Globalização e Desindustrialização – 4ª Série. Por Júlio Marques Mota.

Capitulo I. Retratos da Desindustrialização

 

1.11- Porque é que os Estados Unidos nunca, nunca jamais, irão construir o iPhone

 

Não é apenas porque os salários são baixos. A China tem operários mais qualificados e está no centro da cadeia de abastecimento global.


Neste fim de semana, o The New York Times publicou uma longa análise das muitas razões pelas quais a Apple escolheu a China para fabricar os seus iPhones. A peça é leitura indispensável para quem quer entender porque razão os Estados Unidos têm visto certos segmentos e produtos da indústria transformadora desaparecerem da sua produção local. Mas a lição central do artigo pode ser difícil de engolir: a Apple não só escolhe a China porque o trabalho é mais barato. A Apple também escolhe a China, porque as fábricas e os trabalhadores fazem um trabalho melhor.


Aqui estão quatro lições básicas que podemos aprender com a produção da Apple:


A mão-de-obra barata não é a questão

 

 

Não há dúvida de que os baixos salários da China fazem parte das vantagens que a China oferece, mesmo que estes tenham estado a crescer. De acordo com o NYT, a produção do iPhone nos Estados Unidos levaria a um custo adicional de 65 dólares por unidade. Para se ter uma melhor perspectiva do significado deste valor, isto significaria 10 por cento do preço no consumidor para o mais barato dos iPhones, o 4S. Dadas as enormes margens de lucro em produtos da Apple, a empresa poderia absorver esse custo extra e ainda sair com um lucro razoável. Mas é difícil imaginar razões para que façam este sacrifício.


O custo do trabalho, porém, é apenas uma pequena parte do que torna a China um lugar de eleição para produzir o iPhone. Depois de ter estado anos a produzir os seus computadores na Califórnia, a Apple começou a deslocalizar a sua produção depois do quase colapso da empresa na década de 90. Esta opção foi tomada por Tim Cook, agora CEO da empresa, e na altura o seu chefe de operações. De acordo com o NYT:


Para Cook, o interesse na Ásia ” resultava de duas coisas”, disse um antigo alto-funcionário da Apple. As fábricas na Ásia “podem aumentar ou reduzir a escala de produção muito mais rapidamente” e “as cadeias asiáticas de abastecimento ultrapassaram as americanas nos Estados Unidos “. O resultado é que “não podemos competir a este nível “, disse este director.


O que é que significa “scale up” mais rápido? Relativamente à Foxconn, a quem o monstro da indústria transformadora global que é a Apple paga para montar os seus produtos, é a capacidade de contratar milhares de novos trabalhadores num só dia. É ter a capacidade de acordar 8.000 empregados durante a noite, de os reunir tendo-os disponíveis  em dormitórios e ordenar-lhes uma mudança de turno à meia noite para rapidamente irem instalar visores em vidro reforçado para ecrãs de telefones. Na China, os salários dos trabalhadores são baixos e os trabalhadores são abundantes, e – mais importante ainda – com uma mentalidade espantosamente dócil e em termos que a cultura da América e as suas leis de trabalho quando bem aplicadas simplesmente nunca permitiriam. Sim, o tratamento notoriamente duro de Foxconn para com os seus trabalhadores levou a uma bem conhecida vaga de suicídios. Mas quantos americanos no século 21 poderão ver disponíveis, seja sob que circunstâncias forem, para viverem num dormitório da General Motors?


A segunda metade da equação de Cook – as cadeias globais de abastecimento – pode ser ainda mais importante. Nós gostamos muito de falar sobre a forma como o mundo é plano, mas na realidade, ainda é necessário um mês para enviar bens dos EUA para a China. Porque a Ásia é o centro de fabricação das componentes electrónicas, as fábricas chinesas podem assumir partes cruciais do processo produtivo por ser mais rápido e mais barato, se estas componentes vêm de uma fábrica de semi-condutores perto dali ou mesmo se vêm de uma fábrica Samsung na Coreia do Sul. As fábricas locais chinesas também produzem pequenas peças em metal como por exemplo pequenos parafusos sem os quais não se pode construir um iPhone,  uma pequena mas importante vantagem. Os Estados Unidos estão completamente desligados destas linhas de abastecimento. Logisticamente, faz mesmo menos sentido produzir aqui um gadget de alta tecnologia.


Melhorar o sector da Educação não é enviar mais gente para Harvard


A vantagem da China em termos de trabalho vai muito para além dos trabalhadores de baixa qualificação que fazem o trabalho indiferenciado de estar a colocar peças no iPhones. O país também se destaca nos níveis de educação e formação média ou intermédia  como por exemplo os agentes técnicos ou formações superiores curtas na indústria. Estes não são alunos graduados por Stanford e não serão pois capazes  de projectar a próxima geração do IPAD. Não, em vez disso, eles são parecidos com os alunos dos primeiros anos das universidades regionais que têm as competências técnicas para gerir a linha de produção de iPad. Como observa o Times:


Os directores de Apple tinham estimado que cerca de 8.700 engenheiros industriais seriam necessários para supervisionar e orientar a linha de montagem de 200 mil trabalhadores que possivelmente estariam envolvidos na fabricação dos iPhones. Os analistas da empresa havia estimado que seria necessário gastar até cerca de nove meses para encontrar esta quantidade de engenheiros qualificados nos Estados Unidos.


Na China foram necessários apenas 15 dias.

 

Estes tipos de estatísticas deve pôr em evidência, fria e claramente porque é que o sistema educacional da América tem numa tal desvantagem quando se trata de falar em indústria. O problema não é a falta de elites altamente qualificadas. Temo-las. É a nossa classe de trabalhadores não qualificados.


Tem sido amplamente divulgado que as escolas chinesas formam cerca de 600.000 engenheiros por ano, contra cerca de 70.000 nos Estados Unidos. Alguns têm tentado minimizar a gravidade dessa lacuna, apontando que cerca de metade dos engenheiros chineses têm o equivalente a um grau de 2 anos de curso superior. Isso pode ser verdade. Mas também é errar na questão. A China aprendeu a produzir graduados de nível médio com sólida formação técnica que são cruciais nos processos de fabrico modernos. Os  Estados Unidos precisam de aprender a fazer o mesmo se quiserem continuar a ser uma força na indústria transformadora no futuro. O nosso objectivo imediato não deve ser a preparação de mais estudantes para Harvard, Penn State, ou University of Central Florida. O nosso primeiro objectivo deve ser o de encontrar uma maneira de garantirmos que mais de 25% dos alunos que se matriculam nas Faculdades  regionais comunitárias se formem realmente no espaço de 3 anos


Questões relativas à política industrial


O NYT conta que quando a Apple andava a procurar uma nova fábrica para cortar o vidro de alta resistência para os seus ecrãs do iPhone, visitaram uma fábrica chinesa que já havia construído uma nova ala para o trabalho na expectativa de que poderia ganhar o contrato. Era capaz de suportar a dispendiosa aposta devido aos subsídios do governo chinês.

 

Nos Estados Unidos, é claro, a maioria das fábricas não poderia ter contado com o governo americano para o mesmo tipo de apoio. Aqui, os conservadores gostam de argumentar que o governo não deveria estar no processo de ” selecção dos vencedores e dos perdedores.” Mas é isso o que os nossos concorrentes têm estado a fazer desde há décadas e com grande sucesso. Tanto a Alemanha como o Japão são países que se levantaram das cinzas da Segunda Guerra Mundial e se reconstruíram como potências industriais em grande parte graças à cuidadosa gestão da política industrial do governo. A China tem feito o mesmo no século 21. No entanto, como o escândalo em torno de fabricante de painéis solares Solyndra nos mostrou, uma grande parte da população americana está ainda profundamente pouco à vontade com esta ideia de uma política industrial.


A parte irónica é que, embora os conservadores se oponham à ideia de uma política federal industrial activa, eles são muito confortáveis ​​com ela ao nível estatal. Os Estados do sul como Alabama e Tennessee ganharam  uma grande arte em atrair cadeias de montagem de automóveis de empresas estrangeiras com a promessa de milhões em incentivos fiscais e outras regalias. Em vez de colocar o forte e inigualável peso do governo federal a funcionar como grande suporte da nossa base industrial, temos apenas esforços dispersos por 50 estados.


Quando e para onde a Apple vai, os outros também vão


Os fabricantes têm o hábito de acompanhar quem está na liderança do processo industrial. Ou mais precisamente, seguem o cliente, especialmente quando o cliente é outra empresa industrial.


De novo, isto é o resultado natural da necessidade de estar perto da cadeia de abastecimento. O artigo do NYT centra-se em Corning, empresa situada a norte do estado de Nova York que produz o vidro de alta resistência utilizado nos ecrãs do iPhone e de outros smartphones que deslocaram grande parte da sua produção para o Japão e para Taiwan, a fim de estarem mais perto de seus compradores.

 

Os nossos clientes estão em Taiwan, Coreia, Japão e China “, disse James B. Falhas, presidente da Corning e vice-director financeiro.” Nós poderíamos fazer o vidro de alta resistência  aqui, e então enviá-lo de barco, mas isso  leva 35 dias. Ou, poderíamos enviá-lo por via aérea, mas isso é 10 vezes mais caro. Então, vamos construir as nossas fábricas de vidro na porta ao lado para as fábricas de montagem  e não no seu exterior.


Como mostra a história de Corning, as indústrias estão muitas vezes ligadas de maneiras inesperadas. Porque a fabricação de produtos electrónicos de consumo  final  se deslocalizou, os Estados Unidos estão  agora a perder empregos na produção de vidro de alta resistência. Se uma empresa como a Apple se desloca para o exterior, as outras empresas acompanham-na.


Jordan Weissmann, Why the United States will never, ever build the iPhone, The Atlantic, 24 de Janeiro de 2012.

 

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