EM COMBATE – 35 – por José Brandão

 

 

 

Pela minha parte, fiquei a conhecer o rio Zaire e as suas margens angolanas palmo a palmo, todo o território de Cabinda, variadíssimas zonas do norte de Angola, onde fizemos inúmeras operações de intervenção a partir de Luanda e ainda cerca de setecentos quilómetros do rio Lungué Bungo, um afluente do Zambeze, desde a nascente perto da ex-Silva Porto até à fronteira da Zâmbia, além de toda a região compreendida entre a ex-Vila Luso e Gago Coutinho. Também fiquei a conhecer uma boa parte do centro, do sul e da costa entre Lobito e Luanda por ocasião de umas curtas férias que tive antes de regressar à Metrópole.

 

Enfim para quem sonhava com Angola desde miúdo não fiquei nada mal servido! Ao que parece este esquema de utilização dos fuzileiros que esteve em vigor em Angola durante uma série de anos, foi alterado a partir de finais de 1967, tendo acabado com o tão salutar princípio da rotatividade a favor de uma muito prolongada presença, de doze a dezoito meses, nos mesmos locais com resultados que desconheço mas de cuja eficácia me permito ter as maiores dúvidas.

 

Um excelente sargento do meu destacamento, o sargento Trigo, que comigo estava a fazer a sua 2ª comissão, regressou em 68 ou 69 ao Lungué Bungo, em nova comissão, onde esteve o tempo suficiente para em actividade lateral e de part-time, se ter dedicado à pecuária.

 

Com efeito, à chegada comprou no “kimbo” local três vacas e um boi e quando acabou a comissão, vinte e quatro meses depois, tinha já uma dúzia de cabeças de gado que eram pacatamente apascentadas nas chamas e margens do rio e que vendeu às populações locais por uns bons cobres no momento da partida. Julgo que foi com essas economias e outras que, à chegada à Metrópole, montou um pequeno supermercado na Cruz de Pau ou por ali perto.

 

Para o sargento Trigo foi óptimo o fim da rotatividade mas quanto à eficácia da nossa acção militar tenho as mais sérias reservas. Não sei se é chamada “Lei de Murphy” que diz que se alguma coisa pode descambar, então descamba com certeza. Não me admira que tivesse sido essa uma das causas.

 

No período que estive em Angola vi tanto disparate e insensatez na forma como foi conduzida a nossa acção militar que este caso nem merece a pena ser referido. Julguei que este meu segundo escrito seria para referir já episódios concretos, mas acabei por divagar sobre o enquadramento da nossa actuação.

 

Veremos o que sai para a próxima vez.

 

Entre Agosto e Outubro de 1966 estou no posto do Tridente com o meu grupo de combate. O Tridente era o posto de fuzileiros mais a montante no rio Zaire e ficava relativamente perto de Noqui, junto à confluência do rio Lué Pequeno, afluente do Zaire.

 

Cerca de 15 minutos de bote e bebia­-se uma cerveja fresca com os camaradas do Exército que ali estavam estacionados. Noqui fica a este do Tridente, numa curva do rio Zaire (que naquele ponto tem uma largura aproximadamente igual à do rio Tejo entre Belém e a Trafaria) na base de uma grande barroca. No cimo da barroca e a cerca de 10 quilómetros para o interior, ficava uma pista de terra batida, de que se serviam pequenos aviões militares que asseguravam ligações regulares com o Negage e Luanda.

 

A fronteira terrestre de Angola com o Congo era muito próxima de Noqui e, pelo rio Zaire, passavam diariamente vários cargueiros de 20.000 toneladas, e mais, que se dirigiam ao porto de Matadi, já na República do Congo.

 

A nossa missão tinha um duplo objectivo: por um lado impedir a infiltração do IN, pela via fluvial do Congo para Angola e, por outro, patrulhar intensamente o interior com vista à detecção e eliminação do IN. Os que andavam por lá nesse tempo, eram os FNLA e os MPLA que não necessitavam do rio para nada, pois as ligações deles com o Congo, onde havia bases importantes, faziam-se atravessando pacatamente a fronteira terrestre fora de horas e em locais onde a tropa portuguesa não andava.

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