A crise na Europa, a crise em Madrid, a crise de um sistema: olhares sobre Espanha

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota.

 

3. Os espanhóis em greve geral contra a reforma do mercado de trabalho

 

Nota de leitura

 

Um pequeno texto sobre o mercado de trabalho, sobre a liberalização do mercado de trabalho em Espanha, um pequeno texto que dedico a dois antigos alunos, um deles, é um dos alunos mais inteligentes que tive recentemente, e o outro dedico-lhe pela razão simétrica. E então a razão destas duas dedicatórias?


A primeira porque se trata de um aluno que muito estimo e a este vi-o defender a liberalização do mercado de trabalho, porque segundo ele é a rigidez do mercado de trabalho que leva a que os jovens não tenham emprego, porque é essa rigidez que impede o crescimento! Dois exemplos de contraditório: a flexibilidade reduz o custo salarial por unidade produto, para a mesma produção, reduz o poder de compra para o mesmo valor produzido, reduz então a procura, reduz depois a produção, reduz então o emprego! Simples, portanto. Segundo: desde David Ricardo e cito de memória, o salário é um dado, variável no tempo e no espaço e mesmo se  lentamente quando se fala de evolução no mesmo espaço, quando se fala da evolução no tempo, esta evolução é no sentido oposto ao que agora se pretende com a flexibilização que agora se defende. Foi assim que o capitalismo se transformou numa maquina de produção gigantesca, foi assim que se criou os mecanismos sociais de estabilidade que agora com essa flexibilidade e o desemprego de massa se está a destruir e a querer voltar aos tempos de antes de Ricardo, até. Para um aluno inteligente como ele, dá para entender.  


Quanto ao segundo aluno, a história é simples: numa aula perguntei o que ouvia, ao entrar num táxi e sem falar com o motorista? As comunicações contínuas entre o motorista e a central. Quantas horas de trabalho a fio? Pelo menos 4 horas e sendo sem nenhum intervalo então a telefonista corriam o risco de ficar mais cedo ou mais tarde com as cordas vocais estoiradas. E a que salário? Ao salário mínimo nacional e que por este caminho também irá desaparecer. E o nosso aluno nada inteligente responde: então, se há tanto desemprego porque é que não há-de ser assim! Passados anos, reveja-se ele agora neste texto e espero que já tenha ganho a maturidade para ser capaz de compreender!


Júlio Marques Mota

 

Os espanhóis em greve geral contra a reforma do mercado de trabalho

 

Sandrine Morel

 

A Espanha vai enfrentar, na quinta-feira, 29 de Março, a sua sétima greve geral em 30 anos de democracia. Neste país onde ainda domina a paz social, apesar duma crise sem precedentes, os dois sindicatos maioritários, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e as Comissões de Trabalhadores (CCOO), apelaram finalmente para se protestar contra a reforma do mercado do trabalho aprovada a 10 de Fevereiro pelo governo conservador de Mariano Rajoy.


Esta reforma entrada em vigor desde 12 de Fevereiro, facilita e torna os despedimentos menos custosos para as empresas, impõe mais flexibilidade para os assalariados em matéria de funções, de horários e de salários e reduziu o peso dos sindicatos na negociação colectiva e nos planos sociais.


De acordo com o governo, a reforma deve levar a que os empresários percam o medo de empregar e assim aumentar a produtividade e a competitividade da economia espanhola. Mas para os sindicatos, esta reforma destrói o direito ao trabalho e as conquistas sociais. “A greve geral é a única opção que nos deixou o governo depois de ter agido por decreto-lei sem qualquer diálogo,” sublinhou o Presidente da CCOO, Ignacio Toxo, na terça-feira, numa reunião no país basco.


Em pouco mais de um mês, a reforma do mercado de trabalho já teve repercussões ao nível do emprego, de acordo com a antena da UGT na Andaluzia. Entre 13 e em 29 de Fevereiro, identificaram-se 13000 novos despedimentos na região, oito vezes mais do que em 2011 na mesma data. A mesma observação na Catalunha, onde a UGT disse que havia três vezes mais despedimentos entre 13 e 29 de Fevereiro do que entre 1 e 13 de Fevereiro.


“Muitas empresas estavam à espera desta reforma para despedir com vinte dias de indemnização por ano de trabalho em vez de trinta e três ou 45 dias, consoante o caso”, disse o advogado no direito do trabalho Jordi Vidal, do colectivo jurídico Ronda, uma cooperativa de Barcelona. “Outros parecem considerar que a taxa de desemprego de 23% justifica uma redução automática dos salários.” “Três dias depois da reforma, eu tive o caso de um informático a quem uma empresa queria impor 700 euros de corte de salários mensal.”

 

Uma taxa de desemprego de 23 %

 

A nova lei prevê, de facto, que as empresas possam impor unilateralmente cortes salariais depois de dois trimestres de baixa no volume de vendas e possam proceder a despedimentos económicos depois de três trimestres consecutivos de redução de lucros. Ora, num país em recessão, com a previsão de crescimento para 2012 a ser de (-1,7%, ) a maioria das empresas estará  a ver desde há muito tempo os seus resultados em queda.


Nos escritórios de advogados especializados no direito do trabalho, desde há um mês, o telefone não deixa de tocar. “As pessoas contactam-nos principalmente porque lhes impuseram uma redução de salário que eles tiveram que aceitar sob pena de serem despedidos,” afirma Javier Blanco, advogado de Adeia, uma cooperativa jurídica de Madrid. Em geral, trata-se de reduções de 100 ou 200 euros mensais, mas eu também tenho o caso de um empregado de uma empresa têxtil cujo salário passou de 1 500 para 1 000 euros. “Ela hesita em reclamar, com medo de perder o seu emprego.”


Com uma taxa de desemprego de 23% da população activa, a mais alta da zona euro e enquanto o governo anunciava 630.000 novas destruições de postos de trabalho em 2012, ter um emprego parece ser cada vez mais como um privilégio. “Esta reforma tem um efeito psicológico: aumenta o sentimento de medo nos assalariados que aceitam uma perda do seu poder de compra, leva a aumentos da sua jornada de trabalho  ou uma degradação das relações laborais na esperança de não perder o emprego”, disse Javier Blanco. O Ministro da Economia, Luis de Guindos, advertiu que os efeitos da reforma do mercado de trabalho só serão visíveis a “médio prazo”, no melhor dos casos no início de 2013, e que numa primeira fase, o desemprego vai continuar a aumentar.


“Com esta reforma, os trabalhadores que custam caros serão despedidos e em contrapartida irão ser substituídos por trabalhadores a menor custo, por jovens mais motivados ” reconheceu José Navarro, director financeiro da empresa de consultores sobre o imobiliário, Savills, que acaba de demitir seis funcionários, confirmando os temores dos sindicatos.

 

De acordo com uma sondagem do Instituto Metroscopia publicada no diário El Pais, 30% dos espanhóis que têm emprego tinham a intenção de participar na greve geral de quinta-feira. Mas 67% temem que isso “prejudique a situação económica”. Na sexta-feira, apresentando o seu orçamento para 2012, o governo deve anunciar um novo pacote de medidas de austeridade de 30 mil milhões de euros.

 

Sandrine Morel, Les Espagnols en grève générale contre la réforme du marché du travail, Le Monde, 28 de Março de 2012.

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