GIRO DO HORIZONTE DEMOCRACIA E DISCURSO SIMULADO – por Pedro de Pezarat Correia

 Carlos Loures lança-me dois desafios, a propósito do meu GDH de 26 Mar, que não posso ignorar. De facto, a situação internacional é de grande tensão mas extremamente complexa e os responsáveis políticos recorrem em público a um discurso simulado (na imagem feliz de saudoso César de Oliveira) que não só é de difícil descodificação, como lhes permite que perante uma dada situação actuem de uma forma ou de outra absolutamente inversa, escudando-se para não correrem o risco de serem acusados de violarem compromissos.

 

É certo que Barack Obama, em Seul, voltou ao discurso do “mundo livre de armas nucleares” com que inovara em Praga em 5 de Abril de 2009 e tantas esperanças suscitou, mas por outro insistiu no ataque ao Irão que tanto agrada ao loby judaico, a Israel e, em geral, aos belicistas de todos os quadrantes que se embriagam com o cheiro a pólvora. Eu não diria que é um cenário semelhante ao que precedeu a agressão ao Iraque em 2003, porque o actual é mais ambíguo. Mas concordo que se podem encontrar paralelismos na obsessão para encontrar ou, na sua falta, para fabricar provas que justifiquem o ataque preventivo.

 

Creio que a situação actual é especialmente afectada pelo ambiente pré-eleitoral nos EUA e que condiciona os discursos (mais o do presidente-candidato do que os dos outros candidatos). Uma coisa é o que se diz para ganhar votos, outra o que se planeia fazer uma vez eleito. A pseudo fuga da conversa privada entre Obama e Medvedev, em Seul, é exemplar. Mas será que há conversas privadas entre líderes políticos em plenas reuniões oficiais? E, com tanta experiência política dos actores, com tantos assessores e especialistas por perto, será credível a tese da fuga involuntária para microfones indiscretos? Ou será que tudo foi encenado para deixar passar uma mensagem que não podia constar do discurso oficial? Evidentemente que tudo isto são especulações, mas começo a desconfiar de tantas e repetidas inadvertências captadas por jornalistas oportunamente colocados e que vão alimentar os cabeçalhos da comunicação social…

 

Está também aqui em causa o problema da democracia representativa. A forma como os anos de eleições condicionam o comportamento dos políticos demonstra que, em democracia, a conquista do poder se transforma no objectivo prioritário da política, sobrepondo-se ao exercício desinteressado do poder, nomeadamente ao entendimento da prática política como a busca, definição e gestão de medidas para solucionar os problemas da “polis”. É uma questão de grande actualidade e que na Viagem dos Argonautas já foi tratada quando se debateu “O futuro da democracia em Portugal”.

 

Não sobra espaço para tratar o problema dos escudos anti-mísseis, que Carlos Loures coloca, que foi o tema dos “segredos” entre Obama e Medvedev e que é central nas relações EUA-Rússia, porque pode pôr em causa toda a estratégia da dissuasão nuclear que conseguiu travar o uso da arma nuclear a partir do momento em que deixou de haver monopólio na detenção da bomba. Mas é tema que abordaremos em breve oportunidade.

Leave a Reply