ACORDO? – por Magalhães dos Santos

Há setenta anos aprendi a ler e a escrever.

 

Lembro-me de escrever pai com E, mãe com I. Li posteriormente alguns livros de Júlio Verne em que se grafava ainda com os PH, os CH, os YY, quantas letras dobradas: ANNOS, COMMANDO, ELLA, HOLLANDEZ, SYMPATHICO (sem acento), PHILOSOPHIA, AFFLICÇÃO, quantas outras grafias deste género!

 

O “meu” primeiro acordo ortográfico data de 1947.

 

Depois – não vou fazer propriamente uma cronologia da nossa ortografia… – houve uma alteração também importante. Até 1972, para formar o advérbio de modo a partir de SÓ, acrescentava-se o sufixo –MENTE e o acento agudo mudava para grave: SÒMENTE.

 

Depois dessa data… deixou de “levar” o acento grave, ficou somente: SOMENTE. Ainda o mesmo exemplo, SÓ: se lhe acrescentássemos o sufixo diminutivo –INHO, deveríamos meter-lhes no meio o infixo –Z- e mudar-lhe o acento de agudo para grave: PÈZINHO.

 

Até 1972. A partir desse ano, nem acento agudo nem grave: PEZINHO. Se não me engano, as principais, as mais sensíveis alterações que este Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, firmado em 1990, impõe são o “desaparecimento” de CC e PP que NÃO SE PRONUNCIEM. Como é o caso de acção, que passa a AÇÃO, de excepto, que passa a EXCETO.

 

“Problema”: casos há em que se registam duplas grafias: no Brasil, há palavras em que, por exemplo, o C “desaparece”… Eles dizem FATO, nós continuamos a dizer FACTO. Em CORRUTO os Brasileiros poupam, não escrevendo o P. Os CORRUPTOS, entre nós, dão-nos grande prejuízo! Só na tinta que com eles gastamos a escrever-lhes o P! E com a CORRUPÇÃO a mesma coisa. Muito prejuízo nos dá a CORRUPÇÃO! Aqueles PP todos muito prejudicam o nosso Povo!

 

Só na escrita as coisas mudam! Ninguém passará a pronunciar de modo diferente do que usava até aqui! Vão-se perder algumas maiúsculas iniciais?… Vão. Sem ironia, apenas brincando, acho que não é uma desconsideração aos meses nem às estações do ano, passar a escrever-lhes os nomes com minúsculas: janeiro e dezembro (e os outros) não perdem a sua categoria por passarem a grafar-se desta maneira. O mesmo se passa com as estações do ano: a primavera, o verão, o outono e o inverno não ficam mais chuvosos, nem mais secos, nem mais quentes nem mais frios por passarem a ser escritos com minúscula. Que é, de resto, como se escrevem em Castelhano/Espanhol, em Francês e em Italiano. É bom estarmos assim acompanhados! Verbos como CRER, DAR, LER, VER, e seus compostos, deixam de ter acento circunflexo nas formas em que têm dois EE: passa a ser só CREEM, DEEM, LEEM, VEEM, como DESCREEM, DESDEEM, RELEEM, PREVEEM.

 

O “acordo” data de 1990, só em 2012 vai obrigatoriamente entrar em vigor. Vinte e dois anos! E a aceitação do “acordo” continua a ser difícil… Essas dificuldades poderão ter diversas causas: alguma animosidade perante uma inovação; negação do que venha alterar hábitos de anos e anos. Embirração com “modernices”. Um certo nacionalismo, que encara com má vontade o que considera serem “cedências” aos Brasileiros numa área em que nós é que somos os “donos da Língua”; porque se considera que “a Língua é nossa” e não temos nada que a alterar; “eles” é que deviam “vergar-se” à nossa grafia. Oxalá não se descubra qualquer má vontade minha contra estas e outras razões que levam à rejeição do “(des)acordo”. Um livro em que encontrei boa defesa deste “acordo” é O ACORDO ORTOGRÁFICO, de Francisco Álvaro Gomes.

 

Que não se priva de, muito justamente, apontar defeitos que o “acordo” muito humanamente mas indesejavelmente tem. Com os hífenes, por exemplo, é uma complicação, que o autor também aponta e reprova. Eu aderi ao “acordo”. Mero cumprimento da lei? Não acho. Se assim fosse, revelaria seguidismo, falta de personalidade, disso seria acusado. Julgo que é concordância com os seus melhores, mais positivos aspetos. Em futuros artigos, poderei voltar a falar de alguns outros “casos” do “acordo”.

7 Comments

  1. Gostei e saliento: «O “acordo” data de 1990, só em 2012 vai obrigatoriamente entrar em vigor. Vinte e dois anos! E a aceitação do “acordo” continua a ser difícil… Essas dificuldades poderão ter diversas causas: alguma animosidade perante uma inovação; negação do que venha alterar hábitos de anos e anos. Embirração com “modernices”. Um certo nacionalismo, que encara com má vontade o que considera serem “cedências” aos Brasileiros numa área em que nós é que somos os “donos da Língua”…»COMENTO breve desde a Galiza (“española”):1.º Não procedem assim na Hispanofonia e não acho que o motivo desse não proceder, pela parte “española” (RAE) seja o maior número de habitantes do Reino face ao das Repúblicas hispanas.2.º O Reino e a sua RAE (Real Académia Española) entenderam que o discurso da unidade (apesar das grandes diferenças entre os diversos castelhanos) é fundamental, bem como a elaboração de um “español neutro” (à semelhança do fezeram com o inglês), para promover e tirar valores, também económicos, da língua.3.º No caso do Português ambos os problemas ou conflitos de competência e competição deveriam ser já ultrapassados, dada a esmagante superioridade do Brasil (e, noutra ordem de cousas, de Angola).4.º Mas é aí que intervém um certo ou incerto nacionalismo que me resisto a qualificar. Sim advirto muita inconsequência nos notáveis portugueses anti-acordo (por nacionalismo) e a sua rendição quase de escravos perante o Reino bourbónico, que está a esmagar a parte setentrional do berço da Lusofonia, a Galiza, até ao ponto de nela está a ser exterminado o Galego… o Português galego pelas políticas nacionalistas radicais do “notables” “espaÑoles”. Uma inconsequência a dos notáveis portugueses anti-acordo realmente nojenta…

  2. António Gil, começo pela última palavra do seu comentário – Não sei se na variante galega o adjectivo nojenta significa o mesmo que na sua principal acepção em português – que causa nojo ou repugnância, coisa asquerosa e repugnante; numa outra acepção que se usa aqui na região saloia, tem um significado moderado – a de pessoa repugnada ou que se agonia com facilidade. Ora bem, se acusa os tais notáveis portugueses de assumirem uma posição repugnante, asquerosa, chamo a sua atenção para a gravidade da acusação e para a sua inconsequência – então numa regime democrático não somos livres de defender o que quisermos? Se a acepção que usa é similar à segunda, pois é óbvio que a esses notáveis o Acordo repugna e por isso o recusam.O estado espanhol e a sua Real Academia está numa posição diferente do Estado português e da sua Academia. Por um lado, mercê da ocupação que faz de nações com cultura e história próprias, somando-as , tem uma presença mais impositiva no seio da Castelhanofonia onde, para mais, não existe um gigante como o Brasil. São situações diferentes e que por isso não faz muito sentido comparar. A Real Academia impõe aos demais países que usam o castelhano como língua oficial as suas normas. O mesmo não pode fazer a Academia das Ciências de Lisboa.

  3. Carlos Loures,Não observo qualquer imposição da RAE sobre as demais academias do castelhano, tiradas duas possíveis exceções: Porto Rico e Filipinas. Ambas academias sustidas com dinheiro público espanhol (também dos galegos…), como também, embora menos, o são outras. Pelo menos apoiadas. Mas daí a afirmar qualquer imposição… falta muito. México ou os EUA têm mais castelhano-falantes do que o Reino. E academias como a argentina, muito peso. Portanto, não nos enganemos, além da muito positiva e importantíssima liderança que exerce a RAE, o que se passa na hispanofonia é que existe um sólido e de consenso discurso (alcança a categoria de propaganda até) sobre a unidade da língua e o seu corolário: a unidade ortográfica. 22 partes acordando o melhor para todas. A defesa da unidade da língua e o instrumento básico para a conseguir, a ortografia, com o intuito de procurar a máxima utilidade linguística. Além disso, os notáveis espanhois não deixam passa nenhuma oportunidade de criticar a imposição do inglês em Porto Rico. Por citar um exemplo. Conduta muito distante do que se passa na lusofonia.

  4. «Embirração com “modernices» – Diria mais embirrações com coisas de outros tempos: eu escrevo no Português em que Saramago ganhou um Nobel há meia dúzia de anos, escrevo no Português que é língua oficial da União Europeia… E querem que comece a escrever como os brasileiros resolveram, por decreto, escrever há 85 anos? Quais eram e são os índices culturais do Brasil?Também há a questão do nacionalismo. O nacionalismo brasileiro é, de facto, muito agressivo, a xenofobia e a piada étnica omnipresente (as anedotas com os portugueses Manel e o Joaquim) e há uma expressão ortográfica desse nacionalismo (http://www.filologia.org.br/revista/artigo/5(15)58-67.html)Quanto ao resto, o modo como o A. diz que lia é o mesmíssimo como em Francês ou em Inglês se continua a escrever, já que esses países nunca tiveram quaisquer «reformas» ortográficas e as ortografias fixaram-se há mais de 200 anos… Já cá, parece haver um gosto pueril pela mudança, típico de sociedades atrasadas que não conseguem resolver os seus problemas: aqui e no Brasil, e a única coisa que não muda é o analfabetismo e a iliteracia, que cá e lá deviam ser escândalos. E a culpa não é da ortografia. Afinal, Filosofia escreve-se philosophy em inglês, philosophia em alemão, philosophie em francês. Coisa de países atrasados, já se vê. Até se estranha como é que querem obrigar as crianças a escreverem em inglês…

  5. Meu caro José Túbio , sem dúvida que o estado espanhol (a expressão reino parece-me dever ser reservada para uso interno de quem se considerar súbdito) tem uma diplomacia mais bem organizada e mais agressiva do que a de Portugal – basta comparar a permanente campanha contra a ocupação britânica de Gibraltar com o silêncio dos governos portugueses relativamente a Olivença. Porém, com todas as deficiências que se reconhecem aos sucessivos governos da República Portuguesa, há um ou outro aspecto positivo – por exemplo – nenhum chefe de Estado português, por mais estúpido que fosse, teria a ousadia de mandar calar o chefe de outro Estado de língua oficial portuguesa – Por qué no te callas ? é expressão reveladora de um sentido de superioridade imperial. É desse vestígio colonialista que falo. É muito visível nas relações do estado espanhol com as Repúblicas latino-americanas. Quem vive no reino talvez não note.

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