O DIA DO TRABALHADOR – por Raúl Iturra

 

 

No dia em que escrevi este texto não imaginava que nem a grave servia para aliviar a nossa miséria, a nossa falência, a nossa fome, falta de trabalho, as lutas políticas e gastos desnecessários. Pensava que éramos bem governados. Enganei-me redondamente. Em frente de nós, temos uma luta política que desactiva os investimentos e cada dia ficamos mais pobres. Nem a greve ajuda ao bom governo e a desafiar os que nos tratam mal. É melhor recordar os bons momentos em que a força de trabalho tinha a sua própria força e os proprietários tremiam. Para se defender, matavam, despediam, investiam noutros sítios e fugiam de nós.

 

No dia 1 de Maio celebra-se o dia do trabalhador. Por outras palavras, celebra-se o dia do operário ou do proletário industrial ou rural. O motivo, nem sempre é conhecido. Apenas sabemos que, em Portugal, por estes dias, estamos todos paralisados pelas greves que o povo oferece ao Governo que em nós manda, por ter cometido o imenso pecado de não pagar ordenados mais elevados que o custo de vida e porque se tem de trabalhar mais horas. Como é definido pelo Código do Trabalho Português, um horário de labor, são oito horas por dia, sem incluir dias de festas e Domingos. Se for um serviço que requer continuidade, como transportes, água, energia eléctrica, enfermagem e outras especialidades como a de trabalhar nas minas de carvão, extrair óleo de poços escavados na terra ou no mar, essas oito horas são rigorosamente cumpridas por turno. A população está bem servida, o povo não.

 

Em tempos idos, há já muitos anos, quando exercia a minha outra profissão, a de advogado, defendi os sindicatos que não tinham lei nem direito à greve. O operariado agarrava-se ao meu saber legal e às poucas liberalidades que os chamados governos  democratas, ofereciam. Havia a lei de despedimento com ou sem justa causa. Justa, para quem despedia, injusta, para quem perdia o trabalho.

 

Tempos em que famílias com lares acomodados alugavam o trabalho de uma mulher jovem e solteira, que trabalhava desde as 7 da manhã até à noite, sem qualquer inscrição e quotização na caixa de previdência, para assegurar o seu futuro e contava apenas com um Domingo por mês para ir passear ou namorar, ou ver a família. Os tempos mudaram, as criadas ou mulheres-a-dias chamam-se agora empregadas de limpeza e o patrão deve entregar uma importância não retirada do seu ordenado, para a sua segurança social.

 

Porém, não havia apenas esta profissão desfavorecida. Tive, no meu cartório, dois grupos de pescadores, que viviam do que conseguiam retirar do mar para vender nos mercados ou nas ruas. Tivemos a ideia de formar um sindicato, sendo eles próprios os seus patronos, com um presidente e um grupo de directores que alertaram para que estes trabalhadores se inscrevessem numa Caixa de Previdência, ou fizessem investimentos, além do trabalho da pesca, para, assim, puderem viver com mais decência. Para materializar esta ideia, os dois sindicatos, situados em sítios diferentes da minha cidade, Valparaíso, compraram terrenos, construíram casas e, ainda, mantiveram um pedaço de terra para ser cultivada. Nunca esquecerei, como estes meus clientes obedeciam a tudo o que eu lhes dizia e fiscalizava nas contínuas visitas às suas casas, nas que almoçava ou até ficava a dormir. Foram os melhores amigos que tive nos meus vinte anos de idade. Da minha mulher também. Os do cais Caleta Abarca, entre Valparaíso e a cidade balnear de Viña del Mar, organizaram um bingo e o dinheiro arrecadado foi usado para comprar um artefacto de cristal talhado – no Chile chamam-se poncheiras, para preparar sumo de frutas com álcool, e doze taças, do mesmo material. Estava em minha casa, quando o Presidente e os seus colaboradores, apareceram uma noite e ofereceram a dádiva. Fiquei… comovido. Convidei-os para o nosso casamento. Agradeceram, mas recusaram: “Don Raúl, o povo é o povo e não se deve misturar com pessoas de classes mais altas”…. Frase que me fez pensar e, já casados, mudei de profissão para me doutorar em Etnopsicologia. Tornou-se urgente, para mim, aprender como as pessoas pensam. Assim aconteceu: saí do país, estudei ciências da educação e etnologia, nas Universidades britânicas de Edimburgo e Cambridge. Aí fiquei, até aos dias de hoje, pesquisando e estudando pessoas em bairros ou aldeias de outros países.

 

Dia do trabalhador? Foi o que me comoveu e fez de mim um proletário intelectual, com filhas e netos. Sempre a andar entre as universidades em que ensinava e as aldeias pobres para entender o pensamento da infância e o seu crescimento. Primeiro de Maio? Porquê? Já fundada a Organização Internacional do Trabalho por Karl Heinrich Presborck Marx e a sua mulher, a Condessa prussiana que tudo deixou pela causa dos trabalhadores, Johanna von Westphalen, da mesma maneira que o seu marido ao abandonar a advocacia para se dedicar à filosofia e, através dela, aliada à economia, descobrir a fórmula da mais-valia, que cria o capital e retira ou aliena os bens produzidos pelo proletariado, causando, como diz Ratzinger (Bento XVI), um decaimento nas faculdades mentais dos descosidos e que Marx foi o único a entender esse facto, o que faz da sua obra um pilar de liberdade.

 

Em 1886, realizou-se uma manifestação de trabalhadores nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos da América, reivindicando a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias. A manifestação contou com a participação de milhares de pessoas e deu início a uma greve geral nos EUA. No dia 3 de Maio houve um pequeno levantamento que acabou em escaramuça com a polícia levando a morte alguns manifestantes. No dia seguinte, 4 de Maio, uma nova manifestação foi organizada como protesto pelos acontecimentos dos dias anteriores, tendo terminado com o lançamento de uma bomba por desconhecidos para o meio dos policiais que começavam a dispersar os manifestantes, matando sete agentes. A polícia abriu então fogo sobre a multidão, matando doze pessoas e ferindo dezenas. Estes acontecimentos passaram a ser conhecidos como a Revolta de Haymarket.

 

Três anos mais tarde, a 20 de Junho de 1889, asegunda Internacional Socialista reunida em Paris decidiu, por proposta de Raymond Lavigne, convocar anualmente uma manifestação com o objectivo de lutar pelas 8 horas de trabalho diário. A data escolhida foi o 1º de Maio, como homenagem às lutas sindicais de Chicago. Em 1 de Maio de 1891 uma manifestação no norte de França é dispersada pela polícia resultando na morte de dez manifestantes. Esse novo drama serve para reforçar o dia como um dia de luta dos trabalhadores e meses depois a Internacional Socialista de Bruxelas proclama-o como dia internacional de reivindicação de condições laborais. Fonte: os Livros de Eleanor Marx sobre o materialismo histórico, a sua Biografia sobre o pai, Karl Presborck Marx, e o texto do seu genro, Paul Lissagaray, La Commune de Paris, traduzido por Eleanor para inglês.

 

Em 23 de Abril de 1919 o senado francês ratifica a jornada de trabalho para 8 horas diárias e proclama o dia 1 de Maio, desse ano, feriado. Em1920, aRússia adopta o 1º de Maio como feriado nacional, e este exemplo é seguido por muitos outros países. Apesar de até hoje os estado-unidenses se negarem a reconhecer essa data como sendo o Dia do Trabalhador, não negam que, em1890, aluta dos trabalhadores estado-unidenses conseguiu que o Congresso aprovasse a redução da jornada de trabalho de 16 para 8 horas diárias.

 

 

Os artistas usam a sua criatividade e o povo a sua força sindical.

 

(Escrito no dia em que a minha família faz greve e a minha mulher pede divórcio, após 43 anos de casamento).

 

 

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