UM OUTRO MAIO – – por Hélder Costa

 

 

Era 3 de Maio, três da tarde. Estava eu a tomar uma bica com uns amigos no Boulevard St. Michel, quando começou a descer uma manifestação de estudantes.

 

– Olha, mais uma!

 

– E os chuis? – Devem estar a chegar. Claro que já lá estavam, sabiamente escondidos à esquina da ponte, e passados uns segundos começaram a mostrar-se. 

 

Pausa, silencio, só faltava a música do Morricone para recordar “Era uma vez, no Oeste”.

 

E nisto, a manifestação começou a avançar.

 

– Eh pá, os gajos estão a andar.

 

– Pois é. O que é isto?

 

– Isto hoje …

 

E, de repente, a manifestação desatou a correr.

 

Mas, oh milagre do inesperado, a correr em direcção à polícia! E a polícia, surpreendida com tal prova de afecto, recuou e entrincheirou-se. Algum garboso centurião terá apelado ao nobre sentido cívico dos CRS, e ei-los que desembolaram enraivecidos.

 

Começaram a voar pedras, lixo, chávenas e cadeiras dos cafés.

 

– Vamos?

 

– Que remédio!

 

– Até parece mal se a gente não dá uma ajudinha.

 

Esta conversa e a descrita “perturbação da ordem pública” passaram-se nos primeiros minutos da primeira manifestação que lançou o Maio de 68.

 

A seguir, já se conhece a história toda: estudantes, trabalhadores, intelectuais, afirmavam que esta civilização não servia. O quê em troca? Não se sabia. Mas muitos milhares não pouparam esforços – bonitos e generosos, diga-se de passagem – a tentar descobrir caminhos para o futuro.

 

Mais do que um acto puramente político ou partidário, tratou-se de uma rejeição de um modelo de vida e de sociedade.

 

Talvez seja por isso que alguns cronistas e opinion makers despejam tanto ódio contra os soixante-huitards, contra essa gente e esse movimento indisciplinado, libertário, afectivo, inimigo do PRECONCEITO, esse cancro ideológico que corrói as relações humanas, com a coragem de ressuscitar a UTOPIA, e a determinação de se entregarem de corpo e alma ao parto de uma sociedade nova.

 

Ainda não se conseguiu?

 

Há-de vir.

 

Aliás, foi essa a ideia daquela batida que marcava essas célebres manifestaçôes e que rezava

 

“Ce n’est q’un début, continuons le combat”. !

 

(Excerto do Capítulo Maio 68, Viagens, Exílios do livro O SAUDOSO TEMPO DO FASCISMO)

Leave a Reply