Sobre um mundo que não é o nosso, a City, sobre o poder do dinheiro, sobre o verdadeiro governo da Inglaterra, afinal.. Um texto de Marc Roche sobre a City aqui vos deixo.
Júlio Marques Mota
Ameaças e ajustes de contas na City
Marc Roche
Mesmo o mais ardente defensor do capitalismo liberal – que continua a ser, contra tudo, o melhor sistema que se conheça, à imagem da democracia – deve estar desconcertado por quatro recentes acontecimentos que viraram os holofotes sobre os seus disfuncionamentos, passados, presentes ou ainda a chegarem proximamente …
Assim, o primeiro ministro, David Cameron, entende restringir o relatório de Sir John Vickers sobre a regulação financeira que deve ser publicado a 12 de Setembro. Como foi evidente, o ocupante do 10 Downing Street tornou-se sensível aos gritos de alarme despropositados lançados pela City, hostil ao projecto da comissão independente em querer transformar em verdadeiros “santuários” a actividade de depósito dos mastodontes bancários.
Além disso, as “gentes” recusam o aumento dos fundos próprios da banca para além das exigências ditas “de Basileia III” que devem melhorar a cobertura dos empréstimos e diminuir a tomada de riscos. Para torpedear esta reforma, o lobby financeiro pode usar como recurso a sua arma favorita, a chantagem à deslocalização. Confrontado com este apertar de parafusos da regulamentação, Barclays ameaçou mudar a sua sede para os Estados Unidos, enquanto o banco HSBC evocou uma partida para a França! Ora, no entender do Ministro das Finanças, George Osborne, que apoiou publicamente os projectos da comissão Vickers, esta legislação é essencial. Os bancos desempenham um papel-chave na economia. A especulação bem controlada fluidifica as trocas e os preços.
As relações conflituosas entre o primeiro ministro e o seu chanceler do tesouro estão precisamente no centro das Memórias de Alistair Darling, o ministro trabalhista das finanças entre 2007 e 2010. Em Back from the Brink: 1.000 Days at n° 11, este Escocês sério e competente revela que Gordon Brown, “vulcânico e brutal “, tinha-lhe dito que a crise do Outono 2008 não duraria mais de seis meses. Quase uma espécie de “fast história “, como se diz com o fast food…
Darling coloca em relevo o “caos” da política económica do primeiro- ministro do último governo Labour, a sua recusa em cortar nas despesas públicas e em aumentar os impostos quando era ainda tempo. O antigo ministro critica igualmente o Banco da Inglaterra, dirigido “como por um barão autocrático “ pelo seu governador, Mervyn King, “demasiado político e demasiado próximo dos conservadores “. Ao ouvi-lo , os banqueiros são apenas seres “gananciosos, a funcionarem só a muito curto prazo, de vistas bem curtas”.
Aprende-se de resto bonitas histórias a esse respeito em Masters of Nothing consagrado à derrocada das subprimes. Os autores, dois deputados conservadores, Matthew Hancock e Nadhhim Zahawi, revelam a megalomania furiosa de Fred Goodwin, o antigo proprietário do Real Bank of Scotland hoje nationalizado.
O homem mais odiado do Reino Unido tinha grandes crises de nervos quando lhe traziam biscoitos que não eram ao seu gosto. O salão que nos levava ao seu escritório tinha sido decorado com um papel que custa mais de 1.000 euros o rolo.
Cada dia, este autocrata de ego sobredimensionado fazia chegar por avião charter frutos seleccionados por um fornecedor de mantimentos parisiense. Após a sua demissão, “Fred, o cortador de cabeças “ não teve o mínimo pedido de desculpa. Enquanto que a derrocada financeira viu centena de milhares de Britânicos perderem o seu emprego e reduziu a uma pequena porção a sua reforma por capitalização, Goodwin reencontrou trabalho como se nada se tivesse passado e manteve a sua bela pensão [ de 780 000 euro, por ano e por toda a vida] . E o senhor Fred conservou o seu título nobiliário contra ventos e marés.
Por último, enquanto que o contribuinte britânico, que salvou o sistema bancário, teve e tem que apertar o cinto, a hora é de novo para os bónus miranbolantes. Os prémios de fim- de-ano aumentaram de 187% desde 2002, representando hoje 90% da remuneração dos dirigentes das cem mais maiores companhias britânicas, de acordo com a comissão sobre os altos salários salários.
Será isto conveniente quando o mundo dos negócios, no auge da crise, deve ser nestes tempos como a mulher de César, acima de qualquer suspeita?
Chega de tristezas. Eis uma notícia brilhante: a ideia de diversidade progride na City. Pierre Lagrange, um dos fundadores do hedge fund GLG, hoje fundido com Man Group, fez o seu “coming out”. O multimilionário belga com 49 anos de idade deixou a sua mulher, Catherine, para muito simplesmente ir viver a sua vida com um homem. O especulador vendeu o seu hôtel de maître de Kensington Palace Gardens, a via londrina dos multimilionários, ao oligarca russo Roman Abramovitch. A ler Sunday Times, habitaria a partir de agora num modesto apartamento em Notting Hill.
Se esta situação teve um grande eco , não é por causa de um pilar importante da City se estar a reinvindicar como sendo homossexual sem que tenha havido grandes comportamentos exibicionistas a este respeito. É porque a sua ex-mulher deverá receber 150 milhões de libras (171 milhões de euros) em caso de divórcio, um recorde no Reino Unido.
Ironiza-se sobre a famosa declaração em Timon de Atenas de Shakespeare:“O ouro é um Deus sensível que une os contrários e os força a beijarem-se”.
Marc Roche, Menaces et règlements de comptes à la City, Le Monde , 6.09.2011