2.8 Repensar a Teoria do Comércio Internacional, repensar a Política Comercial, por Thomas I. Palley – I
Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
Ralph Gomory e William Baumol (2000) e Paul Samuelson (2004), levantaram recentemente algumas sérias questões e preocupações sobre o impacto futuro do comércio internacional sobre a economia dos EUA e sobre a evolução do rendimento nacional. Termos Gomory, Baumol e Samuelson, a quem me refiro como GBS, a falarem sobre o comércio internacional, isto é um acontecimento altamente importante e significativo. Gomory é presidente da Fundação Alfred P. Sloan. Baumol é um renomado teórico da microeconomia e ex-presidente da American Economic Association, enquanto Samuelson é um dos criadores da moderna teoria das vantagens comparadas, que foi amplamente utilizada para explicar e justificar o comércio internacional (Samuelson 1948, 1949).
Estas questões levam-nos de imediato assinalar dois pontos importantes:
Ponto 1- o questionamento destes autores, GBS, sobre a evolução do comércio actual não tem nada a ver com o proteccionismo. Estes autores, GBS, são fortes defensores da livre-troca, acreditando todos eles que com o comércio internacional há ganhos para serem distribuídos por todos. O que fica em aberto é saber a dimensão desses ganhos e como é que a sua distribuição entre os países podem mudar ao longo do tempo. Isso levanta questões políticas fundamentais sobre o que pode ser feito para maximizar a participação dos EUA nos ganhos resultantes do comércio e como é que este país os pode manter. Esta questão é a sua maior preocupação.
Ponto2- estes autores são teóricos quer da microeconomia quer do comércio internacional. Estes utilizam a teoria pura do comércio internacional, a que justifica a política comercial actual, para questionarem algumas crenças bastante comuns. Estudos empíricos que se centram sobre o emprego e sobre o défice da balança comercial não são suficientes para fazerem mudar a política comercial. As críticas também devem ser acompanhadas por argumentos teóricos, e é isto que GBS nos têm proporcionado.
A Contribuição GBS para o Debate sobre o Comércio
Antes de nos envolvermos com a substância da análise GBS, vale a pena distinguir a base da sua argumentação sobre algumas das existentes críticas que no plano teórico são feitas à teoria do comércio internacional. Primeiro, a sua argumentação não é sobre os impactos adversos de distribuição da distribuição do rendimento derivada do comércio internacional. Estes efeitos são amplamente compreendidos, e Samuelson também fez contribuições pioneiras para esta área da teoria do comércio internacional no seu trabalho com Wolfgang Stolper (1941). De acordo com o teorema de Stolper-Samuelson, o factor que é relativamente escasso no equilíbrio pré-trade perde quando um país se abre ao comércio internacional. No caso dos Estados Unidos, isto significa que os trabalhadores americanos perdem, já que implicitamente eles se tornam parte de um mercado de trabalho global. O efeito de redistribuição de rendimento continua em vigor, mas é distinto das novas preocupações levantadas pelo GBS.
Em segundo lugar, a argumentação de GBS não é sobre os salários e deslocalização do emprego causada pelo rearranjo de padrões de produção dos países rearranjos estes feitos de acordo com o princípio das vantagens comparadas. Tais perdas salariais têm sido bem analisadas pelo Institute of International Economics (Kletzer and Rosen 2005), que propuseram mesmo um seguro-salário como forma de compensar aqueles que são economicamente atingidos pela globalização. Os custos das deslocalizações de trabalho induzidas pelo comércio internacional e no caso de seguro para o salario permanecem reais e presentes, mas eles também são distintos, e complementares, relativamente às novas preocupações de GBS.
A nova questão levantada por GBS é sobre a evolução dinâmica das vantagens comparadas e o resultante impacto sobre a distribuição dos ganhos do comércio. A teoria das vantagens comparadas diz que há ganhos do comércio para a economia global como um todo. No entanto, a distribuição dos ganhos entre os países depende da procura e das condições de oferta que determinam os termos de troca (isto é, o preço relativo das importações e exportações), e essas condições podem mudar.
Um factor crítico é a estrutura global da procura. Um país beneficiará tanto mais com o comércio, quanto a procura internacional pelos seus produtos for forte, pois isso irá fazer subir o preço das suas exportações. Um segundo factor é a evolução da oferta. É possível que o crescimento rápido da oferta numa base global possa prejudicar o país levando à descida do preço das suas exportações.
Esta última possibilidade foi pela primeira vez identificada por Harry Johnson (1954, 1955) e, posteriormente, desenvolvida por Jagdish Bhagwati (1958), enquanto o trabalho empírico de Hans Singer (1950) e o de Raul Prebisch (1968) sobre o declínio dos preços das matérias-primas em relação aos produtos manufacturados deu significado operacional à existência de uma política comercial. O trabalho de Johnson-Bhagwati, em seguida, gerou uma literatura política, que mostrou como os países cuja produção tem um impacto sobre os preços globais podem usar as tarifas de exportação para “trabalhar” os termos de troca a seu favor, e assim, capturar ganhos adicionais provenientes do comércio internacional.
No mundo pós II Grande Guerra, os Estados Unidos ganharam relativamente bem com o comércio internacional: o capital global era escasso, a procura por bens de capital foi forte, e os fornecedores de bens de capital eram relativamente poucos. Isso significava que os Estados Unidos desfrutavam favoravelmente dos seus termos de troca e capturaram uma boa parte dos ganhos advindos com o comércio internacional. A questão é se isto se poderá continuar ao longo dos próximos 50 anos?
O anterior trabalho de Johnson (1954, 1955) e de Bhagwati (1958) centraram as suas análises sob os efeitos das inovações técnicas internas, sobre os termos de troca e sobre a distribuição de ganhos com o comércio. GBS mudam o centro de interesses e examinam as implicações da convergência económica alcançada por países seus concorrentes. Admite-se geralmente que todos os países beneficiam do progresso tecnológico de um país, uma vez que este expande a fronteira de possibilidades de produção global (FPP) (1). No entanto, verifica-se que, enquanto é verdade que a FPP global se expande, não é necessariamente verdade que todos os países beneficiem com essa expansão. Este é um resultado teórico importante.
A preocupação de Samuelson, desenvolvida no contexto do debate sobre a deslocalização internacional e o comércio com a China, é a de que o aumento da produtividade dos parceiros comerciais estrangeiros pode diminuir a parcela de ganhos dos Estados Unidos derivados do comércio internacional. A lógica económica é a seguinte. Como a China converge para o nível dos Estados Unidos na produção de bens em que os Estados Unidos têm estado historicamente especializados (e consegue-o através dos seus próprios esforços inovadores ou através de empresas americanas que externalizam a sua produção para a China ou para aqui se deslocalizam), a oferta global cresce e faz descer os preços de exportação dos EUA, agravando assim os termos de troca dos EUA. Embora os Estados Unidos ainda beneficiem com o comércio, os seus ganhos podem ser inferiores aos ganhos obtidos antes da China ter estado a recuperar o atraso.
Gomory e Baumol exploram temas semelhantes e num ambiente em que as empresas também têm economias de escala internas, de modo que os custos médios unitários caem quando o volume de produção aumenta. Como no modelo de Samuelson, o seu contexto é um mundo de pleno emprego – os problemas do comércio que eles [i]Identificam não são devidos ao desemprego – e a introdução do desemprego apenas leva a rearranjar o leque das suas preocupações.
As economias de escala significam que cada bem é produzido por um único e só país. Gomory e Baumol assumem que todos os países tenham acesso à mesma tecnologia. Que bens cada país produz depende de quem é o primeiro a descer na sua curva de custo e a ganhar uma vantagem de custo que bloqueie os outros produtores. Este bloqueio significa que múltiplos equilíbrios são possíveis e que o equilíbrio prevalecente depende de que país adquire uma vantagem de partida num particular sector.
Equilíbrios múltiplos significam que é apenas por acaso que o equilíbrio prevalecente maximiza a produção mundial, pois a alocação da produção entre os países pode ser globalmente ineficiente. Por exemplo, um país pode obter uma vantagem inicial num grande número de indústrias, bloqueando novos operadores nessas indústrias. Consequentemente, a escala de produção é muito pequena para a economia global. Nesta situação, a reorganização da estrutura de produção pode beneficiar todos os países, expandindo a escala nalgumas indústrias e reduzindo-a noutras.
A título de exemplo, considere-se o caso em que existem dois países idênticos e quatro indústrias, e os países estão na situação de pleno emprego. Suponha-se que o equilíbrio inicial tem um país 1 a controlar as indústrias de 1 a 3, e o outro país 2 com controle da indústria de 4. Neste caso, a escala é muito pequena nas indústrias de 1 a 3 e demasiado grande na indústria 4. Um plano de produção superior, que amplie o rendimento global teria cada país a produzir dois bens, ampliando a produção nas indústrias de 1 a 3 e contraindo a produção na indústria 4.
(Continua)