Um café na Internet
(1948-1998)
E CORRERAM OS RIOS, Wanda Ramos
Correram como rios as palavras
altas e soltas correram os rios na gente
rios de lava Lisboa inflamada acorrendo fremente
nos dias eu se abriram vinda das faldas vertida
dos dormitórios da cintura fumegante e mecanizada
Lisboa livre acorreu
enxameadas as veias avenida da liberdade
rossio terreiro do paço Belém
– e além na outra banda absurdo o cristo:
braços em cruz impotente –
e correndo os rios cada vez mais latos
até o súbito despedaçar-se da seda contra a amurada
afundadas as olheiras da vigília entornadas
as falas em busca do nexo – e achámos esta sorte
o sangue agitado o tempo:
uníssono o nosso grito
escancarado em cada rua
em passo de estar alerta
uníssono ressoou porém mais fundo.
E assim nos pergunto que águas nos lavaram tão de dentro
e levaram alamedas da liberdade acima
que rios tão feitos de luta e punhos? alegria?
(Diário de 25/4/79)
(In Poemabril, 2ª edição , Coimbra, 1994)
Wanda Ramos – Poetisa, tradutora e ficcionista angolana, nasceu em 1948, no Dundo, e faleceu em 1998. Licenciada em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras de Lisboa, em diversos jornais portugueses. Está representada nas antologias Poemabril, Experiência da Liberdade e Companheiro Vasco. A sua obra Percursos (do Luachimo ao Luena), recebeu o Prémio de Ficção, em 1980, da Associação Portuguesa de Escritores. .