OS HOMENS DO REI – 20 – por José Brandão

D. AFONSO IV (reinou de 1325 a 1357)

D. Afonso IV, sétimo rei de Portugal, filho de D. Dinis e da rainha Santa Isabel, da casa real de Aragão, nasceu na alcáçova real do Castelo de Lisboa em 1290, alguns anos depois dos dois irmãos bastardos, Afonso Sanches e conde D. Pedro, cuja simples existência foi a causa principal das graves perturbações da paz do reino, tanto em vida de seu pai, como nos primeiros anos do próprio reinado.

 

Apenas aclamado rei, aos 35 anos, o seu primeiro acto foi, nesse mesmo ano, convocar cortes em Évora, a pretexto de juramento de fidelidade dos três braços. Porém, em verdade, era para lhes propor o exílio perpétuo e confisco de todos os bens do irmão bastardo Afonso Sanches, que pacatamente vivia numa das suas vilas de Castela, no termo de Badajoz. Não obstante o bastardo lhe ter feito preito de submissão e oferecer-se para o servir lealmente, Afonso IV não cedeu, e recomeçou a guerra fratricida, a que Afonso Sanches, pela revoltante injustiça, ripostou, reunindo vassalos e tropas suas em Castela e, ajudado pelo infante castelhano D. Filipe, invadindo Portugal por Bragança, em nova guerra que se prolongou a 1326.

 

Apesar da recusa das Cortes a tão revoltante injustiça, não desistiu de mover guerra ao odiado irmão, em cujo auxílio o infante D. Filipe de Castela, muito seu amigo, mandou tropas contra Portugal. As tropas castelhanas acometeram a fronteira por Albuquerque e Abedelim; Afonso IV mandou a cavalaria de Avis atacar e deu-se batalha campal em Ouguela, que ficou indecisa. Afonso Sanches veio com a sua hoste socorrer Albuquerque, e Afonso IV marchou com tropas frescas contra o bastardo, que se recolhera, doente de sezões, ao castelo de Abedelim. Afonso IV atacou o castelo de Codeceira, que ao cabo de apertado cerco se rendeu, e como chegassem os grandes calores do verão, o rei retirou-se satisfeito, depois de arrasar o castelo e devastar toda a terra, searas, sementeiras e pomares. D. Afonso IV foi um homem de carácter muito irrequieto e conflituoso. Começou por lutar contra o pai ainda em vida deste, pela posse do trono, arranjando também lutas com os irmãos e meios-irmãos. Foi casado com D. Beatriz de Castela, de quem teve muitos filhos, entre os quais o herdeiro do trono, o célebre D. Pedro. O espírito sanguinário e cruel do monarca revelou-se mais intensamente em relação ao romance do filho com D. Inês de Castro. De D. Afonso IV partiu a sentença de morte de Inês, cujo único pecado foi amar profundamente o filho do carrasco que a condenou.

 

A amizade do príncipe D. Pedro, aos irmãos e amigos de Inês era grande. Os fidalgos portugueses, temendo que isso pusesse em perigo a independência do reino, convenceram D. Afonso IV que Inês era perigosa. Os conselheiros do rei, Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, não encontraram melhor solução, para afastar os amantes, do que matá-la.

 

O rei e os seus conselheiros entram no paço e apesar das súplicas da infeliz a tragédia desenrola-se. O rei ainda hesita, angustiado, perante os rogos da dama e os choros das crianças. Mas Inês é assassinada. Quando lhe chegou a notícia do assassínio de D. Inês, deixou-se D. Pedro vencer do maior desespero e procurou todos os meios de exercer crua vingança. O príncipe ficou louco de dor. Voltou-se contra o pai. A guerra civil que se lhe seguiu, do desvairamento dum filho e herdeiro em rebelião armada contra seu pai e rei, trazia-lhe ao espírito atormentado, como uma penitência, a lembrança das suas próprias rebeliões armadas contra seu pai. As pazes assinadas em Canaveses com o filho, por intervenção da rainha D. Beatriz e de D. Gonçalo Pereira, arcebispo de Braga, terminaram com o conflito mas não fizeram esquecer ao jovem príncipe a infâmia cometida contra uma mulher. Afonso IV, apesar de turbulento em termos de contendas internas, conseguiu, mesmo assim, que o reino se organizasse e fosse bem administrado.

 

Atento aos problemas da governação ordenara em 1338 a transferência do Estudo Geral de Coimbra para Lisboa, convencido, como seu pai, de que maior seria na grande cidade a afluência de escolares. Pouco demorou, porém, a instituição em Lisboa, pois dum alvará de 1354 se depreende que de novo a transferira para Coimbra, pelos mesmos motivos anteriores: ser mais propicia ao estudo e aplicação de mestres e escolares a sua calma vida provinciana, do que a agitação do grande porto de mar, no intenso tráfico marítimo das muitas e desvairadas gentes, com os grandes portos do Mediterrâneo e Norte da Europa. Entretanto os Muçulmanos tinham juntado na Península forças numerosas, que teriam feito estragos enormes se avançassem pelos estados cristãos, em vez de perderem tempo no cerco de Tarifa.

 

El-rei de Castela decidiu ir em socorro desta praça, e como todas as forças eram pequenas para se baterem com tão poderoso inimigo, enviou a rainha D. Maria sua esposa a Portugal a pedir o auxílio do pai. Apressadamente se pôs D. Afonso IV a caminho de Sevilha com mil lanças, enquanto nas diversas províncias se organizavam companhias de tropa que deviam marchar em troços na mesma direcção, e na verdade se foram juntar em Sevilha. Entre os que acompanhavam el-rei contavam-se o arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira; os mestres das Ordens Militares do Crato, Santiago, Cristo e Avis; e muitos nobres, como: D. Rodrigo Álvares Pereira, filho do prior do Crato D. Álvaro Gonçalves Pereira; Lopo Fernandes Pacheco, senhor de Ferreira; Gonçalo Vasques de Moura e D. Gonçalo Correia de Azevedo, neto do grande D. Paio Peres Correia, que foi mestre de Santiago.

 

Em 1344, renovava o auxílio militar a Castela, que se repetia em 1345 e 1350. E entretanto, votado como seu pai à missão real de bem reger os seus povos, acertadamente legislou sobre moeda falsa, ganância de usurários, abusos de alcaides e oficiais do fisco, comércio exterior, marinha real, assistência à justiça contra abusos de fidalgos e clero em darem protecção a criminosos reincidentes nas igrejas e coutos de honra, gerindo com tão severa economia os rendimentos da coroa e arrecadando tantos dinheiros, que o faziam passar por avaro, e vigiando os costumes, fazia assegurar por todos os meios a solidez do reino.

 

Assim teria findado o seu reinado, se imprevistos flagelos lhe não tivessem amargurado os últimos anos de vida. Ainda robusto e válido nos seus sessenta e sete anos, restabelecida a paz com seu filho, D. Afonso IV pouco sobreviveu a tão violento abalo. Em Janeiro do ano seguinte, 1357, morria na sua alcáçova real de Lisboa, amargurado e pesaroso, ao cabo de 32 anos de severa gestão do reino; com o tesouro real abarrotado de oiro. Gonçalo Pereira e Diogo Lopes Pacheco foram homens do rei D. Afonso IV.

 

D. Gonçalo Pereira (1280-1348)

 

Nasceu cerca do ano 1280, filho de D. Gonçalo Pereira e de D. Urraca Vasques Pimentel. Do seu relacionamento com Teresa Peres Vilarinho teve como filho D. Álvaro Gonçalves Pereira, prior do Crato, sendo por essa via avô do condestável D. Nuno Álvares Pereira. D. Gonçalo Pereira descendia das velhas famílias do condado. Era bisneto de D. Rui Gonçalves Pereira o primeiro nesta família a usar o apelido. Criado no paço de D. Dinis, foi depois estudar para Salamanca, onde se formou. Mais tarde viria a ser Deão da Sé do Porto. Em 1320 foi enviado por D. Dinis à cúria pontifícia, em Avinhão, juntamente com o almirante Manuel Pessanha a fim de solicitarem ao papa, entre outras coisas, auxílio financeiro para a guerra contra os mouros. Em 1321 era eleito bispo de Évora, o que não se viria a efectuar; em 21 de Agosto de 1322, o Papa João XXII nomeou-o bispo de Lisboa. Regressado ao reino, celebrou um sínodo diocesano em 1324, no qual promulgou novas constituições sinodais, as quais, como parecessem muito pesadas em termos fiscais, acabaram por ser revogadas pelo seu sucessor. Em 1326, vagando a Sé de Braga, foi nomeado pelo Papa João XXII arcebispo primaz, cargo que ocupou até 1348, quando morreu. D. Gonçalo Pereira combateu ao lado do rei D. Afonso IV na Batalha do Salado. E não foi menos ilustre nas acções políticas e militares. Havendo renhidas guerras, no ano de 1330, entre Portugal e Castela, pela província de Entre-Douro e Minho entrou em Portugal D. João de Castro, governador do reino da Galiza, à frente dum forte exército, saqueando e destruindo os lugares abertos. Quando, porém, se dispunha a regressar à Galiza, saiu-lhe à frente o arcebispo, com alguns, poucos, homens que conseguiu reunir e atacou-o, dando-lhe a morte, como castigo da sua façanha, bem como a trezentos soldados galegos. Quatro anos depois é que, por sua intervenção e hábil tacto diplomático, se ajustou a paz entre ambos os reinos. Deveu-se também à sua prudência a quietação de Portugal nas contendas que o Infante D. Pedro trazia com seu pai, o rei D. Afonso IV, desde a morte de D. Inês de Castro, sendo por influência da sua sensata e persistente intervenção que aquelas tempestuosas contendas se ultimaram, em condições, pelo arcebispo redigidas, favoráveis ao filho e decorosas para o pai. D. Gonçalo Pereira foi um dos mediadores da paz entre o rei D. Dinis e seu filho D. Afonso IV. Onde, porém, com maior e mais gloriosa fama, o seu valor mais resplandeceu, foi na memorável batalha do Salado. Havendo dúvidas sobre a oportunidade e a conveniência de se dar a batalha e tendo alguns castelhanos proposto que se tratasse apenas de obter acomodações, a fim de se aguardar melhor ocasião, o arcebispo D. Gonçalo foi de parecer contrário e a batalha travou-se com o êxito que a História regista. Em Braga, mandou construir a cidadela em torno da Torre de Menagem, no século XIV. A fortificação foi complementada por D. Lourenço Vicente, companheiro do Mestre de Avis. Na Sé de Braga, mandou construir a sua capela tumular, conhecida como Capela da Glória, obra-prima da tumularia portuguesa. A Capela da Glória é a mais antiga e data do século XIV guardando ao centro o túmulo de D. Gonçalo Pereira. Foi no seu tempo como arcebispo que grassou em Portugal e no resto da Europa e célebre Peste Negra. Morreu em 1348.

 

A seguir: Diogo Lopes Pacheco

 

 

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