UM CAFÉ NA INTERNET – Cândida no Serviço Nacional de Saúde – Novas Viagens na Minha Terra– Segunda série Cap. 1 – por Manuela Degerine

 Um café na Internet

 

 

 

 

 

 

 

A Primavera que enche o campo de flores e o corpo de alegria chegou este ano em Fevereiro; encontrei-me com ela no dia 21. Sou uma caminhante desconfiada que, por exemplo, nunca se senta na relva e, como o sol é meu inimigo, usava naquele dia calças, camisola de mangas compridas, luvas e chapéu. Possuo contudo um cabelo cuja actividade ultrapassa os movimentos da cabeça… Resultou que – algures – uma carraça se agarrou ao cabelo, subiu e se fixou na nuca, por debaixo do chapéu, ao lado da orelha esquerda. Lavei o cabelo – e não reparei. Na sexta-feira, dia 25, doeu-me a cabeça atrás da orelha, toquei, senti algo estranho, puxei: encontrei-me com uma carraça na mão. No dia seguinte notei uma íngua no lado esquerdo do pescoço e, nos dias posteriores, mais duas, uma do lado esquerdo, outra do lado direito.

 

No dia 26 de Fevereiro, quando descobri a primeira pápula, telefonei a um amigo francês, que é neurologista, mas me pôs em contacto com um colega. O qual me explicou: em França quem é mordido por uma carraça vai às urgências, onde lhe fazem de imediato uma análise e prescrevem um tratamento antibiótico, pois a doença de Lyme, que pode ser mortal ou invalidante, para não ter consequências graves, deve ser tratada na fase mais precoce.

 

Dirigi-me portanto, com uma tranquila confiança, à Urgência do Hospital de S. José. Uma estudante apalpou-me o ventre, viu-me a temperatura e disse que voltasse, se tivesse febre. (Dali em diante, apontei a febre e, durante dez dias, tive 37° de manhã e 37,5 ou 38° à noite.) Doía-me a cabeça, doía-me o corpo, sofria de náuseas, dores nos intestinos e diarreia.

 

Os médicos franceses mostraram-se perplexos com o desfecho da ascensão ao hospital de S. José, a minha sorte, sublinharam eles, era as estatísticas revelarem poucas ocorrências da doença de Lyme em Portugal, por conseguinte a carraça não estaria decerto infectada; recomendaram contudo que me dirigisse à médica de família para fazer a análise. Por isso no dia 1 de Março recorri ao Centro de Saúde da Penha de França, extensão Seguros, no Largo do Intendente.

 

A minha mãe sofreu há dois anos um AVC e, sempre que se impôs eu passar por aquela médica, para ela (quando acamada) ou, mais tarde, com ela, fui recebida aos berros. A médica nunca quis ler a carta do hospital, nunca olhou para os exames feitos no hospital, nunca lhe mediu a tensão arterial, nem um olhar lhe dirigiu nunca – como se ela não estivesse presente. (Os berros foram sempre para mim.)

 

Ora no dia 1 de Março esta médica ouviu o que lhe disse: fui mordida por uma carraça há uma semana, no sábado apareceu-me isto no pescoço. Fixou-me com uma expressão teatral, tão enfática que, malgrado a situação, quase me larguei a rir.

 

– É grave?

 

Fez que sim com a cabeça. E de súbito gritou:

 

– Vá ao hospital! Vá já ao hospital!

 

 

Leave a Reply