Aos leitores de A Viagem dos Argonautas a propósito de um postal a Durão Barroso – I

Por Júlio Marques Mota

 

Publiquei com a contenção possível de uma raiva brutal, que me assola e desconsola, um postal virtualmente dirigido a Durão Barroso onde sublinhava que tanto ou mais importante que a crise da dívida pública é a crise subjacente, é a crise que a da dívida pública gerou a que demos o nome de tsunami silencioso e este foi gerado como consequência lógica de um modelo de política seguida, o modelo de político seguido pela actual Comissão Europeia.


Nesse quadro referiam-me até a uma longa carta enviada há mais de ano ao mesmo destinatário virtual e real uma vez que essa teve resposta em que descrevia com alguma minúcia o tsunami silencioso que durante décadas “construiu” a desconstrução desta nossa Europa e era essa desconstrução que a seguir passou a ser acelerada ainda mais pelas políticas socialmente criminosas de austeridades que aos países mais fracos e indefesos têm estado a ser impostas.   

 

Nesse postal referia-me aos paraísos fiscais nos seguintes termos:


“Curiosamente, até a defesa dos paraísos fiscais, via ministro das Finanças do Luxemburgo exigiu essa igualdade de tratamento, entre os paraísos fiscais de dentro da União e os paraísos fiscais de fora da União. A igualdade de vantagens e como não se podia mexer nos paraísos fiscais externos à União então também não se mexia nos que pertenciam à própria União e ficamos assim todos no mesmo plano: a concorrência desenfreada para todos.”

 

Hoje, porém, ao procurar fazer a minha leitura dos jornais internacionais deparo-me com duas coisas importantes, um enorme escândalo que pode rebentar à volta de um grande paraísos fiscal e sobre esse paraíso fiscal, a Suíça, o silêncio da Comissão Europeia é um silêncio de chumbo o que é, de resto, habitual nesta Instituição quando se fala do direito de quem trabalha, e um segundo caso, as declarações do Presidente da Renault à volta do valor da taxa de câmbio.


No nosso postal denunciámos a política de inactividade da União Europeia que não seja outra coisa que a sua brutal submissão aos mercados. No caso cambial costuma-se até dizer que o banco central Europeu tem como política cambial a política cambial que os outros fazem (Jean-Paul Fitoussi), quando a taxa de câmbio seria uma ferramenta fundamental na política da concorrência e na política comercial inclusive, dada a submissão essa também total da União à lógica neoliberal da OMC…


No nosso postal denunciámos a política de inactividade da União Europeia e denunciámos o cerco a que iria ser sujeita a indústria alemã das energias renováveis pela China e que a este cerco não seria estranho a aquisição da EDP.

 

Industrialização ( em algures) ou desindustrialização  da Europa

 

1. Vejamos primeiramente o que nos diz o Presidente da Renault:

 

 

A política industrial da União Europeia ou da  Renault?

 

“Estamos a 82 ienes por dólar, isso é melhor do que 76 ienes por dólar, mas está ainda muito longe de um nível neutro que consideramos ser á volta de 100 ienes por dólar (…) “


“Isso é um enorme obstáculo para todos os exportadores japoneses [o que leva muitos] a deslocalizar a sua produção para fora do Japão”, declarou na quarta-feira o Presidente da aliança Renault – Nissan, Carlos Ghosn. O fabricante japonês está em vias de deslocalizar a produção do seu carro eléctrico Leaf para os Estados Unidos e para o mercado norte-americano o que vai “reduzir os custos” e, portanto, vai permitir “gradualmente” preços mais baixos para impulsionar as vendas, disse. ” Nós iremos assistir a um aumento das nossas vendas [de Leaf] uma vez que este seja produzido nos Estados Unidos.”


“Em Agosto, a bateria será fabricada no Tennessee [no Sul] e depois o carro será montado nos Estados Unidos, acrescentou ele, lembrando que para o mercado europeu a produção de Leaf será recentrada no Reino Unido.” “Quando nós planeámos esta estratégia colocamos o preço do petróleo em 80 dólares o barril, mas agora este está a mais de 100 dólares”. Não há nada que ponha em causa esta nossa estratégia para desenvolver uma linha inteira de carros como a zero de emissões. “Amanhã nós iremos mostrar um novo carro Infiniti (marca de luxo da Nissan) com zero de emissões”, ele insistiu. Enquanto General Motors, GM, e PSA Peugeot, construtor francês, assinaram uma nova Aliança no mês passado, Ghosn afirmou que Renault e Nissan ” continuam a desenvolver sinergias para 1,5 a 2 milhares de milhões de dólares anualmente.”


O valor comercialmente agressivo do dólar no centro do problema, o valor da libra em queda também face ao dólar e ao euro, um outro dado na política industrial ou na política desindustrializante. 


Sobre a taxa de câmbio afirmava-se num jornal internacional:


A saída da crise na zona euro passa por uma baixa bem acentuada da cotação do euro afirma Frédéric Leroux, gerente global em Carmignac Gestion. «Sem esta baixa, as políticas orçamentais só por si estão condenadas ao fracasso, como muito bem o mostra o caso espanhol”


Antes da crise, a taxa de câmbio “justa do euro” foi estimada em cerca de 1,15 dólar, em especial utilizando o método de “de paridade de poder de compra” (comparação de preços). O crescimento dos países da zona euro foi assim, foi reduzido nos últimos anos porque estes tinham que ser “supercompetitivos” para se adaptarem a uma moeda muito sobrevalorizada, não só contra o dólar mas ainda mais contra o yuan chinês, em que a taxa de câmbio é definida pelas autoridades. Produzir na área do euro, foi, portanto, produzir com uma enorme desvantagem competitiva. E continua a ser assim.


Mas entretanto o euro esteve em média no mês de Março de 2012 cotado 1,3201 dólares por euro e o dólar  era cotado hoje a 82.279 JPY. 

 

(Continua)

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