AS RAZÕES DA CRISE NA EUROPA. ANÁLISE DO CONTEXTO GLOBAL E DAS RESPOSTAS POSSÍVEIS À DRAMÁTICA SITUAÇÃO ACTUAL – ORÇAMENTO DE 2015: UMA PÉSSIMA VIRAGEM – ATTAC FRANÇA, FONDATION COPERNIC, LES ÉCONOMISTES ATTERRÉS – V

Falareconomia1 

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

mapa_franca Orçamento de 2015: uma péssima viragem

Attac, Fondation Copernic, Les Économistes Atterrés – Budget 2015: un mauvais tournant

Guillaume Etiévant; Pierre Khalfa; Philippe Légé:

Christiane Marty; Christophe Ramaux; Jacques Rigaudiat

Henri Sterdyniak

23 de Outubro de 2014 

(CONTINUAÇÃO)

Fiscalidade: tudo para as empresas

A forte redução do ritmo de crescimento constatada desde meados de 2013 afectou as receitas recebidas em 2014. Enquanto a lei de finanças para 2014 previa 284,4 mil milhões de euros de receitas fiscais líquidas, estas não passarão, com efeito, de 273,2 mil milhões. Cerca de metade deste erro de previsão é imputável à fraqueza das receitas dos impostos sobre o rendimento (- 5,5 mil milhões). O imposto sobre as sociedades deu como receitas 3,4 mil milhões a menos do que o previsto. E faltam 1,7 mil milhões de receitas de IVA devido à atonia do consumo das famílias. Travando a actividade e a progressão dos rendimentos, “o rigor” orçamental mina as próprias receitas fiscais.

A legislação constante, o governo aposta em 2015 sobre um aumento das receitas fiscais nítidas de 4,8 mil milhões de euros (+ 1,7%) em relação previsão à revista do orçamento 2014. Esta evolução seria “principalmente imputável ao salto da evolução espontânea do imposto sobre o rendimento (+1,8 Md€) e ao restabelecimento do crescimento espontâneo do IVA (+1,9 Md€)”. Esta previsão é assente num m cenário de crescimento do PIB em volume de 1% e de uma taxa de inflação de 0,9%.

Para além desta evolução ligada à hipótese de uma ligeira melhoria da conjuntura, são previstas profundas modificações das cobranças para o próximo ano. Mas o impacto global destas medidas sobre as receitas públicas é quase nulo (+0,9 mil milhões), que, como vimos, marca um ponto de viragem decisivo. Entre as novas medidas fiscais para 2015, as que figuram no projecto de lei de finanças (PLF) terão um impacto, relativamente limitado face ao que foi já feito durante os anos anteriores, de -2,3 mil milhões de euros.

De acordo com as previsões do governo, a taxa de cobranças obrigatórias deveria apenas diminuir de forma muito ligeira para se estabelecer-se em 44,6% do PIB em 2015, contra 44,7% em 2014. Em 2017, no termo da lei de programação, esta taxa seria de 44,4%. É necessário contudo notar que estas taxas foram calculadas deduzindo das cobranças obrigatórias os diferentes créditos de imposto. Ora, em virtude do novo sistema de contabilidade europeu (SECA 2010), os créditos de impostos ditos “restituíveis” já não devem ser registados sob a forma de menores de receitas mas sob a forma de despesas públicas. “Na França, isto refere-se a mais de vinte e cinco créditos de impostos, dos quais os mais importantes são em 2013 o crédito de imposto investigação (CIR), a subvenção para o emprego ou ainda o crédito de imposto para o emprego de um assalariado no domicílio […] A reconstituição das contas do passado ou “rétropolação” provoca mecanicamente um nível de despesas e de receitas públicas acrescido para os anos anteriores. Contudo, os rácios passados de finanças públicas permanecem relativamente inalterados devido à concomitante subida do PIB[1] 21”. O INSEE publica actualmente duas taxas de cobranças obrigatórias: sem créditos de impostos/com créditos de impostos. Na lei de finanças, as taxas de cobranças obrigatórias ficam calculadas líquidas de créditos de impostos. Do mesmo modo, o crescimento da despesa pública de 1,1% em 2015 alarga-se com a variação das despesas com exclusão dos créditos de impostos. “Por razões de legibilidade, nomeadamente na fase de subida do CICE, é a evolução da despesa pública, com exclusão dos créditos de impostos que é posta em primeiro na lei de programação das finanças públicas” (LPFP, anexo 3).

Fiscalidade sobre as famílias

No que respeita à fiscalidade das famílias, a principal medida é a supressão da primeira fracção do imposto sobre o rendimento (IR) em virtude da qual se aplica uma taxa de 5,5% à fracção de rendimentos compreendida entre 6.011 e 11.991 euros. A fracção de imposição à 14% começa agora a um valor mais baixo, em 9.690 euros, o que evita que os contribuintes de maiores rendimentos beneficiem de uma redução nos seus impostos. O tecto para abatimento passa de 1016 à 1135 euros para os solteiros, a 1870 euros para os casais. Estas modificações beneficiarão cerca de 6,1 milhões de lares fiscais e serão neutras para os outros. Custam cerca de 3,2 mil milhões de euros vêm amplificar a redução do IR iniciada em 2014.

O efeito combinado desta medida e da que votada este verão será o de aumentar ligeiramente o rendimento disponível de cerca de 9 milhões de lares fiscais, o que é uma boa coisa. Mas será este o melhor meio para o fazer? Certamente que não. Em 2013, as receitas do IR representam apenas 7% das cobranças obrigatórias contra 12,6% em 1981. Corroer mais ainda a base do imposto sobre o rendimento não é uma boa ideia. O PLF fala em “ simplificar a tabela do imposto sobre o rendimento”, mas isso é o que foi feito desde 1986. O número de fracções passou assim de treze em 1986 para sete em 1994, seguidamente para cinco em 2007. O IR tornou-se assim cada menos progressivo para maior felicidade das famílias mais ricas.

Em 2012, o governo tinha decidido acrescentar uma sexta fracção, à taxa de 45%. Teria sido necessário de prosseguir este movimento, em de suprimir a primeira fração. Por exemplo, teria sido necessário perenizar as contribuições excepcionais de 2 e 3% criando uma tranche nos 60%. Para voltar a dar do poder de compra aos lares fiscais mais modestos, teria sido melhor reduzir a tributação indirecta, agindo por exemplo sobre a taxa reduzida e sobre a taxa intermédia do IVA (em especial para os transportes colectivos).

François Hollande tinha anunciado este verão a fusão do crédito fiscal relativo aos rendimentos auferidos (prime pour l’emploi -PPE) e dos rendimentos de solidariedade activa ( RSA) para dar poder de compra às famílias mais pobres, as que não beneficiam da baixa do imposto sobre o rendimento. Na verdade, nada está previsto neste orçamento para lutar contra a pobreza. O Presidente acaba no entanto de reconhecer que “o agravamento” actual desta constitui “uma humilhação para a República”.

Como previsto inicialmente, a taxa dita a 75% sobre os rendimentos de mais de 1 milhão de euros desaparecerá ao 1º de Janeiro de 2015. Os volte-faces em torno desta taxa, na sequência nomeadamente da censura do Conselho constitucional em Dezembro de 2012, ilustram as renúncias de um governo submetido à pressão do patronato. Tinha sido apresentada como temporária para não assustar os mercados. Cerca de um milhar de dirigentes e de altos quadros foi atingido e esta taxa não se refere aos seus rendimentos do capital que formam no entanto uma grande parte da sua remuneração. Dedutível do imposto sobre as sociedades, com um limite superior que é de 5% do volume de negócios das empresas (que protegeu os mais ricos dos clubes de futebol), esta medida de referência do candidato Fraançois Hollande terá tido como resultado um muito fraco rendimento: 260 milhões de euros esperados em 2014. O seu abandono simboliza efectivamente a viragem social-democrata em curso.

No que diz respeito à habitação, em vez de melhor ajudar a habitação social, o governo estende o nicho fiscal a favor do investimento das famílias ricos em habitações para alugar que poderão doravante beneficiar para aí alojarem os seus filhos..

Fiscalidade das empresas

A lei de finanças 2015 não prevê nenhum novo aumento de imposto para as empresas. Mas a dedutibilidade dos encargos financeiros será de novo reduzida no próximo ano, como previsto pela lei de finanças 2013. Tal mudança deverá aumentar as receitas em 1,3 mil milhões de euros.

O recente anúncio da suspensão “sine die” da portagem de trânsito dos veículos pesados que devia substituir-se à ecotaxa, vai não somente agravar os cofres do Estado de 1,4 mil milhões de euros mas é sintomático da renúncia de que os nossos governos sucessivos fazem prova em matéria de fiscalidade ecológica, independentemente do que se possa pensar das suas modalidades concretas. Elaborada em 2007 aquando da Grenelle do ambiente, a ecotaxa tinha sido adoptada em 2009 por uma muito larga maioria de deputados. Devia aplicar-se desde 2011 aos transportadores rodoviários “em função do custo de utilização” das estradas que utilizam. As receitas das ecotaxas deviam financiar projectos de transportes colectivos e a manutenção das estradas. Depois de muitos adiamentos, uma lei votada em Abril de 2013 previa, enfim, uma aplicação da ecotaxa a partir do 1º de Outubro de 2013. Mas em Setembro, o governo Ayrault adiava uma vez mais a sua aplicação. No mês seguinte a ecotaxa “seria suspensa”. Em Junho de 2014, Madame Royal, ministra da Ecologia, anunciava a substituição da ecotaxa por “uma portagem de trânsito”, aplicável sobre cerca de um quarto dos eixos inicialmente estudados. Por fim, o conjunto do projecto é abandonado. Certamente a taxa interna sobre os produtos energéticos (TICPE) aumentará de 2 cêntimos por litro de gasóleo. Mas, como muito bem explicou o presidente do Comité para a fiscalidade ecológica, Christian de Perthuis, anunciando a sua demissão a 13 de Outubro de 2014, “o aproveitamento da fiscalidade não é uma prioridade governamental”.

O Pacto de responsabilidade foi adoptado no verão 2014 na lei de finanças rectificativa. Em 2015, o Crédito imposto, competitividade emprego (CICE) e o Pacto custarão respectivamente 16,5 e 6,3 mil milhões ao Estado. O custo do Pacto compreende a redução de contribuições sociais dos empregadores entre 1 e 1,6 SMIC, a redução das contribuições dos trabalhadores independentes e a supressão de uma primeira fracção do C3S. Somente as medidas que têm efeitos em 2015 foram adoptadas este Verão. Em 2016 e 2017, as reduções serão estendidas e a C3S será progressivamente suprimida. A prazo, o Pacto e o CICE custarão 40 mil milhões de euros às finanças públicas. Isto levanta vários problemas.

A compensação para a Segurança social das perdas de receitas devidas ao Pacto será teoricamente integral. Esta tomará a forma de algumas transferências de receitas mas sobretudo de uma retoma pelo Estado por parte das ajudas personalizadas à habitação (APL) actualmente financiadas pelo ramo Família da Segurança social (4,75 mil milhões). O ramo Família por conseguinte não estará ameaçado a curto prazo. Mas a situação será muito diferente a longo prazo. Como já o escrevêmos: : “A baixa da CSG afecta ao ramo desde 2011 e a baixa das contribuições sociais desde 2014 acompanham-se, como consequência, de uma fragilização dos recursos do ramo família. Beneficiando de menos excedentes estruturais, devendo cada vez mais fazer apelo a taxas pouco dinâmicas atribuídas pelo Estado e perdendo por aí mesmo a autonomia relativa de que beneficiava o seu orçamento, este ramo é o alvo agora encontrado para futuras medidas de economias” [2].

De acordo com o PLF, o Pacto de responsabilidade deve “permitir as empresas reencontrarem as margens necessárias para contratar, formar os seus assalariados, investir e inovar”. Mas o governo tinha tido o mesmo raciocínio no momento do lançamento do CICE. Ora, força é de constatar que este não produziu os efeitos esperados, o que era já previsível porque nenhuma sanção é prevista se o montante do CICE for utilizado para aumentar os dividendos ou as mais elevadas remunerações da empresa. O desemprego prossegue a sua subida e o investimento das empresas continua a diminuir: – 0,6% em 2013 e – 0,6% esperado em 2014 de acordo com INSEE. O dispositivo produz essencialmente efeitos de inércia e pode-se temer que seja a mesma coisa com o Pacto. As empresas não investem e não contratam mais pessoal se não existir uma procura suplementar para a sua produção. Ora todos os motores da procura estavam já bloqueados salvo o das despesas públicas, o que o governo se prepara agora para bloquear.

Como já o explicávamos em 2013, o ministro das Finanças “engana-se quando considera que a fraqueza do investimento se explica por uma situação financeira degradada das empresas ou por uma fiscalidade demasiado pesada. As empresas já têm beneficiado de muitas reduções fiscais, mas estas reclamam uma rentabilidade excessiva; não investindo, elas são responsáveis pela letargia do crescimento, o que pesa sobre os seus próprios lucros” [3]323. Assim, as empresas não – financeiras do CAC 40 detêm hoje cerca de 160 mil milhões de euros de liquidez que não utilizam para investir. A sombria conjuntura actual confirma este diagnóstico e assina o malogro da política económica seguida neste último ano. Para o governo está “fora de questão” mudar de política. Amplificar o que falhou não é, contudo, uma estratégia convincente.

(continua)

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[1] http://attac.org/l/48w Rapport d’information de la Commission des finances de l’Assemblée Nationale sur le nouveau système européen de comptabilité nationale, apresentado por Me Karine Berger et M. Olivier Carré, rapport n°2237, 2 octobre 2014, p. 10.

[2] http://attac.org/l/48x « Un Pacte irresponsable », Note des Économistes Atterrés, mars 2014.

[3] http://attac.org/l/48x « Un Pacte irresponsable », Note des Économistes Atterrés, mars 2014.

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AS RAZÕES DA CRISE NA EUROPA. ANÁLISE DO CONTEXTO GLOBAL E DAS RESPOSTAS POSSÍVEIS À DRAMÁTICA SITUAÇÃO ACTUAL – ORÇAMENTO DE 2015: UMA PÉSSIMA VIRAGEM – ATTAC FRANÇA, FONDATION COPERNIC, LES ÉCONOMISTES ATTERRÉS – IV

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