Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Bill Mitchell, Timor-Leste – beyond the IMF/World Bank yoke
Billy Blog, 20 de Novembro de 2012
Nota de Leitura ao texto de Bill Mitchell Timor-Leste- para lá do jugo do FMI e do Banco Mundial
Um texto sobre Timor Leste publicado numa série sobre a Europa, que estranho dir-me-ão. À primeira vista assim é, estranho, muito estranho, como se a realidade que se desenrola a milhares de quilómetros de Lisboa ou de Bruxelas não tivesse nada a ver com o que na Europa se está a passar. Mas tem e muito. Não é pois por acaso que o título do artigo de Bill Mitchell é sobre é o jugo do FMI e do Banco Mundial sobre a jovem nação de língua portuguesa. O que o texto nos mostra é a lógica neoliberal levada ao seu extremo a atrofiar aquele pequeno país, país de camponeses pobres mas rico em petróleo. E a mesma lógica que a Troika exerce sobre esta Europa martirizada, cada vez mais pobre mas rica em recursos humanos, onde já nem Bruxelas escapa à violência da crise e das manifestações gigantes como não se viram há mais de dez anos, é a que predomina nas politicas definidas pelo FMI e pelo Banco Mundial em Timor-Leste. Este é o traço de união. Trata-se exactamente das políticas neoliberais e onde o problema de ter que haver “espaço orçamental”, o mesmo é dizer de ter que se praticar políticas de austeridade orçamental nas políticas definidas por estas organizações, assume particular relevo em Timor-Leste. Tal como nas políticas definidas pela Troika na Europa e tal como estas também em Timor, a política seguida assenta nas políticas da oferta, nas reformas estruturais correspondentes às que nos são impostas. Até o diabo da regra dos 3% é uma peça chave no condicionalismo imposto a Timor.
Pelo que aqui se mostra, o grande problema no mundo e na Europa em particular é exactamente o modelo seguido e a estrutura quase que ditatorial que este implica. Sem um combate frontal contra isso então todas as lutas políticas estão condenadas ao fracasso, é o que podemos concluir…
Um texto que vale a pena ler. Simplesmente isso.[1]
Coimbra, 11 de Novembro de 2014
Júlio Marques Mota
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Timor-Leste – para lá do jugo do FMI e do Banco Mundial – I
Bill Mitchell-2012
Hoje, estou a organizar uma sessão de trabalho em Darwin, o primeiro encontro de trabalho desde que se estabeleceu um ramo de nosso grupo de investigação na Universidade em Outubro de 2012. O tema é As perspectivas económicas para Timor-Leste e a discussão é orientada para nos redimensionar a narrativa económica para lá das regras orçamentais rígidas e que restringem o crescimento, regras estas que o FMI e o Banco Mundial tem forçado o governo de Timor-Leste a praticar. O objectivo do nosso trabalho é geralmente o de desenvolver mais inclusivas e equitativas abordagens sobre o desenvolvimento económico, que tenham como referência o pleno emprego, a redução da pobreza e a sustentabilidade ambiental. Uma boa compreensão da moderna teoria monetária (MMT) permite que se veja claramente a agenda e os objectivos das organizações multilaterais . Assim, enquanto Timor-Leste tem uma grande luta pela frente para atingir os seus objectivos estratégicos de se tornar uma nação de rendimento médio até 2030, devia ser aconselhado a desfazer-se do seu actual regime monetário e a utilizar a sua enorme riqueza em petróleo para introduzir a garantia de pleno emprego incondicional e universal como ponto de partida para um caminho bem mais coerente e inclusivo de desenvolvimento económico.
A luta contra a invasão da Indonésia, de que resultou a independência de Timor em 2002, saiu muito cara em termos de destruição de recursos reais em Timor-Leste. O exército indonésio e as suas bajuladoras milícias rebeldes destruíram deliberadamente uma proporção significativa das infra-estruturas económicas do país no final de 1999, como ficou claro quando a ONU esteve a apoiar a luta pela independência.
Estradas, sistemas de abastecimento de água, a cadeia de abastecimento alimentar, casas e edifícios escolares foram tomadas como o fim de uma acção de ocupação de colonização ilegal pelos indonésios.
O governo de Timor-Leste desenvolveu um plano de construção da nação em 2011 – o plano de desenvolvimento estratégico (PDE- ou, em inglês, SDP) – que visa acelerar o desenvolvimento das infra-estruturas públicas e o desenvolvimento do capital humano. É uma enorme tarefa.
É dedicando enormes recursos – vindos principalmente do Fundo de Petróleo – que se pode conseguir cumprir esta tarefa.
A nação é rica em recursos petrolíferos, embora o governo australiano tenha feito o seu melhor para privar os timorenses do que deveria ser a sua justa parte dos recursos do Timor. A Austrália tem manipulado as suas fronteiras nacionais e retirou-se das jurisdições internacionais relevantes, que teriam resolvido os litígios relativos a propriedade antes de oficialmente ter sido atribuída a independência. O cinismo é exemplar porque estas suas posições tinham apenas a ver com questões relativas às fronteiras marítimas.
O comportamento da Austrália em relação a Timor-Leste tem sido muito pobre desde o momento que se enfrentaram os indonésios quando estes invadiram a pequena nação. Isto foi assim, apesar do povo de Timor Leste (na época) ter sofrido terríveis consequências das acções praticadas pelos japoneses durante a segunda guerra mundial como resultado de se ter alargado o apoio às tropas australianas que lutavam contra a invasão japonesa ao longo das ilhas.
Neste momento há apenas estruturas elementares em Timor-Leste para aqui se conseguir obter significativas estatísticas sociais e económicas desta jovem nação e assim é ainda difícil documentarmo-nos completamente de como é que a economia está a funcionar.
Sabemos que a sua economia não ligada directamente ao petróleo tem crescido fortemente ao longo destes últimos cinco anos, como resultado da forte despesa feita em infra-estruturas públicas. Há, no entanto, um analfabetismo generalizado, desnutrição, desemprego e pobreza, e tudo isto está inter-relacionado.
No relatório do PNUD – os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, Timor-Leste – estima-se que a “proporção de pessoas que vivem abaixo da linha nacional da pobreza aumentou de 36 por cento em 2001 para 50 por cento em 2007 ″, e também mostrou que a “taxa de mortalidade infantil permanece inaceitavelmente alta” e cerca de “metade das crianças têm um peso abaixo do normal”.
Além disso, estima-se que na capital (Díli) “58 por cento dos jovens” estavam desempregados em 2009. Timor tem também elevados índices de analfabetismo e de muito baixo rendimento per capita .
O gráfico seguinte apresenta as tendências em termos do Indice da ONU sobre desenvolvimento humano de 2000 a 2012. Timor distanciou-se rapidamente da trajectória de “Baixo Desenvolvimento Humano”, antes da crise financeira, mas teve um sucesso substancial durante a crise. As fortes despesas públicas em infra-estruturas, no entanto, tem ajudado muito na sua trajectória de desenvolvimento.
Obviamente tem ainda um longo caminho a percorrer para atingir as suas metas de desenvolvimento que se for bem sucedido, levaria a que a nação atinja estatuto de rendimento de média-alta por volta de 2030.
As agências multilaterais, a operarem em Timor-Leste, sendo amais influente delas o FMI e o Banco Mundial, no entanto, são críticas quanto do ritmo de despesas públicas.
A inflação tem vindo a aumentar (está agora acima de 10 por cento), mas isto foi principalmente devido à descida do valor do dólar dos EUA (a economia está dolarizada, ou seja a sua moeda é o dólar) e, em certa medida, à subida do preço dos bens alimentares. Timor-Leste é um importador líquido de bens alimentares.
O que muitas vezes não é entendido, quando se trata do processo que gera a inflação em Timor-Leste, é que a maioria destes bens é importada e resulta em grande parte da sua decisão de usar o dólar americano como sendo a sua moeda oficial. Por exemplo, a nação importa muitos bens essenciais da Austrália (alimentação, etc.) e na última década, o dólar australiano disparou contra o dólar dos E.U. (dobrando de valor).
Isto teve o efeito de pressionar à alta os preços dos produtos importados da Austrália. Mas a cura para isso não é nunca a de impor a austeridade fiscal, mas sim e sobretudo de ser necessário isolar a economia de inflação importada, permitindo que a taxa de câmbio reaja. Isso não pode acontecer no presente, como resultado da dolarização. Voltaremos a esta questão.
Em Fevereiro de 2012, o FMI publicou a sua consulta ao abrigo do seu artigo IV , que é um documento de referência e que resulta das suas consultas com os membros (geralmente em uma base anual).
Este documento surge como consequência das “visitas” feitas pelos funcionários do FMI ao país. Estes consultam os funcionários do governo, que já estão geralmente no “caminho do FMI” e evitam consultas mais generalizadas. O Banco Mundial está também frequentemente envolvido como o esteve nas últimas visitas a Timor.
No mais recente relatório do FMI diz-se:
Os investimentos previstos em infra-estruturas são bem-vindos mas, dada a inflação de dois dígitos, os funcionários do FMI aconselham a abrandar o aumento previsto nas despesas em capital durante os próximos anos para alinhar melhor a capacidade de absorção da economia com as restrições administrativas. Na ausência de política monetária (Timor-Leste usa o dólar americano), uma política fiscal sólida ( rígida) parece-nos ser a chave para conter a alta inflação e sustentar um forte crescimento. Apoiámos assim o plano do governo para reduzir o saldo fiscal não-petrolífero para o colocar a um nível sustentável nos próximos 10 anos, e para fornecer uma âncora para a política orçamental.
Timor tem enormes recursos em petróleo que lhe permitem obter significativas receitas de exportação– “o rendimento do petróleo representou cerca de 270 por cento do PIB não-petrolífero, a partir de 2010 ″ (FMI).
Tem-se um excedente de conta corrente grande (“de mais 50 por cento do PIB em 2011), que permitiu uma acumulação em divisas de $US9 mil milhões em investimentos estrangeiros.
A tabela a seguir é tirada do relatório do PNUD (citado acima) e mostra a importância das receitas do petróleo em Timor-Leste. Como observa o relatório, ” sem as receitas de petróleo e do gás, a situação orçamental global iria situar-se num défice de 97 por cento do PIB” e o “o sector petrolífero é um enclave que não tem praticamente nenhuma ligação com o resto da economia. Este sector não gera empregos para a força de trabalho nacional”.
No curto a médio-prazo, as receitas do petróleo são claramente massivas e estas fornecem uma ampla oportunidade para a nação investir em bens duráveis, o mais importante, sendo o capital humano (educação e formação).
Enquanto está a procurar construir o Fundo Petrolífero para assegurar que haverá financiamentos para as gerações futuras, uma vez que os seus recursos em petróleo comecem a declinar, o que se tem agora é mais do que suficiente para financiar o aumento de capital para o desenvolvimento de infra-estrutura e, a curto prazo, para pagar as importações de alimentos e assim reduzir a escassez que existe actualmente.
Voltaremos depois ao problema do Fundo de Petróleo porque os seus activos são expressos em dólares, uma vez que se tem o dólar como moeda oficial.
Timor-Leste também precisa de investir mais na agricultura e falaremos mais sobre os interesses concorrentes no desenvolvimento da agricultura num outro texto. O Banco Mundial, obviamente, favorece o modelo de exportação da agricultura extensiva tipo modelo para exportação enquanto que do que aqui se trata é de uma situação em que a criação de um sistema cooperativo de agricultura de subsistência de pequena escala ajudará a melhorar a disponibilidade em bens alimentares tão necessários.
O FMI e o Banco Mundial, no entanto, não tem um bom registo histórico quando se trata de reformas de política agrícola. Eles têm uma obsessão pelo mercado de exportação que não só leva a que os produtos inundem os mercados mundiais mas também a que façam descer os preços, o que leva a que os agricultores tenham problemas com o pagamento da dívida a que são forçados e tudo isto em nome do desenvolvimento, mas a conversão da agricultura em produção para exportação prejudica as características viáveis de uma agricultura de subsistência sustentável. Em última análise, leva a que se tenham resultados pobres.
A nota de informação do FMI diz-nos:
“A grande despesa em infra-estruturas deve principalmente ser financiada pelo Fundo Petrolífero. O governo está igualmente a considerar outras opções de financiamento tais como empréstimos e parcerias público-privadas (PPPs).”
Primeiramente, o Fundo Petrolífero dispõe agora de cerca de $US9 mil milhões – dos quais cerca de 90 por cento estão investidos em obrigações do Estado americano. Não há nenhuma necessidade para que o governo vá pois ao mercado levantar fundos, dado que todo os empréstimos teriam de ser feitos sob a forma dos empréstimos em moeda estrangeira. O governo de Timor Leste deve abandonar o dólar americano como sendo a sua moeda oficial, um ponto que penso retomar mais abaixo
Em segundo lugar, as PPPs devem ser evitadas. Como eu já o expliquei em IMF agreements pro-cyclical in low income countries neste blogue – Public infrastructure 101 – Part 1 – as PPPs são um outro veículo neo-liberal para transferir e concentrar a riqueza pública no sector privado.
Podem somente tornar-se mais baratos do que com financiamento global público à custa da qualidade do serviço no caso de um serviço ou de uma infra-estrutura essencial, em que o risco intrínseco nunca pode ser transferido para o sector privado.
Mais, estas têm tido muito fracos resultados até agora e isto em todo o mundo onde se transferiu efectivamente o planeamento de infra-estruturas públicas para o sector privado, uma vez que são motivadas mais pelos lucros a obter do que pelos serviços públicos a fornecer.
As premissas subjacentes que sustentam a política macroeconómica em Timor Leste, são, contudo, típicas das preferências dos neo-liberais do FMI e do Banco Mundial.
Eu verifiquei no passado que o FMI não tem uma boa reputação nas economias em desenvolvimento, sobretudo em países de muito baixos rendimentos. O seguinte gráfico, utiliza dados do World Development Indicators, fornecidos pelo Banco Mundial. Mostra-se o produto nacional bruto per capita, que, em termos materiais é um indicador do crescimento do bem-estar .
A opressiva evidência é que os programas de ajustamento estrutural do FMI (os PAE) aumentam a pobreza e as dificuldades mais do que qualquer outra coisa à sua volta . A América Latina e África subsariana (que domina os países de rendimentos reduzidos) são as regiões que mais são vítimas da maioria dos PAEs do FMI desde os anos 80.
Quando os países de altos rendimentos usufruem de um forte crescimento dos seus rendimentos per capita durante o período analisado (desde 1980), a América Latina (e as Caraíbas) tiveram na verdade um crescimento modesto e os países dos rendimentos reduzidos tornaram-se realmente ainda mais pobres entre 1980 e 2006.
As duas tendências não deixam de estar ligadas. Os PAEs são responsáveis pela transferência de rendimentos, a partir dos recursos dos países de rendimentos reduzidos para os países de altos rendimentos.
Durante o período em que a administração transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (UNTAET) – dirigia a criação da nova nação timorense (desde 1999-2002), o FMI e o Banco Mundial eram aí igualmente proeminentes.
Sobre esta nação foi exercida pressão para adoptar o dólar americano como sendo a sua moeda oficial. Na altura, eu fui abordado por um advogado que tinha fornecido apoio legal ao movimento de resistência e igualmente ajudava na transição.
Pediu-me para que o aconselhasse quanto aos melhores sistemas cambiais. Claramente, eu indiquei que a nova nação precisaria de introduzir de início a sua própria moeda, o que lhe permitiria então gozar de uma verdadeira independência. Eu incitei-o fortemente contra o sistema da dolarização da economia. Vozes mais altas terão prevalecido.
Esta decisão foi muito pobre para Timor Leste e, tendo em conta o seu desenvolvimento a longo prazo, Timor deve então abandonar o dólar americano o mais rápido possível.
Quais são as questões?
Primeiramente, a dolarização da economia é não somente desnecessário mas limita o espaço da política macroeconómica em Timor Leste. Adoptando o dólar americano a nação não tem nem política monetária independente monetária nem política cambial própria. Não pode escolher a sua própria taxa de juro e as implicações inflacionistas são as acima referidas.
Isto significa que todos os esforços contra a inflação têm que ser levados a cabo através da utilização da política orçamental, a quem também é confiado o desenvolvimento económico, na linha dos objectivos dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio.
Há uma regra na economia segundo a qual tem que haver o mesmo número de ferramentas (instrumentos da ) da política quantos são os objectivos da política económica a alcançar. Como é que por um lado pode o governo de Timor Leste satisfazer os objectivos do desenvolvimento quando tem que adoptar uma política de despesa pública apertada, sob o olhar atento dos mestres em por tudo a arder, o FMI?
Todo e qualquer ataque sério que seja feito contra a inflação através da austeridade orçamental sairá muito caro para uma nação que precisa desesperadamente de crescimento nas despesas públicas e não da sua redução. E recorde-se que tentar disciplinar o processo da inflação, quando a origem desse processo é na sua maior parte devido ao seu sistema monetário ( e cambial) que é a dolarização é algo que sai muito caro e, finalmente, está sempre condenado a falhar.
(continua)
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