Selecção e tradução de Júlio Marques Mota
10. Cinco propostas para sair da crise ucraniana
PARTE III
Hubert Védrine, em Rue89
Pierre Haski
8 de Março de 2014
(CONCLUSÃO)
…
Rue 89 . E a Europa?
Não há nenhuma posição europeia comum e espontânea, isto não é uma descoberta. A Europa não é um país unificado, nem nunca o será.
Inútil também estar a bater na infeliz Lady Ashton [a responsável pela política externa da União Europeia, nota do Editor], porque mesmo que se colocasse uma pessoa genial no seu lugar, a situação não seria tão diferente.
Neste contexto, eu pensei que a presença de três ministros (França, Alemanha, Polónia, nota do Editor) fosse a melhor possível, era inteligente. E isto cobria quase todas as sensibilidades: a França está numa linha muito dura, os polacos ainda mais e a Alemanha equilibra um pouco. Qualquer coisa que seja feito por estes três ministros é dificilmente questionável por outras pessoas.
Primeiro-ministro ucraniano Arseniy Yatsenyuk e o Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, na Cimeira de Bruxelas, 5 de Março 2014 (ISOPIX/SIPA)
É também o que deveria ser continuado, relançado, quer a nível dos três ministros, seja ao nível acima, para ver o que se diz ao povo de Kiev, da Crimeia, em Moscovo, a Obama, etc. É a maneira correcta de proceder.
Rue 89. Que tipo de relações é que a Europa deve procurar estabelecer com a Rússia?
Com o Ocidente, tem-se sempre o mesmo dilema: será que se trata com o mundo exterior tal como ele é – o que é base das relações internacionais- ou será que se muda o mundo exterior, ou seja, o outro elemento do nosso software (St. Paul, vá evangelizar todas as Nações)?
Ainda se oscila entre as duas posições, especialmente quando se trata da Rússia. É claro que uma parte do Ocidente – polacos à frente, mas há outros – não renunciou à ideia que nos vamos limitar a lidar com a Rússia, tal como ela é. Há a ideia que temos de a mudar.
Eu não penso que a Europa de hoje, no estado em que ela está, seja capaz de estimular os seus desejos por toda a parte, caso contrário já desde há tempo que poderia ter transformado a China numa grande Dinamarca !
Não temos os meios para as nossas indignações, não temos os meios das nossas emoções, nunca tivemos tão poucos meios como agora.
.Isso não significa que tenhamos de capitular, mas é preciso trabalhar de uma outra forma. Ser mais paciente, mais tenaz, menos mata-mouros. É necessário saber jogar sobre o tempo, sobre o desenvolvimento.
Deve haver, naturalmente, uma relação, uma parceria OTAN-Rússia, uma parceria União Europeia-Rússia, em que a Ucrânia seria uma ponte e não um ponto de discórdia. Nós criticamos-los porque nós somos o que somos, mas devia-se fazer à “alemã”.
Quanto ao resto, faz-se comércio, e faz-se a aposta que a evolução político acompanhará, a longo prazo, a evolução económica.
É satisfatório? Não. Mas temos outra solução? Eu não acho que haja.
Isto impõe que se compreenda que quando os russos se colocam atrás de Putin com uma forte popularidade nos seus primeiros anos, é porque eles viram nele alguém que pudesse tirá-los do caos dos anos Yeltsin, dos oligarcas e dos cleptocratas desde o início.
Há uma parte do Ocidente, que não quer admiti-lo e acho que é um objecto de combate, de conversão. Há obviamente interesse em que eles sejam mais modernos, economicamente como politicamente, mas é preciso saber como se chegar aí. É uma parceria a reinventar
Source : Rue89
http://rue89.nouvelobs.com/2014/03/08/hubert-vedrine-cinq-propositions-sortir-crise-ukrainienne-250511
O blog Les crises.fr acrescentam o seguinte texto.
Completamos esta entrevista com um excerto de uma análise interessante de Romain Poirot-Lellig, Maitre de conférence à Sciences Po Paris, antigo conselheiro político da EU em Kabul:
O resultado de erros ocidentais
Mas nada disso impede de verificar que esta crise é parcialmente o resultado da negligência da política ocidental para com a Rússia desde o fim da guerra fria, e em primeiro lugar está a nossa incapacidade para integrar a complexidade do dilema político e da segurança russa, que é apoiada por factores históricos, estratégicos e demográficos profundos :
Em primeiro lugar, propor à Ucrânia que integre a NATO tem sido um grande erro estratégico que ignorou totalmente a psicologia russa.
A Ucrânia, para além do seu valor estratégico para a frota russa faz, na verdade, parte do universo russo, o que não exclui que ela seja dotada de vontade própria. Incorporar, mesmo que parcialmente, a Ucrânia na NATO, aliança defensiva criada contra a Rússia, não poderia ser senão considerada uma agressão por uma Rússia já em crise de identidade desde a queda da União Soviética. Os esforços dos EUA para o escudo antimísseis sob Bush também não ajudou mesmo nada.
Quando o ‘reset’ do Presidente Obama, este era largamente insuficiente para contrabalançar os outros efeitos da política externa americana, no Cáucaso e no Médio Oriente, sobre as percepções russas. Sim, é possível sentir agredido em termos existenciais, sendo o país com a maior área do mundo e o maior colonizador da história: tal é a complexidade, certamente absurda mas real, do paradoxo e da insegurança russa de hoje. Se ele não é questão de a aprovar é, no entanto, necessário integrar esta dimensão.
Em segundo lugar, porque então ir ” molhar a camisa ” pela causa ucraniana se não estávamos prontos, nem os Estados Unidos e nem a Europa, a ir até ao fim do nosso raciocínio, colocando um ferro nas rodas das ambições russas?
Aprender a escolher os nossos aliados
As posições políticas que não são sustentadas pelos argumentos e por uma vontade de aço temperado terão geralmente uma credibilidade muito baixa no cenário internacional, e é assim desde há muito tempo. No entanto, nenhum americano ou Europeu está disposto a morrer pela Crimeia, é necessário enfrentar essa realidade de frente. Os franceses belicistas ou outros deveriam olhar para a vala comum do Sul da Líbia e pensar muito bem, antes de se inflamarem.
Em terceiro lugar, não há nenhuma dúvida de que estamos agora, pelo menos em parte a pagar o preço da independência apressada para o Kosovo. Não havia nenhuma urgência para que esta região da antiga Jugoslávia declarasse a sua independência enquanto estávamos perfeitamente cientes das sensibilidades russas sobre o assunto.
Ao Kosovo poderia ser acordada, sob pressão ocidental, uma ampla autonomia face à Sérvia, enquanto se aguardasse que a situação amadurecesse e evoluísse de uma forma positiva. O resultado é que agora temos um país independente ‘confetti’ independente que constitui uma placa giratória para numerosos tráficos, com instituições inadequadas e corrompidas, no centro da Europa.
Em quarto lugar, quando é que vamos aprender a escolher não só as nossas causas mas também os nossos aliados? Vemo-lo com a Síria e deveríamos estar a vê-lo com a Ucrânia: há uma diferença fundamental entre um levantamento popular e os seus representantes. As aspirações de um povo podem ser legítimas, ao mesmo tempo que os representantes destas aspirações podem não trazer mais do que uma melhoria real marginal ao regime em funcionamento; ou ainda, eles podem representar uma regressão e servir os nossos interesses estratégicos.
As nossas escolhas de aliados descrebilizam assim aos olhos dos outros, a sinceridade das nossas lutas. “Os ocidentais procuraram sempre a utilização de “dois pesos, duas medidas”: Yanukovich era um nulo e corrupto” deve pensar Putin, ‘mas eles substituem-no por um “crony” de Yulia Tymoshenko, que era também ela uma nula e corrupta…’. ». É difícil então dizer –lhe que ele está errado e permanecer credível
Finalmente, para além da história que ela partilhou com a Rússia, a Ucrânia não pode viver economicamente sem gás russo. Tal como a Rússia tem necessidade da Ucrânia. É irrealista esperar quebrar este ecossistema antes de muitos anos passados e por uma política de isolamento estratégico ontem e por sanções, hoje.
Além disso, as nossas economias exangues afinal não dispõem dos meios para assumir as consequências finais da nossa política ucraniana.
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Para ler a Parte II desta entrevista de Rue89 a Hubert Védrine, publicada ontem em A Viagem dos Argonautas, vá a :