MEMÓRIAS DE UM VOLUNTÁRIO EM ÁFRICA – 3 -por Carlos Castanho

Um Café na Internet

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Conclusão)

 

Daquela sua falta de fé religiosa, Filipe insistira, ainda antes de sair de Portugal, junto das pessoas que o convidaram, se desse conhecimento ao chefe da comunidade católica para onde iria trabalhar.

 

Informação que chegou ao conhecimento do bispo, mas que naturalmente não fora transmitida às gentes que passavam frente ao edifício onde ele se acomodava nem, o que já não era aceitável, aos sacerdotes e demais religiosos que com ele partilhavam as instalações da diocese.

 

Desconhecimento que no dia-a-dia criava, por vezes, situações embaraçosas.

 

Tal foi o que aconteceu quando pela primeira vez, chegado o momento da refeição, os comensais se reuniam à volta da mesa e em pé, frente ao seu lugar, rezaram em coro uma ave-maria. Face ao imprevisto do lance, Filipe optou por se manter em silêncio, de pé, junto à cadeira que lhe destinaram, enquanto durou a oração. Atitude que julgou de acordo com as circunstâncias e que por isso manteve no decurso dos sucessivos repastos servidos na diocese.

 

Noutra ocasião, a freira encarregada de tal função, entregou a Filipe uma ficha em triplicado, onde além de se pedir os habituais elementos de identificação, se solicitava como dado de resposta obrigatória, a designação da congregação religiosa a que se pertencia.

 

Para superar a dificuldade Filipe decidiu-se pelo não preenchimento dos ditos impressos e por evitar cruzar-se com a referida irmã religiosa. Opção vã. Passados alguns dias viu alguém ao longe acenar-lhe. Era a zelosa freira a pedir-lhe a devolução das fichas devidamente preenchidas. Não lhe ocorrendo melhor argumento, para ultrapassar o embaraço, disse que havia perdido os papéis que lhe entregara, esperando assim que o caso caísse no esquecimento.

 

Alguns dias depois, ao entrar no quarto, viu no chão um envelope. Ao abri-lo encontrou nele novas fichas idênticas às anteriores não preenchidas.

Filipe resolveu arrumar a questão de vez. Procurou o bispo a quem contou o sucedido. A partir de então encontrou-se várias vezes com a mencionada freira que não mais lhe voltou a falar no assunto.

 

A par destas minudências, Filipe tinha outras dificuldades: a ausência dos amigos e da família, a prolongada abstinência sexual, a péssima alimentação que lhe era facultada, as longas caminhadas a pé entre o edifício em que se alojara e o lugar de trabalho. Contrariedades largamente compensadas pela visão esplendorosa do pôr-do-sol, ao som melodioso de cânticos religiosos interpretados por crianças negras, que tinha o privilégio de fruir aos fins de tarde, junto à pequena igreja da aldeia onde se localizava o seu lugar de trabalho.

 

Contudo procurava ser útil à comunidade escolar e não frustrar aqueles que nele haviam confiado.

 

Desse modo, esforçava-se por cumprir as funções que dele se esperavam. Ajudava os professores na elaboração de testes destinados a aferir os conhecimentos adquiridos pelos alunos, em especial na disciplina de português onde as dificuldades eram mais acentuadas. Reunia-se com os professores das escolas espalhadas pelo extenso território do distrito, sugerindo-lhe formas mais dinâmicas de transmissão de conhecimento aos alunos. Aconselhava-lhe a consulta da bibliografia mais adequada a cada uma das áreas de ensino da sua especialidade e lembrava-lhe a importância que o seu trabalho tinha para a valorização da juventude e para o desenvolvimento da região e do jovem país.

 

Não obstante ter encurtado a sua colaboração e regressar a Portugal mais cedo do que contava, Filipe sentiu que a sua presença naquele território africano, pelo que conseguiu fazer e pelo que pôde observar, fora útil tanto para aqueles a quem se dirigira como para ele próprio.

 

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