O último post fez-me reflectir sobre a outros aspectos da guerra colonial. Tinha eu 16 anos e tinha um amigo na Guiné que me enviava longas cartas, naquele papel fininho, escritas a tinta permanente e numa letra gorda. Contava-me o seu sofrimento e as coisas que ia vendo, fazendo, ouvindo… Eu não percebia quase nada, limitava-me a ser o receptáculo que ele escolhera, sabe-se lá porquê. Não faço ideia o que lhe respondia…
Foi preciso um outro amigo, Mário Brochado Coelho, publicar as suas Lágrimas de Guerra (Porto, 1989, Afrontamento), livro corajoso pelo abrir público do seu peito para eu me aproximar um pouco do que foi viver aqueles períodos. Diz ele : “É o lavar dos cestos de um conjunto de infelicidades pessoais que todos os meus familiares e amigos em Portugal estão longe de supor ou avaliar. Umas coisas não se contam para não assustar, e outras por serem perigosas de contar, graças à tradicional violação da correspondência. Por essas e por outras razões, acho perfeitamente natural que nas cartas que vêm de Portugal haja sinais evidentes de um total alheamento, cómico por vezes” (pag.: 219).
Um outro livro África no Feminino , de Margarida Calafate Ribeiro (Afrontamento, Porto, 2007), aborda a vivência e a memória da Guerra Colonial, da mesma forma que o filme de Marta Pessoa, a partir da perspectiva das mulheres portuguesas que acompanharam os seus maridos.
A Revista Crítica de Ciências Sociais ( 68, Abril 2004: 3-6) debruça-se igualmente sobre este tema, ao publicar as comunicações do colóquio “As Mulheres e a Guerra Colonial”, organizado pelo Centro de Estudos Sociais em colaboração com o Centro de Documentação 25 de Abril e realizado na Universidade de Coimbra, nos dias 22 e 23 de Maio de 2003.
Não consigo imaginar o que é ter um familiar na guerra colonial e estar, na “metrópole” à espera de uma carta, a aguentar a vida familiar sem o auxílio do marido no caso das mulheres, à espera de uma má notícia das entidades oficiais. Ou ver um familiar exilar-se no estrangeiro para não ter que “ir à tropa”, uns mais afortunados indo por bons meios, outros tendo de “dar o salto” atravessando fronteiras com todos os riscos inerentes.
Não consigo imaginar um familiar de volta com os traumatismos de guerra mais exacerbados e tornando-se um elemento perturbante da vida familiar e fonte de crise, sem ter as ajudas que lhe seriam devidas.