PERGUNTAR OFENDE – por Ricardo Araújo Pereira

Transcrito, com a devida vénia, da revista VISÂO de 12 de Abril de 2012

 

 

Certo sítio da internet reclama ter descoberto uma lacuna na mente feminina.

 

Se qualquer homem fizer três perguntas específicas mas muito simples, consegue seduzir qualquer mulher. O sítio revela as perguntas apenas aos homens que passarem num rigoroso teste de selecção: têm de ser possuidores de 50 dólares. Trata-se, como é evidente, de um embuste. A mente feminina não tem lacunas. Mas a ideia de que um conjunto de perguntas muito simples pode levar a um envolvimento físico entre duas pessoas é verdadeira. Em português, certas perguntas podem conduzir rapidamente a um envolvimento físico -não com mulheres, lamentavelmente, mas com homens. Uma vez que ninguém tem interesse em pagar para ficar a conhecer estas perguntas, divulgo-as aqui pela primeira vez e a título gratuito.

 

As perguntas em causa são inocentes e algumas até simpáticas. No entanto, todas elas resultam em violência física.

 

O exemplo mais gritante é: “O que é que tu queres?” É uma pergunta que revela preocupação, interesse pelas necessidades do outro e sugere uma certa vontade de as satisfazer. “O que é que tu queres, que eu tenho todo o gosto em providenciar?”, parece ser a versão não abreviada da pergunta. E, no entanto, é das questões que mais vezes servem de prefácio a cenas de pancadaria.

 

Impressionante, também, é o sucesso de “Estás a olhar?” Não há mal em olhar, antes pelo contrário. Qualquer pessoa que não tenha os olhos fechados está, em princípio, a olhar. É, ao mesmo tempo, a operação poética por excelência para Alberto Caeiro e um dos métodos mais eficazes de fazer deflagrar zaragatas.

 

Fazem falta estudos sobre a heteronímia arruaceira de Pessoa.

 

Há também um bom número de questões que têm a ver com isto. Não com isto que acabou de ser dito, mas com uma dada situação que não recebe designação mais específica do que “isto” Por exemplo, quando uma das partes prestes a entrar em conflito pergunta à outra “Isto é assim?”

 

Vista de fora, é uma questão eminentemente filosófica. Trata-se de uma investigação importante, a que pretende saber se isto é assim ou se, pelo contrário, é de outra maneira. Mas não costuma comover o espírito dos envolvidos na conversa.

 

Uma derivação frequente é “Isto é à campeão?” Menos interessante, porque mais específica, consegue provocar destruição tão grande ou maior do que as perguntas anteriores.

 

Assim como a variante “Isto é tudo teu?”, que nem exibindo uma evidente e louvável preocupação com a propriedade privada alheia deixa de ofender.

 

Há que ter cuidado com estas expressões.

 

E cuidado redobrado quando se recomenda cuidado. “Vê lá se tens cuidadinho” também costuma dar sarilho.

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