Selecção de Júlio Marques Mota
17. Las Vegas megalo em Espanha
Sandrine Morel
Um multimilionário americano Sheldon Adelson que também é o responsável pelo desenvolvimento dos casinos de Singapura e de Macau. Aqui, o Marina Bay Sands casino Singapour. AFP/ROSLAN RAHMAN
MADRID, correspondente – Depois de ter sido a Meca da construção, a Espanha tornar-se-á ela o Templo do jogo? A questão suscita a controvérsia em Espanha, onde o multimilionário Sheldon Adelson pretende construir a cidade de Las Vegas da Europa. Presidente e primeiro accionista da Las Vegas Sands (LVS), este empresário polémico que construiu um império graças aos seus casinos monstros em Nevada, Singapura e Macau, promete 15 a 18,8 mil milhões de euros de investimento até 2022, a criação de 164 000 empregos directos e 97 000 postos de trabalho indirectos e 15,5 mil milhões de euros de receitas de turismo adicionais em 15 anos.
Quem ousaria recusar um tal maná? Especialmente na Espanha, onde 23% da população activa está desempregada e onde o governo espera uma recessão de 1,7% do PIB e a destruição adicional de 620 000 postos de trabalho este ano… Para alguns, Adelson, descendente de uma família pobre de imigrantes judeus da Lituânia, o 14º homem mais rico do mundo segundo a Forbes – que estima a sua fortuna em 24,9 mil milhões de dólares – é visto como o Messias, capaz de trazer uma lufada de ar fresco e um pouco de optimismo a um país que vive atormentado pela crise. Para outros, o homem, que gasta milhões de dólares para apoiar a campanha do candidato nas primárias republicanas, Newt Gingrich, encarna um capitalismo selvagem que utiliza uma conjuntura negativa para enriquecer à custa das leis.
Porque a oferta do magnata norte-americano não é gratuita. O seu projecto quer-se muito ambicioso: seis casinos, 18.000 máquinas do jogo com moedas, três campos de golfe, nove teatros, um auditório de 15.000 lugares, 12 hotéis, ou seja de 36 000 camas e 50 000 mesas na restauração. São os requisitos de Sheldon Adelson, de 78 anos, este que se considera um homem reputadamente duro em negócios, também as condições exigidas são, reputadamente violentas.
De acordo com El Pais, LVS estabeleceu uma lista de umas trinta condições prévias de matriz económica, fiscal, social e ambientais, condições estas prévias à execução do projecto. A empresa exigiria a livre transferência dos solos públicos onde se irá situar o complexo, dois anos de isenção de contribuições para a segurança social, isenção de dez anos do pagamento de IVA, do imposto sobre os jogos de azar e sobre o imobiliário fiscal e ainda uma redução de 95% do imposto sobre a transmissão de herança e 50% de imposto sobre as actividades económicas. LVS também exigiria uma reforma do estatuto dos trabalhadores, a autorização de entrada em casinos aos menores e aos “ludopatas” – incluindo os que são proibidos de acesso aos casinos – e a possibilidade de fumar nas salas de jogos. Finalmente, esta sociedade deseja que os jogadores que fazem transferências de fundos para os casinos sem se deslocarem ou que utilizam intermediários não tenham que ser identificados…
“Este projecto parece ser dificilmente viável porque envolve alterações legislativas, não só em Espanha, mas também na Europa, como por exemplo alterar a lei contra o branqueamento de capitais, autorizar a criação de um paraíso fiscal ou cancelar os direitos do trabalho,” disse Lorena Ruiz, da Associação Livre dos Advogados (ALA), que se posiciona contra a “Eurovegas”, o apelido dado ao projecto pela imprensa espanhola.
Até que ponto a crise justifica ela o pisar aos pés as leis e os direitos adquiridos? Tem-se dificuldade em acreditar que a Espanha vá ceder aos requisitos do magnata norte-americano. Mas é difícil saber o que está em cima da mesa. As negociações são secretas. A ausência de transparência é total. Os responsáveis políticos, esses, estão mudos.
Fino estratega, Adelson colocou duas regiões a ambicionar ter o projecto: Madrid e a Catalunha. Ele negocia pacientemente (desde há cinco anos com a capital espanhola), faz subir as cedências a serem-lhe oferecidas e deixa regularmente subentender as suas preferências por um ou por outro local para ver qual das duas regiões lhe pode dar o máximo.
A Presidente conservadora da região de Madrid, Esperanza Aguirre, tem sido bem clara sobre este assunto: “Se é necessário fazer seja que alterações legislativas ou regulamentares forem que estejam nos meus princípios, elas serão feitas (…).” “Obter esses 200 0000 empregos significaria que metade das pessoas que estão desempregadas de Madrid deixariam de o estar.” Por seu lado, o Presidente da Catalunha, Artur Mas, tentou bem acalmar : “neste complexo, os casinos acabam por representar apenas 2% a 4% da superfície dos edifícios que são construídos.” O resto são hotéis, convenções, palácios dos centros de congressos, spas, restaurantes, centros comerciais… Eu acho que isso nos interessa.”
Quanto ao governo, diz-se neutro, mas, sem que se saiba o conteúdo da reunião, o Secretário de Estado para o comércio, Jaime García-Legaz, reuniu-se com Adelson no final de Fevereiro. “Estamos preocupados”, reconheceu Rodrigo Fernandez Miranda, membro da associação Ecologistas em acção, que criou uma plataforma contra o casino com várias associações civis e recebeu já 7000 assinaturas na Internet contra o projecto. “Isso não é por acaso se este investidor escolheu a Espanha, o país europeu que tem mais desempregados e está em plena recessão, para instalar o seu projecto.” Mas Eurovegas vai trazer apenas mais especulação, mais destruição ambiental, ludopatia, prostituição, máfia e lavagem de dinheiro. “A Espanha deve pensar em termos de longo prazo e deve fazê-lo com um modelo de desenvolvimento económico sustentável”.
A plataforma tem poucas possibilidades de mudar a situação. Os jogos estão feitos, os dados estão lançados e os espanhóis não têm mais do que esperar pela a decisão de LVS, que anunciou que irá decidir antes do Verão se será Madrid ou Barcelona a feliz eleita …
Sandrine Morel, Las Vegas megalo en Espagne, Le Monde, 12.03.2012.