DIA 14 DE MAIO DE 2024, DIA DE VERGONHA PERANTE OS DIREITOS DA CRIANÇA por Luísa Lobão Moniz

Segundo o Dicionário Português Houaiss linchamento significa “executar sumariamente, sem julgamento regular e por decisão coletiva (criminoso ou alguém suspeito de sê-lo)”. Linchar, linchamento – palavras derivadas de «lei de Lync» (Lync law), do nome de William Lync, fazendeiro americano que «no final do séc. XVIII instituiu um tribunal privado a que incumbia julgar sumariamente os criminosos apanhados em flagrante» (Dicionário Houaiss).’

A senhora Diretora executiva do Centro Padre Alves Correia denunciou à Rádio Renascença que um menino nepalês, com nove anos, tinha sido alvo de um linchamento por parte de seis meninos numa escola na Amadora.

A ser verdade será uma vergonha para todos nós.

Em 1959 a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração dos Direitos da Criança, que reconhece, entre outros direitos, os direitos das crianças à educação, à brincadeira, a um ambiente acolhedor.  

A sociedade é responsável pela defesa e promoção da garantia do bem-estar da criança para que esta possa crescer em ambientes saudáveis e seguros.

A criança não pode ser, tal como os adultos, discriminada, excluída, ou humilhada, pela sua origem cultural, religião, género…

Ora, a senhora diretora do Centro Padre Alves Correia, ao informar a RR que tinha havido um linchamento de uma criança nepalesa, de nove anos, numa escola na Amadora, vai contra todos os Direitos da Criança anteriormente citados.

Se houve alguma indignação por este ato condenado à luz dos D. da Criança, essa indignação foi, ou é invisível.

Não me esqueci ainda do tempo em que a comunicação social noticiava “um homem cabo-verdiano esfaqueou o António que morava no seu bairro”, não me esqueci, nem esquecerei, que a própria Escola, ainda nos anos 80, veiculava que os meninos e as meninas brancos tinham nome e os outros eram o cigano, o preto, o indiano, não tinham nome, um Direito fundamental dos Direitos da Criança.

Enquanto as notícias eram assim divulgadas, enquanto as crianças não tinham nome foi-se criando uma representação negativa dos cabo-verdianos, dos ciganos (estes sempre a tiveram) … dos diferentes culturalmente da maioria da população.

Nada desta notícia comunicada à R. Renascença é verdadeira, segundo o que o Agrupamento de Escolas da Amadora e o Ministério da Educação disseram ao Jornal Público do dia 24 de Maio.

O Agrupamento de Escolas da Amadora, num gesto de cidadania, foi averiguar o que se tinha passado na realidade. Não havia nenhum menino nepalês de nove anos nas escolas da Amadora, houve uma averiguação para se saber de uma agressão entre dois alunos que teria ocorrido em Novembro e não “há dois meses”

14 de Maio de 2024, dia de vergonha que requer ser reparado.

 O Padre Joaquim Alves Correia, de quem o Centro adotou o nome, foi um conhecido missionário da Congregação do Espírito Santo, que dedicou a sua vida à defesa e promoção dos direitos humanos e da justiça social.

Ao longo da sua existência, o CEPAC tem alargado a sua ação a um número cada vez maior de pessoas migrantes, estabelecendo diversas redes e parcerias e aumentando o seu número de profissionais e de voluntários.

Espero que o Centro seja capaz de resolver internamente, ou por outras vias, a conduta da senhora diretora.

Há uma criança discriminada, por agressão, e seis assinaladas como xenófobas, um Agrupamento de Escolas tido como negligente.

Há o acompanhar uma onda anti-imigrante que nada tem a ver com a Liberdade e os Valores de Abril.

Não é preciso saber o nome destas crianças, basta saber que são crianças.          

Não há que proibir a liberdade de expressão, mas há que repor a verdade com palavras vestidas de dignidade e de verdade.

Lembrem-se das crianças portuguesas discriminadas no Luxemburgo.

Lembrem-se das crianças soldados.

Lembrem-se das crianças que deambulam, pelas ruas, discriminadas porque são de outras origens.

Aproxima-se o Dia da Criança, o dia em que as famílias, com recursos económicos, enchem as mãos das crianças com presentes, em que as crianças dizem: ganhei este brinquedo.

Ganhei? O que quer dizer este ganhei?

O que quer dizer o falso linchamento?

O que quer dizer esta denúncia à R. Renascença?

Serão mais palavras para incitar à discriminação?

Que estranho não ter sido esclarecido este linchamento, a um menino nepalês, ocorrido numa escola!

Todos devemos saber que é obrigatório informar a polícia, que não é aconselhável denunciar num meio da comunicação social.

Poderia ter sido relatado junto de tantas organizações que lutam, todos os dias, pelo bem-estar da Criança.

A Declaração dos Direitos da Criança foi aprovada em 1959 pela Assembleia Geral das Nações Unidas e sessenta e cinco anos depois as crianças continuam a sofrer de injustiças várias.

14 de Maio de 2024, dia de vergonha que requer ser reparado.

14 de Maio de 2024, dia de vergonha para todos nós.

No dia Mundial da Criança deveria ser feito um minuto de silêncio por todas as crianças vulneráveis perante os riscos que as ameaçam.

Há palavras de amor e palavras que magoam.

As palavras ditas sobre estas crianças foram palavras cujas feridas levarão muito tempo a sarar.

 

De novo: as palavras… 
Ponho palavras em cima da mesa; e deixo
que se sirvam delas, que as partam em fatias, sílaba a
sílaba, para as levarem à boca – onde as palavras se
voltam a colar, para caírem sobre a mesa. 

Assim, conversamos uns com os outros. Trocamos
palavras; e roubamos outras palavras, quando não
as temos; e damos palavras, quando sabemos que estão
a mais. Em todas as conversas sobram as palavras. 

Mas há as palavras que ficam sobre a mesa, quando
nos vamos embora. Ficam frias, com a noite; se uma janela
se abre, o vento sopra-as para o chão. No dia seguinte,
a mulher a dias há-de varrê-las para o lixo. 

Por isso, quando me vou embora, verifico se ficaram
palavras sobre a mesa; e meto-as no bolso, sem ninguém
dar por isso. Depois, guardo-as na gaveta do poema. Algum
dia, estas palavras hão-de servir para alguma coisa.

Nuno Júdice

 

 

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