Espuma dos dias – Comércio livre e Globalização — “Comentário a um comentário de Paulo Santos”, por Júlio Marques Mota

 

Nota de editor:

Em 5 de Outubro de 2012, A Viagem dos Argonautas publicou um texto intitulado “Comércio livre e Globalização. Caderno de textos de apoio organizado por Margarida Antunes”, com Prefácio de Júlio Marques Mota. No passado dia 7 de Fevereiro, ou seja, passados 11 (onze) anos e 4 meses, o leitor Paulo Santos produziu um comentário sobre o referido Prefácio. A seguir publicamos o comentário de Júlio Mota sobre esse comentário, e bem assim o próprio comentário de Paulo Santos.

E por aqui ficamos.

FT


3 min de leitura

Comentário a um comentário de Paulo Santos

 Por Júlio Marques Mota

Coimbra, 10 de Fevereiro de 2024

 

Não sei quem é Paulo Santos, não sei que nota lhe dei em Economia Internacional e não creio que tenha feito comigo Finanças Internacionais. Não sei nem estou interessado em saber, dada a qualidade da peça que escreveu.

Falo de Finanças Internacionais porque a passagem nas duas disciplinas pressupõe como adquirida uma capacidade e qualidade de análise em quem passa nas duas disciplinas que o texto não tem. Aliás, diria mesmo que qualidade é coisa que não se vislumbra em nenhuma das suas observações. Se a sentisse garantidamente discutiria o texto parágrafo a parágrafo, mas como a não sinto, recuso-me a responder a um monte de observações avulsas, quando não se trata mesmo de observações provocatórias.

Repare-se a peça de Paulo Santos é um comentário a um prefácio de uma coletânea de textos [1] e, logicamente, ao conteúdo da própria coletânea, mesmo que o não diga explicitamente. São, pois, duas peças escritas e quanto a elas teríamos as seguintes hipóteses de tratamento analítico:

1. O prefácio é mau, mas a coletânea é boa. Só o prefácio é alvo da forte critica de Paulo Santos

Neste caso, a sua análise devia estar assente nas afirmações precisas do meu texto sobre as quais discorda e explicar as discordâncias. Não há na peça de Paulo Santos nada disto. Mais ainda, deveria ainda explicar então como é que eu estaria a querer confundir o leitor da coletânea de textos em análise. Também nada disto existe na peça de Paulo Santos.

2. O prefácio é mau e a coletânea é também ela má.

Esta hipótese é sujeita à mesma critica que a hipótese anterior. Neste caso, deviam estar selecionados os pontos de discordância e explicadas as discordâncias assinaladas. Não esqueçamos que neste campo nenhuma afirmação pode ser considerada válida se não é passível de demonstração. Nada disto existe na peça de Paulo Santos, portanto não tenho que responder a nada.

Mas na peça de Paulo Santos, um só parágrafo me parece relevante pelo que politicamente significa, nestes tempos malditos de Chega cujos tambores já se ouvem ao longe:

Esta visão doutrinária reveste-se de um manto de fé. A Academia por vezes adota a fé dos seus docentes, o que é manifestamente censurável. A excelência teórica não é questionável neste caso, mas a atitude doutrinária sim. Demorei mais de 30 anos para fazer esta afirmação, mas esta era devida. A culpa não é de Júlio Mota, mas sim da Academia que permite abordagens doutrinárias parciais.” Fim de citação

Pelo que neste parágrafo está dito a leitura é simples e já o escrevi muito antes do texto de Paulo Santos ter sido escrito: hoje, eu não teria lugar na Universidade. Ou não entrava ou seria expulso. De resto, à Universidade virei definitivamente as costas, e isto porque existe uma agenda nas Faculdades de hoje, a Universidade que Paulo Santos defende, e esta agenda é a imposição do pensamento único [2]. Analisando bem este parágrafo é também exatamente esta agenda que está subjacente no manto de fé neoliberal que cobre todo o seu texto.

 

Quando saí da Faculdade, em 2012, onde o Paulo Santos se licenciou, escrevi que não me arrependia das situações de chumbos que dei, mas sim daquelas situações em que por engano alguns alunos passei, porque a estes alunos terei prestado um mau serviço. Mantenho essa posição, ainda hoje. Quanto ao Paulo Santos como aluno direi que, ou aprendeu mal o que lhe ensinei, e entra no grupo de alunos de que me arrependo de os ter passado, ou esqueceu rapidamente o que aprendeu, porque nenhum aluno meu pode dizer que não o ensinei a ler criticamente um texto, fosse de quem fosse, à direita ou à esquerda. E essa aprendizagem não está na peça de Paulo Santos, por isso dispenso-me de qualquer desenvolvimento sobre o que escreveu.

 


Notas

[1] COMÉRCIO LIVRE E GLOBALIZAÇÃO. Caderno de textos de apoio organizado por Margarida Antunes, disponível aqui. Curiosamente com os tratores a circularem por toda esta Europa sugiro a leitura da referida coletânea de textos e do prefácio em questão.

[2] Parafraseando e generalizando o que disse recentemente um professor da Universidade Nova, as Universidades estão a transformar-se em fábricas de encher chouriços, de qualidade Gourmet ou de segunda qualidade. Isso depende de Universidade a Universidade.

 

***

Comentário de Paulo Santos – 07/02/2024

Li o prefácio com atenção, o que para mim constituiu uma viagem no tempo. Licenciei-me em Economia em 1999, tive Julio Mota como professor. Nada mudou desde 1999. A opinião mantém-se ferreamente a mesma, independentemente da criatividade que a realidade impõe. As palavras são as mesmas. As referências são as mesmas. Os exemplos são os mesmos. As conclusões são as mesmas.

Esta visão doutrinária reveste-se de um manto de fé. A Academia por vezes adota a fé dos seus docentes, o que é manifestamente censurável.

A excelência teórica não é questionável neste caso, mas a atitude doutrinária sim. Demorei mais de 30 anos para fazer esta afirmação, mas esta era devida. A culpa não é de Júlio Mota, mas sim da Academia que permite abordagens doutrinárias parciais.

A realidade trata de desmascarar os erros destas doutrinas. Imagine-se o mundo com a configuração defendida no prefácio, invariavelmente um mundo mais pobre. A globalização não é perfeita, mas o cenário defendido pelos seus críticos (de fé) é infinitamente pior. É preferível uma globalização imperfeita do que um comércio internacional eminentemente fechado, gerido por entidades geniais que conseguem tudo equilibrar. Multilateralismo com constantes ações de chantagem que resultam sempre no consumidor a pagar mais; países mais pobres condenados a permanecer pobres. Por acaso alguém acha que a China empobreceu por abrir as fronteiras? E… o bem estar do ser humano é um conceito universal, seja ele chinês ou alemão.

Multilateralismo é complementar ao Nacionalismo. Nacionalismo resulta em pobreza e muitas vezes, guerra.

 

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