Capitulo III. Alguns retratos mais sobre a globalização, sobre a desindustrialização
Selecção e tradução por Júlio Marques Mota
1. Será que se pode na verdade consumir produtos que sejam 100 % francês?
Dominique Gallois et Cédric Pietralunga, Le Monde 26.03.2012
De regresso de Londres, Virginia e Philippe – o nosso casal fictício que passou a viver numa pequena vivenda fora de Paris – tinham estabelecido uma prioridade, neste ano de eleições: comprar apenas produtos franceses, fazer activismo económico. Um desejo muito em voga, enquanto a crise e o desemprego fazem ganhar consciência dos danos causados por uma desindustrialização que começou na década de 1980 e que não deixa de continuar a aumentar.
A França perdeu mais de um quarto dos seus empregos industriais desde 1991, de acordo com a empresa Roland Berger. De repente, o “made in France” está no centro dos debates das eleições presidenciais e será sem dúvida evocado no Salão da Indústria a realizar-se de 26 a 30 de Março no Parque de Exposições de Villepinte Paris.
Hoje, quase que dois em cada três franceses estão dispostos a pagar mais caro por produtos feitos em França, de acordo com o Centre de recherche pour l’étude et l’observation des conditions de vie (Crédoc),, contra menos de metade há cinco anos. Desde que o aumento não exceda 5%.
Mas para tal é ainda preciso saber identificar o que é “made in France”! Qualquer produto pode assim ser considerado se uma parte de seu processo de fabricação tiver sido realizada em França. “Hoje, o consumidor só pode andar a tactear.” Não há nenhuma norma própria, com um caderno de encargos que seja claro, reconhece Edouard Barreiro, chefe de estudos em UFC – Que choisir. “Com exclusão dos vinhos AOC e dos queijos ninguém pode estar seguro de estar a comprar puramente francês.”
Virginia deu-se conta desta realidade quando andou por diversas lojas de móveis. Em um sector em que dois terços dos equipamentos são importados, “os franceses estão na produção ou de produtos baixo de gama, com mobiliário proposto em kit pela grande distribuição, ou então estão no topo de gama”, explica Christophe Gazel, director-geral do l’Institut de prospective et d’études de l’ameublement (IPEA).
No primeiro caso, o custo do trabalho é baixo, entre 4% e 10% do preço de fabricação dos painéis em aglomerado, é melhor produzir localmente, em vez de pagar custos significativos em termos de logística. No segundo caso, existe o saber-fazer francês… que não preço, é bem conhecido.
Os sofás Duvivier são assim fabricados em Poitou e os do grupo Roset (marcas Roset e Cinna) em Ain. Mas a concorrência também pode ser intensa na gama mais baixa. O francês Green Sofa Dunquerque foi agora colocado colocada sob administração judicial, depois da saída do seu principal cliente, a firma sueca Ikea.
Na produção de mobiliário de cozinha, aqueles que resistem são industriais que desenvolveram os seus próprios circuitos de distribuição. Mas isso requer uma malha bem serrada. “Os clientes não querem gastar mais de 25 minutos de viagem para comprar uma cozinha”, observa Anne Leitzgen, Presidente da Société alsacienne de meubles (SALM, conhecida por suas marcas Schmidt e Cuisinella. E esta é, de acordo com os profissionais, a única maneira de resistir ao rolo compressor Ikea, que arrasa toda a gente com as suas cozinhas a baixo custo.
“Elemento de diferenciaçâo”
Pelo lado dos electrodomésticos produzir francês é “um elemento de diferenciação positiva”, diz Thomas Raffegeau, director de marketing da Fagor Brandt, a subsidiária francesa do grupo espanhol Fagor. O industrial, que comercializa os produtos Dietrich, Fagor, Sauter, Vedette e Brandt, obteve assim em Novembro de 2011 a classificação de “Garantia de origem francesa”, criado há um ano e dado às marcas cujas fábricas estão na França e em que metade do valor acrescentado dos produtos que delas saem são é francês. O grupo dispõe de quatro sites, em Roche-sur-Yon, Aizenay (Vendéia), Vendôme (Loir-et-Cher) e Orléans. Rosières, que faz parte do grupo italiano Candy, tem apenas um site, em Berry.
Ao nível dos pequenos aparelhos electrodomésticos, o nosso casal teve mais oportunidades para comprar francês, com as marcas Seb, Moulinex, Rowenta, Krups.. Philippe tem Actifry, o topo de gama em fritadeiras , produzido em Is-sur-Tille (Côte-d ‘ or), enquanto Virgínia tem o robot Thermonix da marca alemã Vorwerk Bimby, que é fabricado- surpresa! -em Cloyes-sur-le-Loir (Eure e Loir).
Para se vestir com roupas “feita em França”, Philippe e Virginie por outro lado, o caso é complicado… e os nossos apaixonados acabaram por se encontrar sem roupas . Mais de 95% das roupas vendidas em França são, de facto, fabricados no exterior. Tornou-se quase impossível encontrar umas calças em ganga, jeans, ou um fato para homem fabricado em França.
Para se vestirem com produtos franceses, Philippe e Virgínia tiveram que abrir bem as mãos à bolsa. Apenas algumas marcas de pronto-a-vestir de topo de gama e uma parte das grandes casas de luxo ainda funcionam com oficinas em França.
O nosso casal, por isso, optou por umas sabrinas Repetto, fabricadas na região de Dordogne e mocassins chiques da marca Weston, cosidos à mão perto de Limoges. As suas meias, azul floresta vêm de Vosges. E as suas blusas largas em azul e branco da casa Armorlux, que mantém um site de fabrico contra ventos e marés em Quimper. Agnès b., também mantém uma parte da sua produção em França. Quanto a encontrar roupa interior para Virginia ou para Philippe, é um outro par de problemas…
Para se deslocarem, também tiveram que fazer concessões. Philippe procurava uma scooter, a fim de circular facilmente em Paris. Uma solução: comprar uma Peugeot, em que uma parte dos modelos é ainda montada em Mandeure, no Doubs. Mas isto custou-lhes mais caro do que se eles tivessem comprado uma marca asiática como Kymco e Sym, cujos baixos preços arrasam toda a concorrência nas principais cidades.
Para a compra de carro, Virginie sonhava com um pequeno modelo para se desembaraçar bem em Paris. E tiveram que rever as suas ambições para a baixa. E escolher entre um Peugeot 208, um Citroën C3, um Renault Clio ou um Toyota Yaris, os mais pequenos carros montados em França. Os modelos mais compactos, como o Twingo, C1 ou o Peugeot 107 são todos produzidos e montados na Europa Central ou na Turquia.
“A diferença no custo de produção entre um Clio montado em Bursa, Turquia, Clio e o mesmo modelo produzido em Flins, em Yvelines, é de 1.300 euros,”, disse Carlos Tavares, Director geral da Renault. Para um Peugeot 208, é ainda pior: o que é produzido em Poissy (Yvelines) custa mais caro 1.500 euros do que o carro produzido em Trnava, Eslováquia.
Não admira, então, que os fabricantes franceses produzam em França essencialmente os modelos de elevado valor acrescentado. Na Renault, estes são utilitários, tais como o Kangoo ou Trafic, bem como alguns modelos de topo de gama, como Space ou o Laguna. A empresa do losango também não produziu, aliás, mais de 18% dos seus carros na França, contra ainda 39% para a PSA Peugeot Citroën.
Montagem e Construção
Mas os profissionais aconselham a ser-se cautelosos com os números. “A montagem representa apenas 15% do valor acrescentado de um carro,” disse Carlos Tavares. Por outras palavras, isto não é porque ele é montado no estrangeiro que deixa de ser francês. A fabricação dos motores, as caixas de velocidade ou de transmissão são frequentemente francesas e exportadas para as fábricas no exterior. Em Tremery (Lorena), PSA produz assim os novos motores do grupo, enquanto a fábrica de Le Mans da Renault fabrica os chassis para todos os sites da Renault-Nissan.
Para os equipamentos electrónicos, o nosso casal não teve escolha: fora da Ásia, não há meio de salvação. Apenas uma pequena fantasia, Virginia ofereceu-se a si-própria o Qooq, uma tablete culinária propondo mais de 2.000 receitas assim como vídeos de demonstração e aconselhamento. Esta foi feita em Montceau-les-Mines (Saône-et-Loire), uma região que lhe é querida.
Quanto a Philippe, este teve que se remeter, para os jogos de vídeo, aos ” Lapins Crétins “, um dos Best-sellers da Ubisoft. E quando ele usa o seu Wiimote Nintendo, tem clara consciência: o movimento é gerido por um sensor desenhado pelo Franco-italiano ST Microelectronics, localizado em Crolles (Isère).
Dominique Gallois et Cédric Pietralunga (avec le service économie)