12h00 – Os jornais diários foram publicando edições especiais ao longo do dia.
A fragata Almirante Gago Coutinho deixou de ameaçar o Terreiro do Paço, retirando-se para o Mar da Palha. – No Rossio, uma companhia do Regimento de Infantaria 1 , da Amadora, comandada pelo capitão Fernandes, tentou barrar o caminho para o Quartel do Carmo, à coluna da EPC. Após curto diálogo com o comandante das tropas, estas passaram para o lado de Salgueiro Maia.
12h30 – Começou a ser montado o cerco ao Quartel da GNR, no Carmo, pela coluna da EPC.
12h45 – Forças da GNR, leais ao Governo, ocuparam posições na retaguarda do dispositivo de Salgueiro Maia Rua da Misericórdia e da Trindade). São soldados de infantaria, mal armados – na sua maioria com as velhas Mauser.
Tínhamos o hábito, eu e a minha mulher, de irmos às quartas-feiras almoçar a casa dos meus pais na Baixa e, no dia 24 lá fomos. Quando acabado o almoço íamos tomar o metro o António José Forte, que estava no Café Lusitano (vulgo Patinhas), na esquina da Rua da Prata com a de Santa Justa, viu-nos passar e saiu a correr para me perguntar:
– Quando é que é «aquilo»? – «Aquilo» era a Revolução. Quase todas as semanas almoçávamos num restaurante da João Crisóstomo, o Pelé. Era o grupo da “Comuna”, uma ideia do Pedro Oom. Nesses almoços ia-os pondo ao corrente do que sabia nas tais reuniões. O Forte queria saber se eu sabia quando era. Não sabia. Em todo o caso, respondi-lhe:
– É amanhã! – respondi com um sorriso, pois não era para levar a sério e o Forte riu-se também.
No dia seguinte, cerca das sete, quando íamos a sair, uma vizinha, informou-nos de que estava a dar-se um golpe militar. Ouvira comunicados. A Helena resolveu ficar com os filhos que também não iriam à escola. Levei o carro até São Pedro e tomei o comboio. Nada de estranho pelo caminho. Menos gente no comboio e nas ruas. Na 24 de Julho alguns carros da polícia. No Cais do Sodré entrei num um táxi. O motorista disse-me que o Terreiro do Paço estava cheio de tanques e auto metralhadoras. Não se passava. Subiu a Rua do Alecrim, depois a da Misericórdia. – «Isto é um golpe do Kaúlza», disse – e acrescentou – «o Caetano amoleceu e o Kaúlza vai endurecer esta merda» – Era uma hipótese plausível. Mas eu tinha esperança de que fosse «aquilo». Conseguimos chegar sem impedimentos. No cruzamento da António Augusto de Aguiar, onde a Duque D’ Ávila dá lugar à Marquês de Fronteira, algum aparato, uma Panhard, salvo erro, e policia militar a dirigir o trânsito. O Quartel-General ali a poucos metros estava cercado.
No escritório deserto comecei a fazer telefonemas. Liguei a rádio. Ao quarto para as nove ouvi o comunicado do MFA – «As Forças Armadas iniciaram uma série de acções com vista à libertação do País do regime que há longo tempo o domina». E avisava as forças policiais de que qualquer acção hostil seria repelida severamente. Pedia à população para se manter calma e recolhida nas suas casas. Percebi que era mesmo «aquilo». Entretanto telefonou o Luís Rocha. Combinámos não abrir a empresa. O pessoal foi aparecendo e, como fora decidido, mandei todos para casa. Telefonei a dois «conjurados». O Jaime Camecelha, gerente bancário, veio de Campo de Ourique e o Joaquim Reis, tesoureiro numa agência de viagens, zarpou do Cais do Sodré. Começámos a percorrer a cidade. Depressa tivemos um retrato da situação. Depois do meio-dia acompanhámos a coluna que subiu a rua do Carmo e a Garrett na direcção do Carmo. Temos uma foto tirada pelo Jaime em que eu e o Joaquim estamos encostados a um tanque em frente do Jerónimo Martins. As empregadas saíram com as suas batas brancas com caixotes cheios de laranjas. Nós e muitos outros ajudámos a distribui-las pelos soldados.
Passava do meio-dia. Fomos até ao Camões e subimos a Rua da Misericórdia. Camiões da GNR e soldados da Guarda, postavam-se ao longo da Rua da Trindade. Forças fiéis ao governo. Um cabo, um veterano, perguntou-nos se tínhamos tabaco. Demos-lhe um maço de SG e aproveitámos para conversar. Dissemos-lhe que o MFA ia triunfar e que não merecia a pena ele e os colegas sacrificarem as vidas. Concordou, tinha mulher e filhos. Mas tinha que obedecer a ordens. Um sargento a poucos metros ouvira a conversa – cumprimentou-nos, sinal de que não discordara dos conselhos.
Descemos até ao Carmo. Assistimos às cenas que todos conhecem. Estivemos numa reunião política e ao fim da tarde fomos para minha casa no carro do Jaime. Em casa havia muitos amigos – improvisou-se um jantar e ficámos presos à televisão até que, já nas primeiras horas do dia 26 apareceu a Junta e o seu comunicado. O Reis, comentou – «Porra! Parecem mexicanos!». Era verdade, parecia uma junta militar sul-americana contemporânea do Pancho Villa. Nunca consegui convencer o Forte de que a minha resposta à sua pergunta fora casual. “Aquilo” aconteceu mesmo quando lhe disse.