A crise na Europa, a crise em Madrid, a crise de um sistema: olhares sobre Espanha

Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

 

5. Uma maré humana desfila na Espanha em greve.

 

 

A Espanha viveu como em câmara lenta na  quinta-feira, 29 de Março, devido a  uma greve geral contra a reforma do mercado de trabalho e contra a austeridade do governo de direita, que nesta sexta-feira apresenta um orçamento para 2012 marcada por novos cortes, sob o olhar  preocupado de Bruxelas. A greve geral, o apelo dos principais sindicatos, Comisiones Obreras (CO) e UGT, foi pontuado por manifestações em toda a Espanha. 


Muitos pequenos cartazes onde estavam desenhados tesouras, aqui a ser o símbolo das reduções orçamentais, cem mil manifestantes pelo menos percorreram as avenidas no centro de Madrid. Os sindicatos anunciaram quase um milhão de pessoas, o diário El Pais fala em cento e setenta mil pessoas .

 

No cortejo, José Luis Rodriguez, empregado do sector comercial automóvel, de 35 anos explicou que tinha feito a escolha de perder um dia de salário  para defender os seus direitos,  fazendo  greve pela primeira vez na  sua vida. ” Este dia vai- me custar 60 euros, é pouco quando comparado com o que eles me podem  levar amanhã com a reforma, pois podem-me atirar para a rua”, disse ele. “Eles estão  a atacar  os direitos dos trabalhadores, e  se nós não saímos nas ruas, eles não saberão que nós somos contra a reforma.”


Violências em Barcelona


Os manifestantes, estimados em oitocentos mil pelos sindicatos, e em  dez vezes menos pela polícia, também desfilaram em Barcelona, a segunda cidade do país, onde a violência eclodiu entre grupos de polícia e  a juventude. “A polícia teve que intervir e usou  balas de borracha” face a  “grupo bastante importante”  que  provocou  ” incidentes violentos”, declarou  um porta-voz do Ministério do Interior regional. As imagens da televisão catalã mostraram jovens a queimar  contentores de lixo e a enfrentarem a  polícia de choque, com máscaras. Estes  último  dispararam  várias balas de borracha para o chão.

 


 

Os incidentes de Barcelona foram os mais violentos, mas também houve confrontos noutras cidades como Sevilha e Madrid durante as primeiras horas da greve. No total, 160  pessoas teriam sido detidas, cinquenta e oito policias e quarenta e seis manifestantes ou grevistas foram feridos em todo o país, de acordo com o Ministério do Interior.

 

Por todos os outros lugares, a mobilização foi forte, com cinquenta mil pessoas em  La Coruña, segundo a polícia, vinte – cinco mil em  Santiago de Compostela, de acordo com os sindicatos, entre setenta e dois mil e quatrocentos mil em toda Andaluzia, entre trinta e cinco mil e duzentos mil em Valência, de acordo com estimativas.


Acenando bandeiras vermelhas e cartazes com as palavras “reforma do trabalho, não”, os grevistas tinham-se instalado  no início da manhã às  portas  das fábricas e dos mercados grossistas de Madrid e Barcelona, junto dos bancos e das  estações de  transportes colectivos, distribuindo folhetos a anunciar : “Fechado devido à greve”. “Espero que esta manifestação  servirá para alguma coisa, que a reforma venha a ser  modificada, uma vez que hoje o despedimento é quase livre”, indignava-se Maria José Velasco, uma vendedora de 38 anos no desemprego.

 

 

 Em frente  ao Ministério das Finanças, uma mobilização do sindicato dos trabalhadores USO  (fotografia s.f. / World)

 

Os  sindicatos denunciam esta reforma aprovada em 11 de Fevereiro pelo governo e segundo este destinada a combater o desemprego recorde, 22.85% dos activos. Para os sindicatos, esta só vem exacerbar esta enorme chaga social, enquanto o próprio Governo prevê a destruição de postos de trabalho de mais 630 000  em 2012 e com o desemprego a subir para 24,3% no final do ano. “Esta é a resposta certa para uma reforma brutal do nosso mercado de trabalho”, disse Ignacio Fernandez Toxo, secretário geral das   CO.

 

 

Esta greve  geral é a  sexta  desde a restauração das liberdades sindicais, em 1977. A última realizou-se a  29 de Setembro de 2010, sob o governo socialista.

 

 

ALUNO TURBULENTO DA ZONA EURO

 

 

O  impacto da greve parece  ter sido limitado pelo acordo de serviço mínimo celebrado entre os sindicatos e o governo, para já não mencionar a preocupação de muitos espanhóis em não perder a  remuneração de um dia de trabalho num contexto de grande rigor. Em Madrid,  circularam em média 30%  das composições de metro e de autocarros. No resto do país, estavam previstos 30% dos comboios regionais  e 20% dos comboios nacionais.

 

 

As companhias  aéreas  Iberia, Air Nostrum e Vueling reduziram  uma média de 60% dos seus voos. Para além dos serviços públicos, as indústrias metalúrgicas e do sector automóvel  pareciam ter sido as mais afectados pelas  paragens de trabalho. Os lugares turísticos, como a Alhambra de Granada ou o Museu Picasso Barcelona, permaneceram  fechados.

 

 

Cem dias após a chegada ao poder do governo de Mariano Rajoy, as nuvens negras amontoam-se sobre no céu de Espanha, que agora é o aluno  turbulento da zona  euro: retorno à recessão, crescente exasperação  social, derrapagem orçamental com altos riscos  e desemprego galopante. 

 

 

A greve acontece pois no pior momento para o Governo: sob o olhar  dos seus parceiros europeus, preocupados com o estado das finanças públicas do país, o Conselho de Ministros deve apresentar na sexta-feira o orçamento de 2012, marcado por severos cortes. O objectivo deste orçamento, descrito como “austero” pelo próprio  Mariano Rajoy, ele próprio, é o de reduzir o défice  público para  5,3% do PIB no final do exercício depois da derrapagem para  8,51% em 2011, mas ao  custo de pesados sacrifícios sociais.

 

 

Editorial, Le Monde, 29 de Março

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