Do livro de António de Sousa Duarte – Acerto de Contas – ontem lançado pela Âncora Editora, conforme noticiámos – apresentamos o interessante prefácio de António Tavares, Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Como escrevia Marc Bloch, no ano de chumbo de 1941, na sua Introdução à História, “eis o historiador chamado a prestar as suas contas” e quantas vezes, na nossa vida, não falamos, sem essa ambição, em acerto de contas para justificar a regularização de muitas situações financeiras ou pessoais que entendemos devem fechar um ciclo da nossa existência.
Contudo o António de Sousa Duarte escolheu essa mesma expressão – Acerto de Contas – para título de um livro, onde escreve páginas de pequenas histórias, sobre vinte e quatro portugueses que conheceu na sua vivência quotidiana de jornalista e de cidadão empenhado.
Não estamos a falar de quaisquer vinte e quatro portugueses mas, antes, de cidadãos também eles empenhados e com relevante participação cívica.
Alguns fizeram muito mais do que isso. Ajudaram a fazer a História de Portugal do século xx e a mudar o nosso sentido colectivo neste século xxi. o que pode ligar homens da política, do desporto, da cultura, do espectáculo, da Igreja e da banca, com trajectos escritos à esquerda e à direita, lutadores e de rupturas afi rmadas nas páginas deste livro?
A ligação, como fi o condutor de todos eles, chama-se António de Sousa Duarte que, com a sua caneta ou antes o seu computador, escreveu sobre vinte e três homens, que nos habituámos a seguir de longe, souberam protagonizar momentos decisivos como, por exemplo, Francisco da Costa Gomes, Carlos Beato, Ramalho Eanes, Salgueiro Maia, Vasco Lourenço e Álvaro Cunhal contraditórios entre si mas com um traço humano comum – o Portugal de Abril.
A estes soube, com equilíbrio e engenho, associar um grande diplomata e ministro de Salazar, Franco Nogueira, teve tempo de juntar a serenidade de Paulo Teixeira Pinto com a filosofia de Manuel Maria Carrilho, falar do seu Sporting através da habilidade de Paulo Futre, da fogosidade de Ricardo Sá Pinto, do dirigente José Eduardo Bettencourt, com a retórica de Rogério Alves, procurar dois príncipes da Igreja, como D. Manuel Martins e D. Januário Torgal Ferreira para falar de solidariedade em tempo de crise, recordar a memória de Fausto Correia, perceber o idealismo de Armando Vieira, saborear o bolo de Carlos Braz Lopes, ouvir cantar Carlos do Carmo, encontrar no seu castelo o Rei Artur Jorge, fazer campanha com Mário de Figueiredo, falar com Jacques Rodrigues, abraçar um símbolo da luta pela liberdade como foi Vasco da Gama Fernandes e encontrar, na manhã de todas as manhãs, Alfredo Cunha.
Então, se algo pode justificar este livro será a sua vontade de acreditar que todos estes protagonistas souberam acertar contas com a História. Umas vezes estando com ela, outras contra ela, mas sempre com a firme convicção de que a sua vontade se fez de pequenos episódios que ajudaram a decidir muita coisa relevante para o futuro de muita gente.
São esses episódios que são aqui chamados à colação pelo António de Sousa Duarte cumprindo aquela máxima de Confúcio: “não é uma desgraça ser desconhecido dos homens; contudo é uma desgraça desconhece-los.”
Para aqueles que gostam das histórias que fazem a História fica aqui o compromisso de passagem de testemunho de uma geração para outra geração usando a memória para continuar a fazer um eterno acerto de contas.
O próximo acerto de contas será sobre um futuro onde devem entrar vinte e quatro mulheres.