Na aldeia das peixeiras havia um ladrão que se chamava Bafo de Onça. Ele roubava tudo graças ao seu bafo. O bafo era tão aterrador que todos desmaiavam.
Ora,há muitos dias que o Bafo não aparecia na aldeia e por acaso era o dia das peixeiras receberem o seu ordenado. E , como não era muito difícil de perceber, o Bafo apareceu. Ele disse primeiro, simpaticamente – Dêem-me o vosso dinheiro!
Ora as peixeiras que ganhavam o dinheiro trabalhando mês a mês, disseram imediatamente – Nem penses!
O Bafo de súbito lançou no seu bafo de furacão e elas desmaiaram logo. E o Bafo roubou o dinheiro à vontade.
Mas, quando se ia embora, o Chefe da Polícia que se chamava Cintra e os seus ajudantes tentaram capturá-lo. E
atacaram em força!
Mas o Bafo que não ficou feliz deitou o bafo-foguetão e caíram todos redondos num segundo. Todos menos o Chefe Cintra que conseguiu escapar ao bafo do Bafo! Ele chamou pelo telemóvel o Zé Chulé. O Zé Chulé era um vadio que morava na Central do Lixo. E claro já estava habituado aos maus cheiros. O Chefe Cintra foi busca-lo e o Zé Chulé, pela primeira vez na sua vida, andou de carro.
O Chefe disse-lhe : Se tu capturares o Bafo ficas membro da Polícia. E ganharás muito dinheiro. E ainda por cima serás um herói!
O Zé Chulé chegou à aldeia das peixeiras e o ar estava empestado. E de repente o Chefe Cintra desmaiou.
Agora, era Bafo contra Chulé! Bafo atirou com um dos seus bafos demoníacos, mas Chulé resistiu. Bafo atacou de novo com o bafo-paraquedas. E o Chulé resistiu mais uma vez. Então, o Bafo teve uma ideia: lançou todos os bafos juntos! Mas o Zé Chulé conseguiu resistir.
Mas o Bafo mandou o seu bafo mortal… E foi aí que o Zé Chulé tremeu um pouco. Mas continuou em força e atacou com a sua arma secreta: tirou o sapato e a ameia e atirou o sapato para o chão e a meia para o nariz do Bafo de Onça.
E então virou-se o feitiço contra o feiticeiro! O cheiro era tal que o Bafo ficou paralisado…
O Chefe Cintra que tinha acordado, juntamente com os seus ajudantes, meteu-o imediatamente no xadrês.
As peixeiras ficaram com o seu dinheiro e o Zé Chulé mudou de nome: passou a chamar-se Zé herói!
Este texto foi escrito por uma criança que nos chegou às mãos (Centro Doutor João dos Santos – Casa da Praia) com 9 anos de idade por graves problemas de instabilidade, comportamentos destrutivos na escola e dificuldades nas aprendizagens. Tinha sido um bebé agitado que necessitara de calmantes aos 4 meses, filho único, abandonado pelo pai ao ano de idade. Mostrava grande vontade de conhecer o pai. Já no apoio, dizia “Não faço, não quero!”, só trabalhava com um adulto ao lado, recusava desenhar, mostrava dificuldade em fantasiar e em imaginar histórias.
Ora, fazer pinturas e imaginar as suas histórias é precisamente um dos métodos que utilizamos. Garanto-vos que a história é todinha da autoria do F. Tirando os erros ortográficos que não costumamos corrigir na primeira versão, para não cortar o pensamento da criança. Como costumam ir eles próprios passar os textos no computador é então que se confrontam com as suas falhas. Não comento a ingenuidade do F. A escolha da profissão “peixeiras” quando já quase não existe talvez seja também pelo mau cheiro. Mas que o encadear é engraçado é. E o mostrar a história, ou representá-la, o levar para a escola e para casa, com o reconhecimento do seu valor e do seu esforço, constituiu um reforço à auto-estima que leva a querer fazer bem, a querer aprender, a querer progredir. E, quem sabe, a encontrar os seus talentos.
Obrigado, Clara, por nos trazeres esta história. Talvez a criança, ao contá-la escrevendo-a, tenha encontrado um caminho, que talvez seja, quem sabe?, o de vir a contar-nos muitas outras.