. Regressou ao Reino Unido em 2021. Escreve sobre o conflito israelopalestiniano. Escreve uma coluna regular para The National of Abu Dhabi and Middle East Eye e colabora com numerosos meios de comunicação (ver aqui). É licenciado em Filosofia e Política pela Universidade de Southampton e mestre em Estudos sobre o Médio Oriente pela Universidade de Londres.
É autor de três livros sobre o conflito Israel-Palestina: Blood and Religion: The Unmasking of the Jewish State (2006); Israel and the Clash of Civilisations: Iraq, Iran and the Plan to Remake the Middle East (2008); Disappearing Palestine: Israel’s Experiments in Human Despair (2008).