Adão Cruz Inadmissível atentado ao Pingo Doce na esquina do Bonjardim
(pormenor da Ribeira Negra de Júlio Resende)
A pobre mulher tinha lágrimas nos olhos.
Pudera!
Encostada à carrinha da polícia, aguardava a elaboração do auto, que o agente escrevia, com ar de gozo.
A pobre mulher tinha, na soleira de uma porta, à esquina da rua do Bonjardim com Fernandes Tomás, uma pequena caixa de esferovite com duas marmotas, que procurava vender.
Esta situação também me arrancou das entranhas algumas lágrimas de raiva e revolta, ainda mais pelo facto de este local distar uma centena de metros do Pingo Doce, que, como sabemos, se lembrou de festejar o Primeiro de Maio da forma mais vergonhosa e escandalosa que se possa imaginar, pela falta de ética, moral, ética social, negocial, comercial. Para não falar no monte de ilegalidades e irregularidades que, eventualmente, estarão por detrás de acto tão feio. Numa situação caótica como aquela valerá tudo, porventura, até escoamento do que está fora de prazo.
Mas a carrinha da polícia não esteve lá, pelo menos a ver se as marmotas eram frescas, pois até eu já comprei no Pingo Doce um polvo podre. A carrinha da polícia só vai ao Bonjardim, multar quem se atreve a vender duas marmotas que deveriam estar, por exemplo, na banca de peixe do Pingo Doce e não ali na soleira de uma porta.
Notícias de hoje dizem o seguinte:
“A investigação da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) à campanha promocional dos supermercados Pingo Doce no 1.º de Maio vai estar concluída no início da próxima semana, informou o inspetor-geral.”
“A rádio Antena 1 afirmou que a ASAE detetou a prática de “dumping” em três produtos (arroz, óleo e uísque) vendidos na promoção do Pingo Doce no 1.º Maio, notícia que António Nunes não confirmou nem desmentiu à Lusa.”
“Grandes superfícies lucram mais de 50% em alguns alimentos
O lucro das grandes superfícies supera os 50 por cento na venda de alguns tipos de alimentos, revelou o Observatório dos Mercados Agrícolas.”
Mas o Pingo Doce está a rir-se à tripa-forra, com o papo cheio e com a alma elevada aos céus destas ignominiosas catedrais de consumo.
Está a rir-se da humilhação a que submeteu os trabalhadores de um povo inteiro, está a rir-se da ASAE, cuja rede é demasiado pequena para tão grande peixe, está-se marimbando para a legalidade e para a ética.
Só a pobre mulher da esquina do Bonjardim não tem vontade de rir. É um peixe demasiado pequeno para tão grande rede.