OCUPÁMOS TOLEDO E CONTROLAMOS BRUXELAS E VIENA

Objectivo principal: Toledo ou, descodificando, o Terreiro do Paço e os seus ministérios. As viaturas atravessam a lezíria sem impedimento. Chegam à auto-estrada e, procurando recuperar o atraso com que tinham saído da unidade, vêm a grande velocidade. Chegam à portagem da auto-estrada do Norte às 5.30, saem da 2ª Circular para o Campo Grande. Em duas horas, a coluna percorreu 90 quilómetros, o que é uma grande velocidade para as autometralhadoras. Salgueiro Maia ouve num dos rádios um carro-patrulha da PSP a informar o seu Comando da passagem da coluna, impressionado com o número de autometralhadoras. Mas passemos a palavra ao comandante Maia: «Enquanto ouvia estas informações, o jipe trava de repente e dou comigo parado no sinal vermelho do cruzamento da Cidade Universitária. Olho para o lado e vejo um autocarro da Carris também parado. Achei que era de mais parar a Revolução ao sinal vermelho, quando o que distinguia os carros do MFA era um triângulo vermelho no lado esquerdo das viaturas ou tapando a matrícula. Mando avançar tocando as sirenes das autometralhadoras EBR até chegar ao Terreiro do Paço». Às 6.00 a coluna atinge finalmente Toledo, o coração do regime! Os carros de combate cercam os ministérios, a divisão da PSP aquartelada no Governo Civil, a Câmara Municipal, a Marconi e o Banco de Portugal. No centro da praça uma Chaimite e uma autometralhadora EBR, com o jipe do comandante, constituem o posto de comando e a força de intervenção de Salgueiro Maia. A primeira parte da sua missão é cumprida com êxito – chega ao seu objectivo antes de ser dado o alarme geral. Charlie Oito, ou seja, Salgueiro Maia, comunica a Tigre, ou seja, a Otelo: – Ocupámos Toledo e controlamos Bruxelas e Viena (Banco de Portugal e Rádio Marconi)! Entretanto, os comunicados vão-se sucedendo na rádio.

(in biografia de Salgueiro Maia – Vidas Lusófonas – CL)

 

 

 

05h00 – Após uma viagem sem problemas, a coluna da EPC passou na portagem da auto-estrada, em Sacavém. No Quartel-General da Região Militar de Évora (QG/RME) foi recebida ordem do Ministério do Exército para entrar de prevenção rigorosa.– Marcelo Caetano recebe um telefonema do director-geral da PIDE/DGS, major Silva Pais, que lhe comunica estar a Revolução na rua, sendo a situação muito grave, pelo que se tornava necessário que o Presidente do Conselho se refugiasse no Quartel do Comando-Geral da GNR no Largo do Carmo.

 

05h15 – Leitura do 3º comunicado que, entre outros apelos, aconselhava a população a permanecer em casa. Grande parte desta, pelo contrário, foi para a rua, passando a manifestar um acolhimento eufórico à iniciativa dos militares, misturando-se com eles, conferindo, assim, ao golpe militar, muitos dos contornos de uma verdadeira revolução.

 

05h19 O general Nascimento telefonou ao recém nomeado CEMGFA, general Luz Cunha, a informá-lo de que “está muita tropa na rua e é preferível seguir para aqui”.

 

c. 5h20 – O general Viotti de Carvalho, vice-chefe do Estado-Maior do Exército (EME) determina ao comandante da EPTm para proceder à escuta das comunicações militares e as relatasse para o Estado-Maior.

 

No entanto, há largas horas que a referida unidade militar desempenhava aquela missão, mas a favor do MFA.

 

05h27 – O ministro do Exército ordena ao RI 6, do Porto, que liberte o Q.G./R.M.P, determinação que não será cumprida, uma vez que a unidade era afecta ao MFA.

 

05h30 – No itinerário para o Terreiro do Paço, Salgueiro Maia cruza-se com viaturas da Polícia de Segurança Pública, no Campo Grande e, cerca de 10 minutos depois, com a Polícia de Choque, na Av. Fontes Pereira de Melo, que não se manifestam.

 

c. 05h30 – O Comando Territorial do Algarve (CTA) ordena a entrada em prevenção rigorosa das suas três unidades.

 

05h32 – O ministro do Exército determina ao general Carvalhais que se ocupe da protecção dos CTT, Águas e Electricidade.

 

05h45 – O 4º comunicado sintetiza os anteriores alertando para que a situação não se encontra ainda totalmente controlada.

 

05h46 – O Ministro do Exército ordena ao comandante do Regimento de Cavalaria 7 (RC 7), coronel António Romeiras Júnior, que, com os carros de combate M47, tome posições em Vale de Cavalos para deter uma coluna da EPC que fora «referenciada no Cartaxo» e que «vem a caminho de Lisboa».

 

05h50 – Uma força do CICA 1 ocupa o centro emissor de Miramar (Porto) do R.C.P.

 

c. 05h55 – As forças de Salgueiro Maia instalam-se no Terreiro do Paço, de forma marcadamente intimidatória. Encontram-se cercados os ministérios, a Câmara Municipal, a Marconi, o Banco de Portugal e a 1ª Divisão da P.S.P., estando dirigidas as metralhadoras para as janelas do Ministério do Exército. «Estamos aqui para derrubar o Governo» declara Salgueiro Maia ao jornalista Adelino Gomes.

 

05h59 O ministro do Exército telefona ao coronel Romeiras Júnior, e ordena-lhe que “veja se consegue salvar esta coisa, pois estamos todos cercados”, recebendo a resposta que as forças daquela unidade iam a caminho e já se encontravam na Av. 24 de Julho.

 

“Estamos aqui para derrubar o Governo”, afirmou Salgueiro Maia a um jornalista. Os governantes esquecem-se com frequência do verdadeiro objectivo da governação – servir os cidadãos da República. Quando, perante tribunais que lhes pedem conta, vitimizam-se é não raro usam a locução latina Vae  victis! ai dos vencidos. Sim, “ai dos vencidos” – no 25 de Abril os vencedores foram generosos e, passados 38 anos, os vencidos, seus filhos e netos, aí estão no Poder. Vamos ler o que Adão Cruz nos diz sobre

 

 

VENCEDORES E VENCIDOS

Presume-se que os vitoriosos deste Mundo, sejam os vitoriosos que provocaram ou facilitaram a fabricação desta plataforma em que vivemos, da barbárie ocidental dos tempos modernos, da poluição, da fome, da super-alimentação e da alimentação envenenada, o mundo da degradação, da auto-destruição e da massificação da economia, o mundo-universo da droga, do suicídio, da delinquência, da violência e do extremismo.

 

O mundo da industrialização irracional e da epidémica loucura do consumismo, do materialismo acéfalo, do ultraliberalismo e do monetarismo, cujo útero fecundo reside nos tecnocratas da rapina e na cabeça do patrão planetário que condecora os vitoriosos e condena os derrotados.

 

Este mundo em que a delinquência cresceu exponencialmente, os tratamentos psiquiátricos e as baixas por perturbações mentais subiram em flecha, o consumo de tranquilizantes foi multiplicado por dez, para gáudio dos fabricantes, os suicídios aumentaram para cima de um terço, o recurso à droga tornou-se maciço e os crimes por tráfico não têm conta.

 

Em nome da competitividade e convergência, da indiscutibilidade das decisões, da globalização, da modernidade, da flexibilização, da privatização, palavras inquestionáveis das estratégias de dominação por parte daqueles que sabem quem tudo ganha à custa de quem tudo perde, cometeram-se as maiores barbaridades.

 

Tais fórmulas estão a transformar-se numa ideologia sem sentido que leva à destruição sistemática do Homem, através da toxicodependência, do desemprego de longa duração, do baixo salário, do crescimento dos sem-abrigo, do desespero, apatia e iliteracia da juventude, do assalto às economias pelas mãos de luva branca, hoje quase institucionalizado entre os ditos políticos que mais não são do que homens sem qualquer honra, vergonha ou dignidade, da perversão dos conceitos de saúde que endeusam os remédios e transformam cada doente numa renda fixa, da aniquilação da resistência e da vontade dos homens dignos deste país, da inoperância da Justiça, da ideologia do pensamento único.

 

Todos estes fenómenos se acentuam quando se desenvolvem políticas doentias de tipo paranoico-monetarista, destinadas a reforçar o poder do capital de forma profundamente patológica, através de absurdos super-lucros e mais-valias, do escandaloso desvio do nosso dinheiro para obscenas reformas de ninhadas de parasitas, do esmagamento da qualidade de vida da maior parte da humanidade. Circulam no mundo muito mais de três triliões de dólares avidamente à procura do sítio onde se lucra mais, nem que esse sítio seja o imenso cemitério para onde resvalam milhões de vítimas.

 

Não basta os políticos tidos por mais sérios dizerem que a solidariedade é um factor fundamental e o princípio mais importante do nosso século.

 

Não basta dizerem que continua a haver países mais ricos e outros mais pobres e, dentro dos mais ricos, cada vez maior diferença entre ricos e pobres.

 

Não basta dizerem que a pobreza e a exclusão geram guerras intermináveis.

 

Tudo isto é sabido e não é cantarolando a Paz e a Cooperação, de mão dada com os senhores da guerra que se ganha o título de vencedor.

 

Ao elegerem o inimigo errado, muitos dos pregadores da paz e da liberdade foram co-responsáveis pelo engrossamento do exército de refugiados, oprimidos e condenados da terra.

 

Co-responsáveis no abrir de portas e no estender de tapetes às chancelarias do crime organizado.

 

Por mais que preguem e por mais conferências que façam, não anulam o descrédito em que caíram ao pretenderem convencer-nos de que as expectativas de paz, liberdade e justiça são possíveis com o aperto de mão dos verdadeiros terroristas do mundo ou com as orações a Deus, as quais, pelos vistos, só são ouvidas quando saem da boca dos afortunados e não quando tomam a forma de gemidos – que para gritos não há força -, dos milhões de zairenses, bósnios, sudanezes, ruandeses, somalis, afegãos, iraquianos, líbios e tantos outros que morrem às pilhas no deserto do silêncio, da fome e do sangue.

 

Nós andamos distraídos com os fumos de incenso que os nossos governantes e responsáveis vão espargindo pelos quatro canais da estupidez institucionalizada.

 

Importantes grupos económicos, células de um cancro universal de cura muito difícil que não se compadece com mesinhas diplomático-folclóricas, detêm todo o poder da informação, e a informação com poder para mudar os comportamentos está nas suas mãos, mãos que a usam de forma humilhante para inundar de publicidade perversa e ignominiosa desinformação as cabeças de um povo sem vontade, massificado, estupidificado, ridicularizado, americanizado.

 

Neste pérfido mundo há, no entanto, almas grandes a par das almas pequenas.

 

As almas grandes são raras, mal conhecidas e propositadamente escamoteadas, mas são as únicas capazes de ultrapassar a fronteira para além da qual o homem adquire a dimensão imortal, a dimensão da poesia, da honra e da dignidade supremas do Homem feito à medida do homem.

 

Nunca ninguém foi considerado vencido por não realizar integralmente os seus ideais, por não conseguir, no curto tempo da sua existência, eliminar as razões da sua luta contra a exploração, a degradação e a injustiça.

 

Contrapor vitórias e derrotas neste contexto de náusea universal em que vegetamos é ignorar radicalmente as aspirações da humanidade e contribuir, ainda que inconscientemente, para o seu esmagamento.

 

Galileu não foi um vencido, não foram derrotados Marx e Engels, não foi derrotado Luther King mas sim o racismo.

 

Vencido não foi o Padre Américo por não ter eliminado a pobreza, derrotados foram os que mantiveram a pobreza que o Padre Américo não conseguiu extinguir.

 

Derrotado não foi Amílcar Cabral mas sim os responsáveis pelo martírio do crucificado continente africano.

 

Óscar Romero foi assassinado mas não vencido, vencidas foram as forças militares que o mataram e nas quais a Igreja retrógrada se encontrava representada.

 

Derrotado não foi Leonardo Boff, apesar de esmagado pela pressão de uma Igreja absolutista, fortemente entrosada com os poderes opressores, uma Igreja que confunde a voz de Deus com a voz do Pentágono, e cuja prática nada tem a ver com a doutrina de Cristo.

 

Vencido não foi Fidel, que mantém, heroicamente, a par do seu povo vitoriosamente faminto, uma espinha cravada na garganta do imperialismo norte-americano.

 

Paulo Freire morreu com rios de pedagogia a correrem-lhe dos olhos, ao defender a vocação ontológica do Homem e ao condenar a ideologia fatalista que se abate sobre as classes dominadas.

 

Quem foi derrotada não foi a Pedagogia do Oprimido mas o obscurantismo imposto por todos os novos esclavagistas.

 

Derrotados são os Papas que perverteram o conteúdo humanista do cristianismo e que ajudaram a matar a esperança dos povos numa sociedade sem exploradores nem explorados, elevando à categoria de profetas todos os vândalos deste manicómio contemporâneo.

 

Derrotado foi e continua a ser o obscurantista Ratzinger, o tal dos olhos que não enganam, que dirigiu a cruzada contra a Teologia da Libertação e contra tudo o que depois de João XXIII poderia ter feito avançar um pouco a justiça do mundo, aparentando renascer agora como vencedor, em Cristo.

 

Derrotados e ridículos são todos aqueles que mandam recados e bombas a povos gloriosamente soberanos, no sentido de impor a sua integração no rebanho dos países oprimidos e explorados.

 

Não podemos esquecer que a peçonha imperialista se derrama pelo mundo como uma doença, mediada pela tragicomédia dos cérebros brumosos que infestam muitas Direcções e Administrações, mascarada por uma democracia de faz de conta, criada para enganar os tolos através da pregação de velhos e novos missionários do crime, apoiados em vencedores, discípulos e servidores, para elevarem à máxima dimensão a exploração miserável dos tempos ditos modernos.

 

Quem não faz pose para a história, quem não é capaz de definir o belo porque este o transcende, quem considera a criação artística uma necessidade, quem gosta na vida, para si e para os outros, de tudo o que um ser humano gosta, quem quer a justiça mas também quer o sol e o mar para todos, quem diz que o amor e a amizade são dos maiores valores da vida, quem gosta de apanhar conchas na praia, longe de jornalistas contratados para fotografarem barrigas e calções, quem não monta elefantes para ser grande, quem não dá voltas à terra mas calcorreia os campos, quem hipoteca, de forma martirizada, a sua vida na luta contra todos os crimes da exploração humana, quem usa a vida toda uma vida na luta contra o abismo entre ricos e pobres, de forma autêntica e não através de hipócritas, religiosas e caritativas panaceias, quem mede a tolerância e a plena liberdade dos cidadãos pela sua própria liberdade, sabendo a anedota que é a liberdade no seio da ignorância, da incultura e da injustiça, nunca pode ser um vencido ou um derrotado.

 

Qualquer Homem com esta capacidade humana e vital da ética, vertente de criativa hermenêutica, feito de experiência moral, que conhece as contradições concretas do nosso agir e nos ensina fraternalmente a reconhecê-las, consciente das histriónicas personalidades dos vencedores, não pode ser um vencido.

           

Todo o viver ético comporta um trabalho sem descanso, feito de conhecimento, liberdade e responsabilidade, caldeado na mais perfeita unidade e seriedade.

 

Mostrem-me este valor ético na politiquice dos vencedores.

 

Se a ética trata dos grandes apelos, e a moral do normativo e do particular, a perspectiva ética não é mais do que o autêntico e verdadeiro encontro com o outro.

 

É na relação com os outros que nós percebemos quem somos.

 

O sentido da nossa existência é o sentido da nossa coexistência.

 

Mostrem-me este valor na politiquice dos vencedores.

 

A cultura da diferença estrutural da mente humana e a anulação da diferença entre direitos são critérios maiores de vitória em todas as vertentes da vida, mas ninguém acredita que façam parte autêntica do ser estrutural dos habituais vencedores.

 

Não é o grau de facilidade ou dificuldade ou a carga pragmática ou utópica que ditam o que deve ser feito ou obstam àquilo que deve ser feito, mas é, sobretudo, a força que contraria o conselho descomprometedor da verdade da nossa consciência perante a submissão.

 

O reconhecimento da identificação com os autênticos valores de liberdade em todo um processo de unificação pessoal e colectivo, exprime uma inquestionável adesão ao Bem e à Justiça, uma interioridade só reconhecida às almas grandes.

 

Mostrem-me este valor na politiquice dos vencedores.

 

É por tudo isto que ABRIL é e será sempre o GRANDE VENCEDOR.

                                                                                             

                                                                                           

 

 

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