Novas Viagens na Minha Terra. Série II. Capítulo 51. Por Manuela Degerine.

  De Santarém à Golegã (continuação III)

 

 

        À sombra do milho verde? Caminho entre milheirais que não fazem sombra. De súbito, reparo… Nos píncaros de um atrelado, um homem tenta, com a pá que parece uma colher, equilibrar a pirâmide, para não perder milho no transporte. Também deve transpirar e não pouco… A vastidão do céu e da terra, as dimensões do atrelado, a tonelada de grãos de milho, tudo contrasta com a figura: ínfima, solitária e obstinada. Saudamo-nos.

 

 

        Passo por campos de couves e de pimentos. Passo por cilindros de palha espalhados no infinito. Volto a passar por milho verde, por milho seco, por milho apanhado… Parece-me que não avanço.

 

 

           A certa altura, idiota de sede e calor, desejando chegar à Azinhaga, a terra no mapa prometida, com fontes, bancos e sombras, sei-o, já lá parei, avisto umas casas, precipito-me naquela direção, peço água a habitantes, que miram a figura branca – uma aventesma. Vai para Santiago? Já outras almas aqui penaram, todas estrangeiras, todas brancas, todas sequiosas, vê-se que chegam do Inferno.

 

 

       Pensava encontrar-me à entrada da Azinhaga, embora ainda esteja em Pombalinho. Perdi a sinalização e, tonta de cansaço, não desconfio do conselho, a Azinhaga é por ali, informam os moradores, continue até ao fim da rua, vire à direita duas vezes. O costume: eles, que nunca caminham, com a melhor das intenções, mandam-me para a estrada. Acabo por voltar atrás, por passar pelos mesmos habitantes, quase aterrados, vendo-me ressurgir, lenta, branca, fantasmagórica, com a mochila e o bordão, lembrando lendas, aparições, boas, más, vá-se lá saber, vou pelo Caminho de Santiago, sublinho com voz espetral, uma senhora abre a boca querendo avisar que sozinha, por tais caminhos, volta logo a fechá-la. Abrenúncio… Credo. Para quê dialogar com almas de outro mundo?

 

 

           Encontro enfim as setas amarelas, porém tão parva vou, volto a perdê-las dali a pouco: segundo sinal de alarme. Caminho portanto parte dos últimos quilómetros à beira da estrada. E, com estas idas e voltas, não acrescentei nada menos de dois quilómetros à etapa do dia.

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