CARTA DE BRAGA – “do século XVI ao futuro” por António Oliveira

O século XVI marcou, talvez, a maior e mais importante época de transformação no mundo ocidental, em todos os campos do pensamento, do intelectual ao social, cruzando ciência, política, religião, arte e cultura; espero ter conseguido neste ínfimo inventário, abarcar a mutação profunda numa sociedade marcada pelo peso da tradição, em que a filosofia e as novas ciências abriram caminho para o pensamento moderno, com a carga toda que este termo inclui.

As Descobertas onde Portugal e Espanha tiveram um papel fundamental, de Lutero e da Reforma Protestante a Soleimão ‘O Magnífico’ no Médio Oriente, de Galileu e Copérnico a Magalhães, de Leonardo da Vinci a Erasmo de Roterdão, de Pedro Nunes a Thomas More, (para só citar alguns) está um universo de estrelas cintilantes cujo brilho se cruza e ainda aumenta, colocando e fazendo daquele século dezasseis uma charneira, na dimensão avara do tempo na história de humanidade.

Para Isaac Marcet, o escritor e fundador do PlayGround, a primeira plataforma digital na península e que chegou a ter mais trinta milhões de seguidores, ‘A sociedade está desenhada segundo um tempo fictício, o futuro, pois com o século XVI criou-se um novo tempo, o futuro, que trouxe com ele a criação do capitalismo – um sistema em que se investia dinheiro para ganhar dinheiro endividando-se ao futuro’.

Foi nessa altura que apareceu o relógio mecânico, a dar origem à crença de um tempo sempre a andar em frente, aliás o mito do futuro e progresso e, continua Marcet, ‘Graças ao que eu chamo o capitalfuturo (a união futuro e capitalismo), e com toda a sociedade desenhada de acordo com esse tempo fictício, planos de negócio a cinco anos, bolsas de futuro, PSI 20, planos de governos e empresas de crescimento sustentável… Decidimos continuar a ser enganados pelo futuro, por não podermos deixar de crer no capitalismo’.

Mas deve ter-se em conta que, ‘O tempo é algo pessoal que não existe fora de nós mesmos, pois na física fundamental não existe um tempo universal a regular o ritmo do universo. O tempo foi inventado pelo homem para poder estruturar a vida socialmente’, garante Stefan Klein, biofísico, escritor e cronista, que tem investido na pesquisa das dimensões do tempo.

E, se calhar por isso mesmo, Klein tem o cuidado de referir a existência de três ‘tempos’, o do relógio, o biológico e o tempo interno o biológico, orienta-se pela acção genética e regula todos os seres vivos, a luta pelos salários a que temos direito, pelo jornalismo que queremos continuar a fazer, a luta pela democracia, por acreditar que não há democracia sem jornalismo e jornalismo sem jornalistas; o interno regula-nos pelo cansaço, acorda-nos, regula a pressão arterial, as hormonas e os sucos gástricos, um mecanismo inato, não somos todos iguais e até há quem ande mais depressa que os outros.

É um tema em que podemos ainda olhar lá mais atrás, ao século VI a.C., ou seja, 22 séculos antes de nós todos, e ler em Heráclito, como a única coisa certa e constante neste mundo, é a mudança, podendo também levar-nos a pensar de acordo com estes tempos em que tudo está a fluir, nas palavras do filósofo ‘Não podemos tomar banho duas vezes no mesmo rio, porque as águas renovam-se a cada instante’.

Mas não devemos esquecer também, quem habita este mundo, o bicho homem, a palavra mais simpática que aqui posso usar, comandado por 1% por cento apenas da sua totalidade, com os resultados que qualquer um poderá avaliar, até pelo que pode ler, ver e ouvir, se parar de olhar e escutar obcessivamente o pequeno ecrã e, se calhar, até dar razão a Albert Einstein, a quem (li só há uns dias) se atribui esta consideração, ‘No Ocidente, construímos um grande barco. Tem todas as comodidades, mas falta-lhe uma coisa: não tem bússola e não sabe para onde vai!  

Onde estará a utilidade desse tal capitalfuturo? Será que enjoa? Ou não aceita qualquer companhia, daquela que quer apenas um futuro decente e digno?

António M. Oliveira

Não respeito as normas que o Acordo Ortográfico me quer impor

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