Hoje, um amigo meu morreu. Um homem de uma estatura verdadeiramente fora do comum num meio onde muita gente se pensa como de excepção devido à nobreza garantida pelos seus títulos, títulos que esse meu amigo não tinha. Mas tinha outros, seguramente.
Hoje, um amigo meu morreu. Um amigo que à Universidade conferiu e entregou todo ou quase todo o sentido da sua vida.
Hoje, um amigo meu morreu. Um amigo que na vida se alimentava sobretudo do grande prazer de ensinar e que daí obtinha, portanto, grande parte da sua alegria de viver.
Hoje, um amigo meu morreu. Um amigo a quem um seu colega espanhol lhe escreveu já com ele no leito da morte dizendo que está escrito na memória dos investigadores espanhóis que com ele trabalharam e escrito como na pedra o reconhecimento deles pela sua dedicação à investigação e pelo seu rigor de análise que a esta o meu amigo conferia.
Hoje, um amigo meu morreu. Dessa carta recebida já no leito de morte e que me deu a ler, relembro-a pela leitura quase de relance, comovido que eu estava por uma ou outra lágrima que lhe escorria da alma e dos olhos também.
E da vivência em comum na Universidade relembro três detalhes:
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A sua participação no Ciclo Integrado de Cinema Debates e Colóquios na FEUC, em particular numa sessão onde se projectava Kisagany Diary, o mais dramático documentário que já vi. Relembro-o ao lado de Francisco Louçã (ISEG-UTL), Pezarat Correia (FEUC), José Soares da Fonseca (FEUC). E dessa sessão, com o Auditório completamente cheio, relembro a sua leitura sobre os movimentos de populações em África, um continente verdadeiramente à deriva, sobre as deslocações que nem a ONU queria reconhecer.
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A sua participação na elaboração de uma brochura sobre a China, sobre os Left-Behind, publicada sob o título: O CAPITALISMO NA CHINA: AS CLASSES SOCIAIS, AS MIGRAÇÕES E A REPARTIÇÃO DO RENDIMENTO. Relembro aqui as discussões havidas à volta de centenas de páginas a ler, a seleccionar, a traduzir e numa sequência temporal de cronómetro para realizar a brochura que iria ser editada e distribuída gratuitamente no Gil Vicente. Tratou-se de uma selecção esta que tinha também ela a mão do artista em migrações, em Geografia Humana, que se chamava e já se não chama, António Gama. Uma brochura em que ficou também a sua marca.
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Relembro um encontro que nunca se deu e que agora se há-de dar um pouco à maneira dos Amigos de Alex. Por isso relembro o que ainda não se verificou! Tratava-se do encerramento à distância de anos do Ciclo de Cinema, entre aqueles que o fizeram, num jantar à nossa conta e num restaurante por ele escolhido, perto da sua casa. E esses convidados seriam Margarida Antunes, Luis Peres, eu próprio e Arnaud Lantoine. E, por mim, esse jantar será feito. Um encontro falhado, um encontro falhado com a vida e com a nossa história pessoal mas que a vida, em sua homenagem, deve recuperar. Um jantar que dessa forma serve também para relembrar o cinema documentário que nos ligou, a lembrar neste caso igualmente Os Amigos de Alex.
E a esse amigo meu que hoje morreu e que não mais verei, porque um fervoroso defensor do rigor na ciência dedico os dois próximos textos a publicar em A Viagem dos Argonautas sobre a problemática da medida , cujos títulos são:
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Défices estruturais e estabilizadores automáticos- a grande vigarice.
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A inexacta ciência de calibrar a política fiscal, textos estes onde o autor de suporte é Bill Mitchell.